terça-feira, 26 de janeiro de 2016


A centralidade que a questão criminal assumiu, visível nas altas taxas de encarceramento ou na criminalização do cotidiano privado e da vida pública, responde às transformações econômicas das últimas décadas. Interessa-nos um aspecto dessa centralidade: a espetacularização do processo penal e os sérios danos que causa a direitos fundamentais e ao estado de direito.

A espetacularização do processo penal não é novidade. Na Inquisição, a colheita de provas e o julgamento eram sigilosos. Falsas delações e torturas são eficientes na obscuridade; a festa era a execução da pena de morte. Com a adoção da pena de prisão, a execução numa cela tornou-se uma rotina sem apelo jornalístico. O espetáculo deslocou-se para a investigação e o julgamento.

Basta ligar a TV à tarde: deploráveis reality shows policiais, nos quais suspeitos são exibidos e achincalhados por âncoras “policizados”. Diz a Constituição inutilmente que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, garantia repetida pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal. Mas é no noticiário “sério” sobre inquéritos e ações penais que reside um grave problema, opondo a liberdade de comunicação à presunção de inocência e ao direito ao julgamento justo. A liberdade de imprensa geralmente prevalece sobre o direito à privacidade. Contudo, quando o confronto se dá com a presunção de inocência e o direito ao julgamento justo, a solução é distinta, como se constata em países democráticos.

A Corte Suprema dos EUA manifestou desconforto por ter identificado “julgamento pela imprensa” e anulou condenações. Numa delas, registrou que “o julgamento não passou de uma cerimônia legal para averbar um veredicto já ditado pela imprensa e pela opinião pública que ela gerou”. Alertou que o noticiário intenso sobre um caso judicial pode tornar nula a sentença e que a publicidade dos julgamentos constitui uma garantia constitucional do acusado e não um direito do público.

Na Europa, o assunto preocupa legisladores e tribunais. França e Áustria criminalizaram a publicação de comentários sobre prováveis resultados do processo ou sobre o valor das provas. Em Portugal, a publicação de conversas interceptadas em investigação é criminalizada, salvo se, não havendo sigilo de Justiça, os intervenientes consentirem na divulgação: o sigilo de Justiça vincula todos aqueles que o acessarem a qualquer título. A Corte Europeia de Direitos Humanos já decidiu que a condenação de jornalistas por publicidade opressiva não viola a liberdade de comunicação.

Não será por meio da criminalização da publicidade opressiva que se poderá reverter o lastimável quadro que vivemos, onde relações entre agentes do sistema penal e alguns jornalistas produzem vazamentos escandalosos, editados e descontextualizados, com capacidade de criar opiniões tão arraigadas que substituem a garantia constitucional por autêntica “presunção de culpa” e tornam impossível um julgamento justo.

Entre nós, existem casos em que todo o processo se desenvolve na mídia. Nesse cenário, pelo menos deveria ser exigido dos meios de comunicação aquilo que é exigido dos tribunais e das repartições públicas: obedecer ao contraditório. Hoje, após a longa veiculação da versão acusatória, segue-se breve menção a um comentário do acusado ou de seu defensor, que frequentemente desconhece a prova já divulgada para milhões de telespectadores. Se vamos persistir neste caminho perigoso — afinal, o sistema penal é historicamente um lugar de expansão do fascismo — pelo menos o contraditório obedecido pelos tribunais deveria ocorrer na mídia. Se a autoridade policial ou o Ministério Público divulgar sua acusação por três minutos, o acusado ou seu defensor deveria desfrutar do mesmo tempo para falar o que quisesse em sua defesa. Já que o processo se desenrola na mídia, que haja pelo menos paridade de armas. A prática atual é abertamente antidemocrática.

Nilo Batista é professor de Direito Penal da UFRJ e da Uerj

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Até não faz muito tempo, Richard Nixon, ainda presidente dos Estados Unidos, declarava: "Somos todos keynesianos". Era a demonstracao da hegemonia desse modelo. Foram conservadores – e nao a esquerda – os responsáveis pelo Estado de bem estar social na Europa. Era a confirmação de que se tratava de um consenso geral.
Uma década depois, outro presidente norte-americano anunciou a mudança radical de rumo. Para Ronald Reagn, o Estado deixava de ser solução, para ser o problema. Apontava-se o elemento chave do modelo keynesiano, para torná-lo agora o alvo dos ataques concentrados do neoliberalismo, primeira por parte da direita tradicional, depois também por setores advindos da esquerda histórica.
A partir daquele momento, se deflagrou uma feroz luta de ideias e políticas sobre o papel do Estado, com consequências diretas sobre a economia. O ataque ao Estado muitas vezes não revelava claramente o que se colocava no seu lugar: o mercado. Trata-se de uma mesma operação ideológica, mas com duas caras.
Pelo diagnóstico neoliberal, as economias deixam de crescer, prejudicados pela excessiva quantidade de regulamentações, que travam e desincentivam os investimentos. Se tratariam então de liberar o capital dos limites que o obstaculizariam, para que se implemente o livre comércio, com o quê se retomariam os investimentos, a economia voltaria a crescer e todos voltariam a ganhar – era assim que pregavam Reagan e Margareth Thatcher, alegre e ingenuamente.

Emir Sader

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Ainda com a carta pública dos 104 advogados fervilhando entre apoiadores e discordantes, a também discutida retenção de Marcelo Odebrecht na prisão dá margem a mais um incidente processual do gênero criticado na Lava Jato. Em princípio, trata-se de estranha omissão ao ser transcrita, da gravação para o processo, da parte da delação premiada de Paulo Roberto Costa que inocenta Marcelo de participação nos subornos ali delatados. Mas o problema extrapolou a omissão.

Já como transcrição na Lava Jato do que disse e gravou o delator muito premiado, consta o seguinte: "Paulo Roberto Costa, quando de seu depoimento perante as autoridades policiais em 14.7.15, consignou que, a despeito de não ter tratado diretamente o pagamento de vantagens indevidas com Marcelo Odebrecht" –e segue no que respeitaria a outros.

As palavras de Paulo Roberto que os procuradores assim transcreveram foram, na verdade, as seguintes: "Então, assim, eu conheço ele, mas nunca tratei de nenhum assunto desses com ele, nem põe o nome dele aí porque ele, não, ele não participava disso".

É chocante a diferença entre a transcrição e o original, entre "não ter tratado diretamente com Marcelo Odebrecht" e "nem põe o nome dele aí por que ele, não, ele não participava disso". A reformulação da frase e do seu vigor afirmativo só pode ter sido deliberada. E é muito difícil imaginar que não o fosse com dose forte de má-fé. Do contrário, por que alterá-la?

Não é o caso de esperar por esclarecimento da adulteração, seu autor e seu propósito. Seria muita concessão aos direitos dos cidadãos de serem informados pelos que falam em transparência. No plano do possível, a defesa de Marcelo Odebrecht, constatada a adulteração, requereu a volta à instrução processual, do seu início e com a inclusão de todos os vídeos da delação, na íntegra e não só em alegadas transcrições.

O juiz Sergio Moro decidiu contra o requerido. Considerou os pedidos "intempestivos, já que a instrução há muito se encerrou, além das provas pretendidas serem manifestamente desnecessárias ou irrelevantes, tendo caráter meramente protelatório". E, definitivo: "O processo é uma marcha para frente. Não se retornam às fases já superadas".


(Jânio de Freitas)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, recebeu nesta sexta-feira (15), em Curitiba (PR), a Comenda do Mérito Judiciário outorgada pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Em discurso no Plenário do Tribunal, o ministro afirmou que a Justiça brasileira é plural, heterogênea, mas que os mais de 16 mil juízes em atividade no país trabalham unidos em torno de um mesmo propósito, a garantia dos direitos fundamentais e a consolidação do Estado Democrático de Direito.




O ministro afirmou ainda que, apesar dos problemas sérios pelos quais o Brasil passa hoje, sejam os econômicos, que refletem a crise mundial de 2009, políticos e sociais, é necessário reconhecer que, embora haja alguns bolsões intolerância, em comparação com o restante do mundo, "o país ainda é uma ilha de tranquilidade" e permite que se viva com tranquilidade.

"Sem sombra de dúvidas, o Poder Judiciário, os juízes brasileiros, anônimos, distribuídos por todos os rincões, são responsáveis por esta paz social, por esta harmonia que, felizmente, ainda desfrutamos", concluiu o ministro.

A Comenda do Mérito Judiciário é uma condecoração instituída pelo TJ-PR e tem por objetivo o reconhecimento público às pessoas físicas que tenham contribuído para o fortalecimento, valorização e dignidade do Poder Judiciário.
Valor: O que acha da ideia aventada pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, de aproveitar o pagamento das "pedaladas" fiscais e usar os bancos públicos na tentativa de reativar a economia?
Trabuco: Eu acho o mais correto, mas desde que o custo do financiamento esteja perto do custo de emissão do Tesouro. Não temos espaço para crédito direcionado com subsídios. Como se reativa a economia? No ano passado, quando estávamos aqui, o Mario Draghi [do BCE] soltou um afrouxamento quantitativo, mas não reavivou a economia. Temos margem fiscal para fazer política anticíclica? Não. O livro-texto recomenda que haja muito juízo. Não cabem ideias preconcebidas, experimentalismos, nada que comprometa mais nossa previsibilidade. O Brasil tem que voltar a ser previsível.


(Trabuco, presidente do Bradesco, no jornal Valor Econômico)