quinta-feira, 31 de março de 2016

Jornal GGN - Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o ator Wagner Moura analisa a atual crise política, diz que "ser legalista não é o mesmo que ser governista", afirmando que tentativa de tirar a presidente Dilma Rousseff do poder é um "golpe clássico". O ator ressalta que nos últimos anos tem feito críticas públicas ao governo Dilma e acredita que o "esfacelamento das ideiais progressistas" é reflexo, também, da decadência do PT.
Moura critica o juiz federal Sergio Moro, dizendo que ele age como promotor, e diz que o país vive um "Estado policialesco movido pelo ódio". Ele lembra que o processo de impeachment é movido pelas 'pedaladas fiscais' e não pelos fatos investigados na Operação Lava Jato, afirmando que "mpeachment sem crime de responsabilidade provado contra a presidente é inconstitucional". Leia mais abaixo:
Da Folha
 
Wagner Moura
Ser legalista não é o mesmo que ser governista, ser governista não é o mesmo que ser corrupto. É intelectualmente desonesto dizer que os governistas ou os simplesmente contrários ao impeachment são a favor da corrupção.
Embora me espante o ódio cego por um governo que tirou milhões de brasileiros da miséria e deu oportunidades nunca antes vistas para os pobres do país, não nego, em nome dessas conquistas, as evidências de que o PT montou um projeto de poder amparado por um esquema de corrupção. Isso precisa ser investigado de maneira democrática e imparcial.
Tenho feito inúmeras críticas públicas ao governo nos últimos 5 anos. O Brasil vive uma recessão que ameaça todas as conquistas recentes. A economia parou e não há mais dinheiro para bancar, entre outras coisas, as políticas sociais que mudaram a cara do país. Ninguém é mais responsável por esse cenário do que o próprio governo.
O esfacelamento das ideias progressistas, que tradicionalmente gravitam ao redor de um partido de esquerda, é também reflexo da decadência moral do PT, assim como a popularidade crescente de políticos fascistas como Jair Bolsonaro.
É possível que a esquerda pague por isso nas urnas das próximas eleições. Caso aconteça, irei lamentar, mas será democrático. O que está em andamento no Brasil hoje, no entanto, é uma tentativa revanchista de antecipar 2018 e derrubar na marra, via Judiciário politizado, um governo eleito por 54 milhões de votos. Um golpe clássico.
O país vive um Estado policialesco movido por ódio político. Sergio Moro é um juiz que age como promotor. As investigações evidenciam atropelos aos direitos consagrados da privacidade e da presunção de inocência. São prisões midiáticas, condenações prévias, linchamentos públicos, interceptações telefônicas questionáveis e vazamentos de informações seletivas para uma imprensa
controlada por cinco famílias que nunca toleraram a ascensão de Lula.
Você que, como eu, gostaria que a corrupção fosse investigada e políticos corruptos fossem para a cadeia não pode se render a esse vale-tudo típico dos Estados totalitários. Isso é combater um erro com outro.
Em nome da moralidade, barbaridades foram cometidas por governos de direita e de esquerda. A luta contra a corrupção foi também o mote usado pelos que apoiaram o golpe em 1964.
Arrepio-me sempre que escuto alguém dizer que precisamos "limpar" o Brasil. A ideia estúpida de que, "limpando" o país de um partido político, a corrupção acabará remete-me a outras faxinas horrendas que aconteceram ao longo da história do mundo. Em comum, o fato de todos os higienizadores se considerarem acima da lei por fazerem parte de uma "nobre cruzada pela moralidade".
Você que, por ser contra a corrupção, quer um país governado por Michel Temer deve saber que o processo de impeachment foi aceito por conta das chamadas pedaladas fiscais, e não pelo escândalo da Petrobras. Um impeachment sem crime de responsabilidade provado contra a presidente é inconstitucional.
O nome de Dilma Rousseff não consta na lista, agora sigilosa, da Odebrecht, ao contrário dos de muitos que querem seu afastamento. Um pedido de impeachment aceito por um político como Eduardo Cunha, que o fez não por dever de consciência, mas por puro revide político, é teatro do absurdo.
O fato de o ministro do STF Gilmar Mendes promover em Lisboa um seminário com lideranças oposicionistas, como os senadores Aécio Neves e José Serra, é, no mínimo, estranho. A foto do juiz Moro com o tucano João Doria em evento empresarial é, no mínimo, inapropriada.
E se você também achar que há algo de tendencioso no reino das investigações, não significa que você necessariamente seja governista, muito menos apoiador de corruptos. Embora a TV não mostre, há muitos fazendo as mesmas perguntas que você.
WAGNER MOURA, 39, é ator. Protagonizou os filmes "Tropa de Elite" (2007) e "Tropa de Elite 2" (2010). Foi indicado ao prêmio Globo de Ouro neste ano pela série "Narcos" (Netflix) 

quarta-feira, 30 de março de 2016

Com o anúncio da saída do PMDB do governo federal, após reunião do partido nesta terça-feira (29), a legenda do vice-presidente Michel Temer deixou a base aliada do governo da presidenta Dilma Rousseff. Isso ocorre ao mesmo tempo em que o vice permanece como sucessor natural, caso o impeachment aconteça por meio de decisão do Congresso Nacional prevista ainda para este ano.
No sistema presidencialista, o vice assume papel determinante em meio às crises políticas. Em 1954, o vice-presidente Café Filho abandonou Getúlio Vargas durante a crise que resultou no suicídio do então presidente. Café Filho assumiu o governo e permaneceu no poder até novembro de 1955. Em 1961, uma nova crise foi gerada com a renúncia de Jânio Quadros. João Goulart assumiu o governo e ficou no poder até ser derrubado por um golpe de estado em 1964.
Nos dois casos, o vice-presidente em questão tinha posições políticas diferentes do presidente. Na época, as eleições eram separadas. A população escolhia o presidente e também o vice. "O vice era eleito com chapa avulsa, independente do presidente. Sua representatividade, ou seja, a soberania popular tal como ela está investida no cargo de um ex-presidente, era muito maior do que é hoje", informou José Otavio Guimarães, professor de História da Universidade de Brasília (UnB).
Com o modelo de chapa única do presidencialismo atual, é necessária uma composição entre os partidos antes das eleições. No fim de 2015, Temer deu sinais de um possível rompimento com o governo por meio de uma carta endereçada à presidenta Dilma, na qual afirmava que se sentia um "vice-decorativo".
"De alguma forma o PMDB começou a manifestar divergências mais gritantes com relação ao PT a partir do momento em que ele viu que o governo estava frágil e via a possibilidade de eles [PMDB] assumirem o poder", acrescentou Otávio.
Segundo o professor, caso o impeachment se concretize os partidos que assumirem papel de oposição irão vincular Michel Temer ao governo Dilma Rousseff, no qual ele é vice há seis anos. "É difícil ele se desamarrar. Seria mais fácil naquela época. O Jango poderia dizer que não se elegeu com os mesmos votos do Jânio. Era uma representatividade que estava descolada. Os votos que elegeram Dilma elegeram Michel Temer. É muito mais difícil, do ponto de vista da justificativa de representatividade, ele se descolar do governo Dilma".
Antes de ser vice de Jânio, João Goulart também tinha sido vice-presidente de Juscelino Kubitschek (PSD), que assumiu após o suicídio de Getúlio. Na opinião do professor, em meio a ameaças de golpe, naquele momento Jango teve um papel de estabilizar o governo como vice-presidente. "O vice esteve ali numa condição de sustentação daquele governo e da governabilidade."
Caso Temer assuma a Presidência, será a segunda vez que um político do PMDB chega ao poder sem ter liderado a chapa presidencial. Conheça o papel do vice-presidente em outros momentos de crises políticas no Brasil.

1954: Café Filho assume a Presidência após o suicídio de Getúlio Vargas

Nas eleições diretas de 1950, Ademar de Barros, então governador de São Paulo e fundador do Partido Social Progressista (PSP), impôs o nome de Café Filho para a vice-presidência como condição de apoio à candidatura de Getúlio Vargas pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) à Presidência. Getúlio não concordou com o nome, mas não viu alternativas por precisar de apoio. Café Filho tinha manifestado historicamente posições contrárias a Getúlio e era considerado "esquerdista" pela Igreja e pelos militares.
Em meio à crise política gerada pelo crime da Rua Tonelero, o vice-presidente sugeriu a Getúlio a renúncia de ambos, de modo que fosse montado um governo interino de coalizão. Com a negativa de Getúlio, Café Filho rompe publicamente com o governo e assume após o suicídio do presidente. Ele fica no cargo até novembro de 1955, quando é afastado por motivos de saúde.
1961: Jango assume a Presidência após a renúncia de Jânio
Com a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, oito meses após assumir a Presidência da República, João Goulart, que estava em viagem à China como vice, seria o sucessor. Apesar de impedido de assumir o governo pelos militares, Jango toma posse com apoio de Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul. Brizola lança a "Campanha da Legalidade", defendendo o direito de posse do vice-presidente por meio de uma cadeia de rádios e com as forças de segurança de seu estado. Jango acaba assumindo a Presidência em um regime parlamentarista, após acordo realizado com a oposição. Somente em 1963, após plebiscito, ele passaria a governar no regime presidencialista.
1985: Tancredo Neves morre e Sarney assume a Presidência
Na primeira eleição de um presidente civil após o período militar, o mineiro Tancredo Neves (MDB) foi escolhido por votação indireta, tendo como vice José Sarney, então do Partido da Frente Liberal (PFL). A legenda foi criada por meio da Aliança Democrática, uma reunião de vários partidos que se juntaram para eleger Tancredo.
Com a internação de Tancredo Neves na véspera da posse, Sarney assumiu o governo interinamente. Ele se tornou presidente definitivo em 21 de abril de 1985, após a morte de Tancredo. Sarney governou até 1989, quando ocorreram as primeiras eleições diretas após o período ditatorial, vencidas por Fernando Collor de Melo.
1992: Itamar se torna presidente após impeachment de Collor 
Em meio a uma crise política por denúncias de corrupção, o presidente Fernando Collor foi afastado da Presidência da República no dia 2 de outubro de 1992, após a instauração da Comissão de Impeachment do Senado. O vice-presidente Itamar Franco assumiu provisoriamente e começou a escolher sua equipe ministerial, enquanto corria o processo de impedimento no Congresso.
No dia 29 de dezembro de 1992, data em que o Senado votaria o processo de impedimento, Collor renuncia para evitar a cassação e Itamar Franco passa a exercer efetivamente o papel de presidente do país.

terça-feira, 29 de março de 2016

Por Luiz Gonzaga da Silva
“Eu queria dizer que os constituintes de 1988 atribuíram a esta Suprema Corte a elevada missão de manter a supremacia da Constituição Federal e a manutenção do Estado democrático de direito. Eu tenho certeza de que os juízes dessa Casa não faltarão aos cidadãos brasileiros no cumprimento deste elevado múnus”.
 
Declaração do presidente do STF Ricardo Lewandowiski na abertura da seção pós revelação dos grampos ilegais de Sérgio Moro.
 
Na mesma seção, o decano Celso de Mello respondeu ao dito nos grampos convalidando de maneira indireta a ilegalidade.
 
O julgamento no Senado é presidido pelo presidente do STF. No caso, como ficaria a posição da Corte ante a flagrante ilegalidade na ausência de crime de responsabilidade cometido pela presidenta? Vários ministros tem se manifestado dizendo ser o impedimento um preceito constitucional. Vamos combinar, ninguém disse o contrário, muito menos, a presidenta.
 
O que está em questão é: a mesma Constituição diz que para haver o impedimento do chefe do executivo há que se ter um crime comprovado no seu prontuário. E aí?
 
Estamos vivendo uma situação kafkiana. A presidenta de um dos maiores e mais influentes países do mundo, país até aqui festejado no mundo como uma grande democracia, está na eminência de sofrer um impedimento sem ter cometido qualquer crime.  Como disse um eminente líder do partido que, covardemente, está saltando do barco: "isso tem outro nome".

quinta-feira, 24 de março de 2016

Do O Dia
Fernando Molica com Paulo Cappelli
 
Medida de FHC livrou Gilmar Mendes de responder a processo
 
Ex-presidente editou medida provisória que deu status de ministro a Mendes. Com isso, ele passou a ter foro especial
 
Gilmar Mendes — o ministro do Supremo Tribunal Federal que impediu Lula de assumir a Casa Civil e, assim, livrar-se do juiz Sérgio Moro — deixou de responder a processo em primeira instância graças a uma decisão de Fernando Henrique Cardoso. O então presidente editou medida provisória que deu status de ministro ao advogado-geral da União, cargo que era ocupado por Mendes. Graças à MP, ele passou a ter direito a foro especial.
 
Em 19 de julho de 2000, a juíza federal Rosimayre Gonçalves Carvalho recorreu ao STF para interpelar Mendes: sentira-se ofendida por declaração do então advogado-geral, que criticara juízes que, como ela, deram decisões contrárias a privatizações.
 
Não era ministro 
No dia 8 de agosto, o ministro Sepúlveda Pertence, do STF, concluiu que não cabia a este tribunal apreciar o caso, já que o advogado-geral da União não era ministro.
 
Mudança na MP 
Vinte dias depois, FHC reeditou pela vigésima-segunda vez a MP 2.049. A nova redação veio com uma mudança: o parágrafo único do artigo 13 incluiu o advogado-geral da União entre os ministros de Estado.A alteração seria mantida em MPs que vieram em seguida e modificavam a Lei 9.649.
 
Arquivado 
Por conta da mudança, Rosimayre voltou ao STF e insistiu no caso — no dia 29 de setembro, Sepúlveda reconsiderou sua decisão e permitiu a abertura do processo, a Petição 2.084. Oito anos depois, o ministro Menezes Direito negou seguimento à interpelação, e o caso foi encerrado. A decisão foi tomada dois meses antes da posse de Mendes no STF — ele fora indicado ao cargo por FHC.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Decisão de Teori restaura ordem no sistema jurídico brasileiro
por J. Carlos de Assis
A decisão do ministro Teori Zavascki de avocar de Curitiba para o STM a parte da investigação da Lava Jato relativa ao ex-presidente Lula começou a pôr ordem na anarquia que estava prevalecendo no sistema judiciário brasileiro desde que o juiz Sérgio Moro, obcecado pelo combate à corrupção, cometeu o supremo ato de corrupção de um magistrado que é violar princípios básicos do direito como habeas corpus, presunção de inocência e privacidade  das gravações telefônicas que não tem nada a ver com os fatos investigados.
A opinião pública que acompanha esse processo com algum grau de informação deve ter respirado aliviada com a decisão do Ministro. Antes dele, senti no discurso da Presidenta uma firmeza que ainda não havia visto antes. Ao declarar com todas as letras que a violação e divulgação de telefonema presidente era um crime contra a Segurança Nacional, Dilma, a meu juízo, chegou ao ponto mais próximo que poderia chegar de convocar o Conselho de Estado e decretar o Estado de Defesa, como é sua legítima prerrogativa.
Esse sinal claro da Presidenta serve sobretudo como advertência a juízes e procuradores que estão claramente exorbitando de suas funções e prerrogativas, assim como a policiais federais que se escondem por trás de associações corporativas para desafiar superiores hierárquicos com ameaças públicas de retaliação à coibição de seus desmandos. Evidentemente que estamos próximos de uma sublevação geral dessas instâncias do Estado que se tornaram fora do controle e auto-dispensadas de prestação de contas por seus atos. Daí a justificação, se o for feito, da decretação do Estado de Defesa.
O combate à corrupção não pode ser o biombo atrás do qual setores corporativos, extremamente beneficiados pelo Estado no que diz respeito a salários e gratificações, muitas inventadas e aprovadas ilegalmente por eles mesmos, decidiram ditar uma nova ordem política no país, a ser comanda por seus apaniguados, sem serem eleitos para isso e sem considerar a ordem legal. Salve o ministro Teori: num discurso que fez dias atrás no interior de São Paulo ele de certa forma antecipou essa decisão que, por ir de encontro ao estrelato de um juiz, pode contrariar a opinião pública manipulada, mas que ele simplesmente ignorou.
Uma das consequências de seu despacho será a regularização do sistema de gravações telefônicas autorizadas. Nada se deverá divulgar, e assim mesmo a divulgação deverá ser em momento oportuno, das partes da gravação que não disserem respeito diretamente ao fato investigado. Isso protegerá o cidadão dos assaltos a sus privacidade, como tem sido recorrente na Lava Jato. E acabará com um sistema pelo qual o foro do juiz Moro se tornou uma espécie de sucursal de jornais, revistas e televisões, alimentando diaramente um noticiário invasivo e ilegal, e dispensando o trabalho de repórteres.
J. Carlos de Assis - Economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ.

terça-feira, 22 de março de 2016

Esse texto foi lido ontem no Congresso
Texto escrito por Francisco Costa
1 - E se Dilma tivesse 22 processos por corrupção, como Eduardo Cunha (PMDB)?
2 - E se Dilma tivesse 18 processos por corrupção, como José Serra (PSDB)?
3 - E se Dilma colocasse sob sigilo, por 25 anos, as contabilidades da Petrobras, Banco do Brasil e BNDES, como Geraldo Alckmin (PSDB) colocou as do Sistema Ferroviário paulista, das Sabesp e da Polícia Militar, após se iniciarem investigações da Polícia Federal, apontando desvios de muitos milhões?
4 - E se Dilma tivesse comprado um apartamento no bairro mais nobre de Paris e, dividindo-se o valor do imóvel pelos seus rendimentos, se constatasse que ela teria que ter presidido este país por quase trezentos anos para tê-lo comprado, caso de FHC (PSDB)?
5 - E se a filha da Dilma tivesse tido um único emprego, de assessora da mãe, e a revista Forbes a colocasse como detentora de um das maiores fortunas brasileiras, como no caso do Serra(PSDB) e sua filhinha?
6 - E se Dilma tivesse dado dois Habeas Corpus, em menos de 48 horas, a um banqueiro que lesou o sistema financeiro nacional, para que ele fugisse do país; desse um Habeas Corpus a um médico que dopava a suas clientes e as estuprava (foram 37 as acusadoras), para que ele fugisse para o Líbano; se fizesse uso sistemático de aviões do senador cassado, por corrupção, Demóstenes Torres (DEM); se tivesse votado contra a Lei da Ficha Limpa por entender que tornar inelegível um ladrão é uma “atitude nazi-fascista” (sic), tendo a família envolvida em grilagem de terras indígenas, como Gilmar Mendes (Ministro do STF)?




quarta-feira, 2 de março de 2016

RESPOSTA ENVIADA PELA PESQUISADORA DA FIOCRUZ LIGIA GIOVANELLA AO REPÓRTER DO JORNAL 'O GLOBO', AUTOR DA MATÉRIA 'RIO TEM MAIOR TAXA DE MORTALIDADE NO SUS EM TRÊS DÉCADAS'
Prezado Eduardo,

Hoje no café da manhã ao ver as manchetes de capa e ler a reportagem da página 4 do jornal o Globo que vc redigiu, fiquei muito surpresa com a incompreensão de dados estatísticos simples como a taxa de mortalidade por grandes grupos de causas. Escrevo para que vc entender melhor os dados que tentou difundir e emplacou como manchete de capa, e possa melhorar em próximas análises. Eu não sou especialista neste tema, não sou epidemiologista, mas este é um conhecimento básico de saúde pública.

1.Em primeiro lugar: é impossível afirmar que 12,76 / 100 mil hab de mortes por causa mal definidas correspondem à maioria dos óbitos como vc afirma três vezes – inclusive no título da matéria na página 4. Somente podemos escrever maioria quando nos referimos a uma proporção maior de 50%. Neste caso vc poderia ter dito a maior taxa com 12,76 mortes por cem mil hab (caso fosse correta). Estranhei imediatamente ao ler a manchete pois sei que as mortes por causas mal definidas tem diminuído no país. Desculpe o tom professoral mas sou mesmo professora e estou acostumada a corrigir dissertações de mestrado e doutorado. Veja por exemplo, os dados de mortes para 2013 no estado do RJ: em 2013 morreram 130.032 pessoas no ERJ, destas mortes 7.088 foram pelo Capítulo XVIII Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte; o que corresponde a 5,5% das mortes. A principal causa são mortes por doenças do aparelho circulatório, Cap IX, com 38.172, o que corresponde a 29,4% dos óbitos em 2013 no ERJ. Assim é errado afirmar que a maioria dos óbitos não teve diagnóstico (como aparece no título/manchete p 4): somente 5,5% não teve diagnóstico claro.... bem longe de ser maioria!
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10uf.def

Veja outro exemplo: em 2011 a taxa de mortalidade específica no ERJ para doenças do aparelho circulatório foi de 229 mortes por cem mil habitantes: 17 vezes maior do que a taxa que vc refere para causas mal definidas!
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2012/c08.def

2. Em segundo lugar, e mais grave, é o desconhecimento de que não se tratam de “mortes no SUS” (afirmado em duas manchetes, ou pior ainda “pelo SUS” como afirmado mais adiante). As estatísticas se referem a todas as mortes do país/estado – a fonte são todos os atestados de óbitos do país/estado colhidos nos cartórios – não são mortes nas emergências dos hospitais do SUS como vc dá a entender no terceiro parágrafo da primeira coluna da p. 4.

3. Está correto dizer mortes registradas no país ou no estado pelo Datasus ou pelo SUS, uma vez que se trata de um órgão do Ministério da Saúde – o que está incorreto é afirmar que são mortes no SUS ou pelo SUS – induzindo o/a leitor/a a concluir que o SUS mata! Que os serviços do SUS do ERJ são os piores do país etc, etc...

4. Vc acredita mesmo que a população do Maranhão tem melhor condição de saúde do que a do Rio de Janeiro? Ou melhores serviços de saúde do que o RJ? Certamente vc sabe que é um dos estados mais pobres do país. Não ficaste intrigado? Neste caso de comparação entre estados deveria utilizar a taxa padronizada (como aparece nos indicadores e dados básicos IDB até 2012) ou se poderia talvez utilizar taxas por faixa etária o que permitiria uma comparação.

5. Quem calculou a taxa de mortalidade? Ela foi padronizada? qual a população? Em geral não se comparam taxas brutas de mortalidade pois a estrutura etária influencia sobremaneira os resultados. Uma população mais velha apresenta evidentemente taxas mais elevadas de mortalidade.

6. Veja que as observações da professora entrevistada assim como dos órgãos públicos se referem à evolução da mortalidade e suas causas em geral, e, não a mortes do SUS, pois este tipo de indicador não existe. O que se calcula são taxas de mortalidade hospitalar, por exemplo.

A informação jornalística clara e transparente é um elemento crucial para a democracia. Todos nós estamos preocupados em melhorar a qualidade de serviços no SUS para que se torne efetivamente um serviço nacional de saúde público, universal de qualidade garantindo o direito cidadão de acesso aos serviços de saúde de qualidade. Boas reportagens podem contribuir para isto.

Se vc quiser pode me enviar o texto de onde vc coletou os dados e me ligar p gente compreender melhor o que aconteceu. Também posso sugerir especialistas p vc entrevistar.

Cordialmente
Ligia Giovanella
pesquisadora titular
Nupes/Daps/Ensp/Fiocruz
Escola Nacional de Saúde Pública / Fundação Oswaldo Cruz

terça-feira, 1 de março de 2016

por Hylda Cavalcanti
Brasília – A notícia da saída do cargo do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, hoje (29), teve repercussões diferentes entre setores diversos da sociedade Enquanto a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) divulgou nota externando preocupação com a “autonomia da PF”, juristas e magistrados reiteraram posicionamento que vinham fazendo há meses, de que a questão que reside nos motivos da saída de Cardozo não são a busca por menor ou maior autonomia da instituição. E sim, a falta de controle de vazamentos seletivos, de retorno a perguntas sobre como foram feitas determinadas investigações e iniciativas que deixaram transparecer abusos a direitos fundamentais garantidos na Constituição.
Segundo o que circulou no noticiário, o ministro, que já vinha falando antes em deixar a pasta que ocupava desde o início do primeiro governo Dilma Rousseff, pediu para sair depois de ter sido bombardeado nos últimos dias por críticas dos integrantes do PT. Principalmente nas ações de acompanhamento das "investigações" dirigidas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua família e na condução da Operação Lava Jato como um todo.
Mas a questão que envolve Cardozo não significa dizer que o governo adotará um filtro para a ação da Polícia Federal e demais órgãos controlados pelo Ministério da Justiça. E sim pruridos da ausência de providências sobre determinados abusos.
Para o cientista político e advogado Geraldo Ferreira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – que tem a investigação Lava Jato como tema de estudo para sua tese de doutorado, na Universidade de Brasília (UnB) –, os governos de Lula e da presidenta Dilma Rousseff foram e têm sido republicanos, no sentido amplo da palavra, de respeitar e dar liberdade às instituições. "Mas daí a deixar essas instituições cometerem ações que ultrapassam os limites estabelecidos constitucionalmente é um outro caminho", criticou Ferreira.
Alguns casos observados nesse sentido chegaram a criar saia justa para o ministro, como a intimação feita a Luiz Cláudio Lula da Silva, na sua residência, no final do ano passado, por volta das 23h – horário considerado inadequado para esse tipo de abordagem e no dia do aniversário do ex-presidente. Na ocasião, Cardozo afirmou que tinha pedido explicações formais à Polícia Federal sobre os motivos que levaram a esse tipo de ação para tomar depoimento de alguém não indiciado em nenhum crime.
A falta de resposta sobre a justificativa da PF soou estranho para vários repórteres que procuraram informações no ministério. E não foi o único caso.
Autonomia funcional
Em nota divulgada hoje, a ADPF afirma ver com "extrema preocupação" a saída de Cardozo do Ministério da Justiça. "Os delegados federais reiteram que defenderão a independência funcional para a livre condução da investigação criminal e adotarão todas as medidas para preservar a pouca, mas importante, autonomia que a instituição Polícia Federal conquistou", enfatiza o documento. A carta acrescenta que a entidade permanece "compromissada em fortalecer a Polícia Federal como uma polícia de Estado, técnica e autônoma, livre de pressões externas ou de orientações político-partidárias".
Especialistas do meio jurídico e acadêmico, no entanto, observam a própria PF recorrendo a "pressões externas" ao utilizar os meios de comunicação para difundir investigações e suspeitas inconclusas, de cunho sigiloso, de modo a criar um ambiente de comoção sobre a opinião pública. E precipitar a "fabricação" de juízos de valor.
No livro A Outra História da Lava-Jato, do jornalista Paulo Moreira Leite, que faz um análise das ações da operação a partir do parecer de vários juristas, magistrados e especialistas, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos afirma que mais do que uma "judicialização da política", assiste-se hoje a uma "espetacularização da Justiça", com a assídua contribuição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). "A política vem sendo filtrada pelos processos civis e criminais em andamento, estando subordinados ao desenlace, como em filme, agora de suspense, os destinos de bom número de personagens da vida pública", enfatiza.
Também o jurista Rubens Casara ressalta, em artigo publicado no ano passado intitulado "O Processo Penal do Espetáculo", e destacado na mesma obra, que "a espetacularização dos julgamentos, situação evidente depois da Ação Penal 470 (a do mensalão), cria um ambiente de mocinho e bandido que ilude a população e compromete os direitos de defesa dos acusados, que se tornam alvo de um discurso construído, não raro, para agradar às maiorias de ocasião, forjadas pelos meios de comunicação de massa".
Em seu site, o jornalista Luis Nassif observa que o fluxo de disseminação de denúncias por autoridades via meio de comunicação cria um "efeito manada" na opinião pública. "Hoje em dia tem-se um Judiciário acuado pela besta – o sentimento de manada da opinião pública e um clima em que cada qual cuida apenas do seu quintal", avalia, referindo-se à inépcia de autoridade de colegiados superiores como Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Procuradoria-Geral da República – em coibir os abusos.
Nassif aponta em declarações do próprio Sérgio Moro, responsável pela operação, uma motivação parcial: "Quando o juiz sustenta que a corrupção deriva de uma economia fechada, expressa uma visão ideológica (que emana de organizações internacionais movidas por uma visão liberalizante da economia)".
Tom político-partidário
Na mesma linha, o deputado Wadih Damous (PT-RJ), advogado e ex-presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, embora não tenha comentado a saída do ministro da Justiça, já ressaltou várias vezes a questão do tom político-partidário dado à condução da operação.
De acordo com o deputado, o contraditório assegura às partes do processo (autor e réu) acesso de todos os atos processuais nele produzidos para que tenham a possibilidade de contrariá-los. "Sem o contraditório, não há ampla defesa. Trata-se de princípio constitucional. A delação premiada é inconstitucional porque viola esse direito ao confronto. No processo não pode haver procedimentos secretos. Se houver, são nulos por desrespeito à Constituição. E a Constituição não pode ser cumprida pela metade", assegurou Damous.
O parlamentar também criticou o fato da Lava Jato só ser sigilosa no processo. "Fora dele, todos ficam sabendo do teor da delação pelas manchetes dos jornais, logo após o depoimento. A obrigação de sigilo, que a própria lei da delação premiada estabelece, tornou-se meramente simbólica. Desrespeita-se a obrigação legal e fica por isso mesmo. Assim, o que o delator disse ganha estatuto de verdade absoluta e é tratado como prova. A prova sem processo."
"Está claro que não se trata de uma questão de reprimir ou inibir uma investigação que o país inteiro quer ver chegar ao final, mas sim passar a acompanhar melhor o trabalho das instituições que tendem a seguir por um caminho errado, muitas vezes beirando o inconstitucional. E foi isso o que faltou ao ministro Cardozo, que fez um trabalho exemplar em vários outros setores cobertos pela pasta", acentuou Geraldo Ferreira.