segunda-feira, 23 de maio de 2016


 O professor da tortura


Da Brasileiros
 
Dan Mitrione, o agente americano que ensinava técnicas de “interrogatório”, também deixou sua marca entre os gaúchos
 
Luiza Villaméa
“A dor exata, no lugar exato, na quantidade exata, para obter o resultado desejado”. Dan Mitrione, o autor da frase, jamais imaginaria, mas a “técnica de interrogatório” e sua assinatura estão inscritas em uma placa instalada há um ano na calçada do Palácio da Polícia, em Porto Alegre. Iniciativa do Projeto Memória, a placa denuncia que brasileiros foram torturados e mortos nas “masmorras” do palácio.
Agente do governo americano na América Latina nos anos de chumbo, Dan Mitrione atuou no Brasil antes, durante e depois do golpe de 1964. No final de junho daquele ano, o instrutor de tortura – especializado na aplicação de choques elétricos – esteve em Porto Alegre. No Palácio da Polícia, ele deu um curso para policiais gaúchos. E posou com seus pares na entrada do prédio, em fase final de construção.
Na fotografia, Dan Mitrione é aquele que usa óculos e sobretudo branco. Na época, o chefe de polícia do Rio Grande do Sul era o major Leo Guedes Etchegoyen, mais tarde general. Integrante de uma família de militares linhas-duras, Leo Etchegoyen é pai do general Sergio Westphalen Etchegoyen, que o presidente interino Michel Temer acaba de nomear como ministro-chefe da Secretaria de Segurança Institucional.
Não por acaso, o recém-nomeado ministro é crítico ferrenho dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que incluiu o general Leo Etchegoyen, já morto, na relação de 377 “autores de graves violações de direitos humanos” durante a ditadura. Junto com a família, ele protestou formalmente. Como resposta, a comissão detalhou a trajetória do militar.
Essa não foi a única citação envolvendo familiares do general em termos de violação aos direitos humanos. Um tio dele, Cyro Guedes Etchegoyen, que também já morreu, foi apontado pelo coronel Paulo Malhães como responsável pelo centro clandestino de tortura conhecido como Casa da Morte, em Petrópolis, Rio de Janeiro.
Dan Mitrione, que chegou a ser nome de rua em Belo Horizonte, teve destino trágico. Depois da temporada no Brasil, ele foi destacado para “assessorar” a polícia do Uruguai, onde foi sequestrado e morto pelos tupamaros, em agosto de 1970.
Três anos depois, o cineasta Costa-Gravas lançou o filme Estado de Sítio, inspirado no professor de tortura, interpretado por Yves Montand. Em uma das cenas do filme, a aula de tortura acontece em um espaço “decorado” com a bandeira do Brasil. No link do filme, abaixo, a cena da aula começa nos 35 minutos e 30 segundos:

Luiza Villaméa
Repórter Especial da Brasileiros, é jornalista e mestre em História pela USP. Ganhou um prêmio Esso por uma série de reportagens sobre o impacto da ditadura na vida de crianças e adolescentes

domingo, 22 de maio de 2016

Da Folha de S. Paulo
Por Celso Amorim
Uma imagem vale mais que cem palavras, diz o provérbio chinês; e uma ação vale por cem imagens, poder-se-ia complementar. E, no entanto, na diplomacia, as palavras podem ter grande peso.
A combinação das palavras com as ações em matéria de política externa, que se ouviram ou viram até aqui, inspira preocupação.
É até compreensível que o novo chanceler do governo interino defenda o processo que o guindou ao cargo, amplamente criticado no mundo, ainda que uma grande parte da população brasileira considere tal processo ilegítimo.
E não estamos falando apenas dos militantes do PT e do PC do B, mas de artistas e intelectuais, que, de maneira intuitiva, interpretam a alma do povo. Certamente, a imagem da equipe do filme "Aquarius", estampada pela Folhaem sua primeira página da edição de quarta-feira (18), contrasta, inclusive por sua diversidade, com as figuras cinzentas que aparecem na cerimônia de posse do presidente interino.
Por um momento, ao vê-las, com os áulicos de ontem e de sempre, fui transportado aos eventos palacianos do tempo do governo militar, quando não se viam mulheres, negros ou jovens.
O que assistimos no Itamaraty guarda semelhança com esse quadro mais amplo.
Em suas primeiras ações, o novo chanceler disse a que veio: com palavras incomumente duras, que fazem lembrar os comunicados do tempo da ditadura, como a acusação de que governos de países da nossa região estariam empenhados em "propagar falsidades", as notas divulgadas (aliás, estranhamente atribuídas ao Ministério das Relações Exteriores e não ao governo brasileiro, como de praxe, com o intuito provável de enfatizar a autoria) atacam governos de países amigos do Brasil, ameaçam veladamente o corte da cooperação técnica a uma pequena nação pobre da América Central e acusam o secretário-geral da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), um ex-presidente colombiano, eleito pela unanimidade dos membros que constituem a organização, de extrapolar suas funções.
Um misto de prepotência e de arrogância pode ser lido nas entrelinhas, como se o Brasil fosse diferente e melhor do que nossos irmãos latino-americanos.
Talvez, por prudência (ou temor do sócio maior dessa entidade), as notas evitaram palavras equivalentes sobre a OEA (Organização dos Estados Americanos), a despeito das expressões críticas do seu secretário-geral e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Até o momento, eximiu-se de manifestar-se sobre as preocupações expressadas pela pequena, mas altiva Costa Rica, insuspeita de bolivarianismo.
Mas o que mais preocupa é o afã em diferenciar-se de governos anteriores, acusados de ação partidária, como se esta só existisse na esquerda do espectro político. Quando o partido é de direita, e as opções seguem a cartilha do neoliberalismo, não haveria partidarismo. Tratar-se-ia de políticas de Estado.
Há muito que "especialistas", cujos discursos são ecoados pela grande mídia, acusam de "partidária" a política externa dos governos Lula e Dilma, esquecendo-se que muitas de suas iniciativas foram objeto de respeito e admiração pelo mundo afora, como a própria Unasul —aparentemente desprezada pelos ocupantes atuais do poder— os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; sem os quais não teria havido a primeira reforma real, ainda que modesta, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial) e o G-20 da OMC (Organização Mundial do Comércio), que mudou de forma definitiva o padrão das negociações em nível global.
Ao mesmo tempo, busca-se derreter o Mercosul, retirando-lhe seu "coração", a União Aduaneira (para tomar emprestado uma metáfora do presidente Tabaré Vasquez).
Em matéria comercial, o afã em aderir a mega-acordos regionais do tipo do TPP (a Parceria Transpacífico ) denota total ignorância das cláusulas, que cerceiam possibilidades de políticas soberanas (no campo industrial, ambiental e de saúde, entre outros).
Chega a ser espantoso que alguém que se bateu, com coragem e firmeza, pelo direito de usar licenças compulsórias para garantir a produção de genéricos, não esteja informado da existência de cláusulas, intituladas enganosamente de Trips plus (na verdade, do nosso ponto de vista, seriam Trips minus), que, de forma mais ou menos disfarçada, reduzem a latitude para o uso de tais medidas, no momento em que comissões de alto nível criadas pelo secretário-geral da ONU alertam para o risco de debilitar a Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e Saúde, consagrada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, aprovada pelos chefes de Estado na 20ª Assembleia Geral da ONU.
A África, de onde provém metade da população brasileira e onde os negócios do Brasil cresceram exponencialmente —sem falar na importância estratégica do continente africano para a segurança do Atlântico Sul- ficará em segundo plano, sob a ótica de um pragmatismo imediatista. Sobre os Brics, o Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), as relações com os árabes, uma menção en passant. Esqueça-se a multipolaridade, viva a hegemonia unipolar do pós-Guerra Fria. Nada de atitudes independentes.
A Declaração de Teerã, por meio da qual o Brasil, com a Turquia (e a pedido reiterado do presidente Barack Obama, diga-se de passagem) mostrou que uma solução negociada era possível, completou seis anos, no dia 17 de maio. Na época, foi exaltada por especialistas das mais variadas partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Porém causou horror aos defensores do bom-mocismo medíocre em nosso país.
Mas as elites não terão mais nada a temer. Nenhuma atitude desassombrada desse tipo voltará a ser tomada. O Brasil voltará ao cantinho pequeno de onde nunca deveria ter saído.
CELSO AMORIM, diplomata de carreira, foi ministro das Relações Exteriores (governos Itamar e Lula) e da Defesa (governo Dilma) 

sábado, 21 de maio de 2016

Dilma se emociona com recepção calorosa em BH e faz críticas ao governo Temer

Vídeo enviado por Messias Franca de Macedo

Da Agência Brasil
A presidenta afastada Dilma Rousseff participou na noite desta sexta (20) da abertura do 5º Encontro de Blogueiros e Ativistas Digitais em Belo Horizonte. Ao chegar ao evento, ela foi recebida por milhares de manifestantes contrários ao processo de impeachment. Após abraçar diversos deles, ela fez uso da palavra e não conteve as lágrimas. "Iremos resistir. Eu agradeço a vocês a imensa energia dessa recepção", disse.
O 5º Encontro de Blogueiros e Ativistas Digitais começou nesta sexta e vai até o próximo domingo (22). Na abertura, Dilma Rousseff criticou o fim do Ministério da Cultura (MinC) e a possibilidade de redução do Sistema Único de Saúde (SUS). Também acusou o governo interino de planejar cortes no Bolsa Família, acrescentando que o programa é elogiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e permitiu tirar o Brasil do mapa da fome.
Segundo a presidenta afastada, o governo não teria legitimidade para fazer as mudanças que propõe. "Não só as pessoas não foram submetidas às urnas, como o programa que eles estão tentando implantar também não foi. E isso é o mais grave", disse. Dilma Rousseff considerou que o processo deimpeachment não se justifica e o classificou de golpe. "Não cometi crime algum, não tenho contas no exterior". Na última quarta-feira, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber notificou a presidenta afastada para explicar o uso da palavra golpe.
Dilma comparou a política externa do seu governo com a do presidente interino Michel Temer. "Uma vez Chico Buarque sintetizou que a política externa deles é a que fala fino com os países ricos e falava grosso com a Bolívia. Na época, a oposição queria até que invadíssemos a Bolívia. Mas a nossa política externa, que criou laços na América Latina e na África, foi a que tornou o Brasil respeitado internacionalmente", disse.
Por fim, Dilma disse que não vai ficar presa no Palácio da Alvorada e pretende aceitar convites para participar de atos, além de seguir tentando impedir o impeachment no Senado e em todas as instâncias possíveis do Poder Judiciário. "No meu governo e no governo do presidente Lula sempre asseguramos que as pessoas pudessem se expressar mesmo quando eram contra nós, porque damos imenso valor à democracia. Eu temo que um governo ilegítimo, ao tentar implantar certas medidas, só tenha o recurso da repressão para fazê-las viáveis", disse.
Durante o discurso, os presentes interromperam a presidenta diversas vezes para gritar palavras de ordem, criticando o presidente interino Michel Temer e a Rede Globo. A emissora de televisão foi acusada de contribuir com o processo que classificam de golpe. Os veículos de comunicação do grupo Globo foram vetados pela organização de receber credenciais para cobrir evento.
O encontro seria feito com patrocínio da Caixa Econômica Federal. Ontem (20), porém, o presidente interino Michel Temer suspendeu o repasse dos recursos. "Se eles acharam que esse corte iria nos impedir de debater a mídia alternativa, eles não nos conhecem", disse na abertura do evento Renata Mielli, diretora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, uma das entidades organizadoras.
Manifestação
Um ato contra o afastamento de Dilma Rousseff estava agendado para ontem (20), mas a data foi alterada após a presidenta afastada confirmar que estaria na capital mineira nesta sexta-feira. A jornalista Alessandra Brito, 28 anos, considerou que esse encontro com Dilma precisa estimular mais ações. "É um momento de acolhimento e força, mas a gente precisa ser combativo e seguir ocupando as ruas até que o Temer caia. Esse governo é machista e é racista. É só olhar para o ministério", disse.
manifestação contra o governo de Michel Temer em BH
Ato contra o afastamento de Dilma Rousseff foi transferido para sexta após confirmação da participação da presidenta afastada em encontro de blogueiros
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios de Minas Gerais (Sintect-MG), Robson Silva, defendeu uma greve geral e manifestou preocupação com o futuro das estatais. "Este governo é a favor do estado mínimo e das privatizações. Querem entregar nossas empresas para os grupos internacionais", disse.
Os manifestantes se reuniram na Praça Afonso Arinos, em frente à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, que está ocupada desde o dia 12 de maio por estudantes contrários ao impeachment. Eles se direcionaram para a entrada do Hotel Othon Palace, onde ocorre o encontro dos blogueiros.
Após a recepção à presidenta afastada, a manifestação seguiu para a sede da  Fundação Nacional de Artes (Funarte). O local está ocupado por artistas contrários ao impeachment desde o último domingo.
A Funarte era vinculado ao recém-extinto MinC e tem como objetivo o desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música, ao teatro, à dança e ao circo. Sua sede nacional fica no Rio de Janeiro e há representações em Belo Horizonte, Brasília, São Paulo e Recife. Na semana passada, o então presidente do órgão, Francisco Bosco, apresentou sua carta de renúncia e justificou sua decisão dizendo não reconhecer o novo governo.

sexta-feira, 20 de maio de 2016



Wladimir Safatle


"Sete CITados na Operação Lava Jato viram ministro e ganham foro privilegiado", "Novo ministro dos Transportes é suspeito de desvio de verba de merenda escolar", "Itamaraty fornece passaporte diplomático a pastor citado na Lava Jato", "Brasil tem pela primeira vez presidente acusado de ser ficha suja", "Gilmar Mendes [quem mais?] reenvia processo contra Aécio Neves à Procuradoria-Geral da República em menos de 24 horas", "Novo líder do governo na Câmara é acusado de homicídio".
Digamos que todo o processo de "impeachment" de Dilma Rousseff tivesse sido, de fato, impulsionado pela indignação popular contra a corrupção sistêmica no governo.
Se este fosse realmente o caso, teríamos, neste exato momento, um barulho ensurdecedor de panelas, milhares de pessoas iradas vestindo verde e amarelo nas ruas e a imprensa em coro pedindo a destituição do presidente interino e seu governo postiço de corruptos. Uma semana bastou para mostrar ao mundo o grau zero de comprometimento contra a corrupção da oligarquia que tomou de assalto o poder.
Mas não, meus amigos, vocês não estão ouvindo panelas, nem vendo seu vizinho urrar impropérios contra o governo, nem o senhor Sérgio Moro continua no noticiário com sua pretensa caça implacável e destemida contra usurpadores do bem comum.
Não há nada no horizonte das famílias que tiravam selfies com a Polícia Militar que indique um desejo incontido de gritar "agora, é fora Temer". Na verdade, agora é "ordem e progresso", ou se quiserem uma versão mais honesta do lema positivista, agora é "repressão e espoliação direta", com direito a ministros falando sobre o fim da universalidade do SUS, cortes na construção de 11 mil casas populares e preparação da população para mais uma reforma previdenciária com limitação de direitos trabalhistas. Em outras palavras, a violência de sempre.
Mas se, de fato, toda esta história sobre indignação contra a corrupção era uma farsa tosca, o que realmente aconteceu? Digamos que o Brasil viveu nestes últimos meses uma grande expiação, uma espécie de Carnaval macabro de liberação da frustração social que tinha como única finalidade tirar dessa liberação sua potência de transformação real e transformá-la em uma ação espetacular e improdutiva. Como em uma terapia catártica, a frustração social foi expiada por meio da imolação de uma presidenta. E assim tudo pode depois voltar ao normal.
Era claro que o Brasil entrara, desde 2013, em um compasso insuportável de frustração. Haviam prometido ao povo brasileiro que nosso país seria a quinta economia do mundo, que a Copa do Mundo e as Olimpíadas seriam momentos mágicos de aquecimento da economia e reconstituição da infraestrutura de nossas cidades, que estaríamos nadando em dinheiro do pré-sal com 75% destes rendimentos aplicados em educação.
No entanto, o que se viu foram cidades cada vez mais excludentes com preços exorbitantes de imóveis, serviços públicos sucateados, desenvolvimento concentrado e aumento exponencial do endividamento das famílias. Contra isso, o governo Dilma só ofereceu imobilismo e o discurso de que "o Brasil tinha avançado muito, mas precisa avançar mais".
Ninguém precisa ser PhD em psicologia social para perceber a situação explosiva em que nos encontrávamos. Duas saídas eram possíveis.
A primeira era a consolidação de uma dinâmica de transformações sociais radicais por meio da abertura de espaço à emergência de novos sujeitos políticos com clara força de atualização de visões alternativas de desenvolvimento social. Mas isto não ocorreu, a classe política brasileira estava completamente envelhecida para abrir tal espaço, até mesmo as forças oposicionistas eram incapazes de mobilizar alguém em prol de um projeto. Elas só conseguiam mobilizar as pessoas contra algo.
Sobrou então a segunda alternativa, a saber, a simples tradução deste desencantamento generalizado em frustração social bruta, com direito a rituais de expiação e espetáculos de liberação de falas "politicamente incorretas" contra inimigos imaginários. Falas que repetem o mero prazer infantil de enunciar palavras proibidas marchando ao lado de patos gigantes e bonecos infláveis que pareciam saídos de desenhos animados. A temática da corrupção foi apenas a senha para começar esse Carnaval impotente. Seu destino era terminar ali.
Expiada a frustração, sacrificados os inimigos, todos podiam então voltar para casa e se submeter aos mesmos políticos corruptos de sempre, enquanto eles espoliam ainda mais nossos direitos. Assim, a era das panelas em fúria terminou. Agora, a verdadeira era da indignação pode começar.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Para Noam Chomsky, Dilma foi acusada por "uma gangue de ladrões"


Enviado por Romério Rômulo
 
Noam Chomsky(MIT), linguista, escritor e um dos maiores intelectuais políticos do mundo, fala claramente: é GOLPE. 

"Mas, como até mesmo o The New York Times ressaltou, Dilma Rousseff é talvez a única política que não roubou para se beneficiar.
Ela está sendo acusada de manipulações no orçamento, que são práticas comuns em muitos países, tirar de um bolso para colocar em outro. Talvez seja uma prática ruim de alguma maneira, mas certamente não justifica impeachment.
Nós temos uma líder política que não roubou para enriquecer a si mesma, que está sendo acusada por uma gangue de ladrões, que o fizeram.

Isso conta como um tipo de golpe brando. Eu acho que é isso mesmo."
(Democracy Now!)
 



segunda-feira, 16 de maio de 2016

Belluzzo diz que Brasil pode crescer, mas desigualdade vai aumentar

Jornal GGN – O economista Luiz Gonzaga Belluzzo acredita que, com apoio da mídia, que vai pintar um quadro de otimismo, o governo do presidente interino Michel Temer pode conseguir fazer a economia crescer. O custo, no entanto, vai ser o aumento da desigualdade. “A imprensa vai começar a dizer: ‘aumentou o emprego’. A forma como as coisas são vistas é importante na economia. Você infunde otimismo numa situação muito ruim”, disse. “Dado o grau em que a economia encolheu, eles têm os instrumentos para começar uma recuperação”.
Para Belluzzo, essa recuperação será baseada “no estilo tradicional brasileiro”. “Eles vão fazer a economia crescer reduzindo a ascensão dos de baixo, que foi muito importante no período Lula e no primeiro mandato de Dilma”.
Da Rede Brasil Atual
Por Eduardo Maretti
Para economista, governo Temer, com Henrique Meirelles, vai "fazer a economia crescer reduzindo a ascensão dos de baixo, que foi muito importante no período Lula e no primeiro mandato de Dilma"
São Paulo – Após a primeira coletiva do novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo avalia que, diante das dificuldades econômicas do país, o início do governo Michel Temer tem possibilidades de conseguir, com o apoio da mídia, obter resultados. “A imprensa vai começar a dizer: ‘aumentou o emprego’. A forma como as coisas são vistas é importante na economia. Você infunde otimismo numa situação muito ruim”, diz. “Dado o grau em que a economia encolheu, eles têm os instrumentos para começar uma recuperação.”
Essa recuperação, porém, se houver e se não forem cometidos erros de percurso, será baseada “no crescimento no estilo tradicional brasileiro”, segundo Belluzzo. “Eles vão fazer a economia crescer reduzindo a ascensão dos de baixo, que foi muito importante no período Lula e no primeiro mandato de Dilma.”
Para o economista, um dos principais fatores que levaram a economia à depressão foi a operação Lava Jato. “Ela colocou problemas graves para as grandes empreiteiras, que são grandes devedoras no mercado financeiro, o que inviabilizou muitas empresas médias e pequenas.” Em dezembro de 2014, Belluzzo já alertava para o problema. “Observo uma tendência na sociedade brasileira de achar que não tem importância em destruir a Petrobras e as empreiteiras. Só que elas são responsáveis por uma parcela muito importante do investimento no país”, afirmou à época.
Ainda no final de 2014, Belluzzo também apontava para os problemas da economia brasileira com a adoção do programa de Joaquim Levy, então recém-nomeado ministro da Fazenda da presidenta Dilma Rousseff. “O que vai acontecer? Eles vão cortar renda e emprego. Só que isso vai ser feito com uma recessão”, previu.
Em entrevista à RBA, Belluzzo comentou as perspectivas da economia com o novo ministro Henrique Meirelles, que, por ironia, era o preferido de Lula para comandar o Ministério da Fazenda de Dilma, que preferiu Joaquim Levy.
Como vê as possibilidades na economia com o governo Temer?
Houve o choque negativo produzido de 2014 para 2015, o choque de tarifas, a economia desacelerando. O PIB cresceu 0,1% em 2014, e vinha em desaceleração. Começamos 2015 com a economia com forte desaceleração. Aí o governo deu um choque de tarifas, elevando a inflação para 10,75%, gerando um desemprego hoje de 11%, fruto da queda do PIB. O déficit primário (receitas menos despesas, descontando os juros) foi a 0,6% no final de 2014 e está em 2,3% (do Produto Interno Bruto). A economia estava desacelerando. Aí você dá um choque de tarifas. Isso pega todas as cadeias produtivas, serviços e tudo o mais. Ao mesmo tempo você eleva a taxa de juros para 14,25%. A subida das taxas de juros, mais os cortes do Joaquim Levy em investimento, colocaram a economia não numa recessão, mas numa depressão.
Mas, no cenário atual, as quedas dos juros e da inflação já não estavam previstas, mesmo que a Dilma não caísse?
Sim, certamente. Como cai a inflação? Você saiu de 6,4%, foi a 10,75% por causa do choque de tarifas, agora está voltando para estimativas de 7% ou 6,5% em 2017. Um percurso absurdo. A inflação foi puxada para baixo pela contração da economia e aumento do desemprego. Isso permite uma queda na taxa de juros. Nesse intervalo, a Lava Jato colocou problemas graves para as grandes empreiteiras, que são grandes devedoras no mercado financeiro, o que inviabilizou muitas empresas médias e pequenas. Com o choque de juros, as dívidas subiram a níveis inimagináveis.
O único fator positivo foi o cambial, que fez com que a balança comercial brasileira passasse de déficit para superávit. Essa melhoria reduziu o déficit em conta corrente, que inclui pagamento de juros e outros serviços. A economia continuou caindo, mas em velocidade menor. O que ficou disponível para a política econômica (de Meirelles) é a redução rápida dos juros, mais rápida do que seria imaginável. Não sei se eles vão fazer. Muita gente diz que é preciso colocar a inflação na meta para reduzir os juros. Se não reduzirem, o setor privado não vai poder reagir.
O governo Temer pode se beneficiar de expectativas positivas do mercado?
Eles perceberam que era preciso retomar o investimento em infraestrutura para dinamizar a economia, senão a coisa não vai. É o que o Meirelles tentou explicar e não conseguiu. Disse que precisamos reduzir a relação dívida/PIB e ao mesmo tempo dar impulso à economia. Mas estão com a faca e o queijo na mão, se fizerem a coisa corretamente e reduzirem a dívida pública.
A economia chegou a um momento em que, com qualquer movimento mais favorável, queda dos juros ou recuperação do investimento público, por exemplo, você vai puxá-la para cima e vai parecer um sucesso. Tudo vai depender do que vai acontecer com a indústria. Não dá mais para valorizar o câmbio. A indústria foi muito machucada nos últimos 20 anos, inclusive pelo governo do PT, que deixou o câmbio valorizar. Eles têm condição de fazer uma reversão da economia.
Se não quiserem produzir o superávit primário a qualquer custo, se fizerem isso ao longo do tempo e reduzirem a taxa de juros, a situação melhora muito. Até porque o mercado internacional vai começar a olhar para o Brasil de maneira favorável, porque a economia tem chance de recuperação.
Não é curioso que Lula queria Henrique Meirelles para a Fazenda?
Por que o Lula queria o Meirelles? Porque ele sabe que o Meirelles é flexível. É que Meirelles não consegue se expressar direito, mas o que ele disse? Ele disse: “vou chegar ao ajuste fiscal daqui a dois anos, ao longo do tempo”. Se você fizer de repente, você vai agravar a situação. Isso já custou o desemprego, a inflação está se ajustando pelo desemprego, pelo fechamento de empresa, pela desorganização de serviços, pela perda de participação do salário na renda. Se você gera uma taxa de desemprego cavalar, aí a inflação cai mesmo.
Já que o impeachment foi apoiado por setores do mercado financeiro e especuladores, e Temer é apoiado por esse mercado, pode-se esperar algo bom para o povo, mesmo que a economia melhore?
É provável que a economia comece a se recuperar, mas se eles cometerem o erro de misturar isso com as reformas, principalmente a trabalhista, para o povo não vai ficar nada bom. E eles não disseram que vão acabar com o Bolsa família. Seria um tiro no pé.
Mas o Meirelles deixou claro, em outras palavras, que o Bolsa Família vai ser visto com cuidado, que vai ser objeto de critérios rigorosos etc...
Eles vão querer encolher (o Bolsa Família), fazer cortes etc, mas ao mesmo tempo estão montando um programa em infraestrutura para gerar emprego. Vai se tentar fazer uma recuperação típica do Brasil, em que os salários crescem bem abaixo da produtividade. Ele falou isso, eu vi a entrevista. Essa ideia da redução da desigualdade saiu de pauta. Agora é a lógica do crescimento em que a contenção dos salários ajuda a disposição das empresas a investir, mas com salário mais baixo.
Mas não se engane: dado o grau em que a economia encolheu, eles têm os instrumentos para começar uma recuperação. Não será nada brilhante. O que você pode apostar é que, se crescer, teremos um crescimento no estilo tradicional brasileiro, com aumento da desigualdade. Vai-se bloquear os programas sociais. E há outro aspecto: a economia mundial não vai bem.
A imprensa vai começar a dizer: “aumentou o emprego”. A forma como as coisas são vistas é importante na economia. Você infunde otimismo numa situação muito ruim. O que eles vão fazer? Eles vão fazer a economia crescer reduzindo a ascensão dos de baixo, que foi muito importante no período Lula e no primeiro mandato de Dilma.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Alan Marques/Folhapress
O deputado federal Mendonça Filho (DEM-PE), novo ministro da Educação e Cultura
O deputado federal Mendonça Filho (DEM-PE), novo ministro da Educação e Cultura
A fusão dos ministérios da Cultura e da Educação anunciada pelo presidente interino Michel Temer representa um rebaixamento do primeiro --passará agora a ser um departamento da pasta comandada por Mendonça Filho (DEM-PE), um birô administrativo, cuja única função será repassar recursos e gerir pessoal das estruturas do atual MinC (Ministério da Cultura).
Uma coisa que parece evidente é que o governo interino de Temer avaliou que o risco de ruído oposicionista na manutenção de um Ministério da Cultura seria grande. Ou seja: melhor evitá-lo. Tirando dois ou três franco-atiradores de qualidade artística e ativística muito discutível, não se conhece artista realmente grande que tenha apoiado a operação que culminou com o afastamento de Dilma Rousseff do cargo. Esses artistas, desgostosos com a situação, nunca apoiariam um novo ministro, por mais notável que fosse. Nunca haveria interface para diálogo. Portanto, estabelece-se logo a guerra.
Uma simples passeada pelo Facebook do novo ministro das duas pastas, o pernambucano Mendonça Filho, o Mendoncinha, indica que ele é torcedor ferrenho do Santa Cruz, anti-petista a ponto de postar charges desrespeitosas contra os adversários e nunca cumpriu sequer uma única agenda cultural nos últimos oito meses. Não há referência a qualquer atividade minimamente relacionada ao setor --nenhuma lágrima por David Bowie, Naná Vasconcelos ou Fernando Faro, nenhum comentário sobre o novo disco de Elza Soares, Radiohead ou de Céu. Nada.
Difícil começar sequer a conversar com Mendoncinha sobre um fato do Brasil de 2016: as políticas de estímulo às diferentes áreas da cultura dão resultados incontestáveis. Em 1992, último ano do governo Collor, um único filme brasileiro foi lançado comercialmente no país. Aquele período foi apelidado de "desmonte". Duas décadas depois, o cenário é totalmente diferente: só em 2015, foram produzidos 128 filmes feitos por 116 empresas produtoras distintas, filmes nacionais que foram vistos por 22 milhões de pessoas. A cadeia de empregos e mercado que se desenvolveu é das mais saudáveis da América Latina.
Mas já é meio passadista usar como estratégia de convencimento argumentos economicistas, dizer que de cada R$ 1 gasto em cultura, de R$ 5 a R$ 7 voltam para a economia Somente o mais puro sentimento de barbárie sustentaria a desnecessidade de se investir em cultura, de o Estado não abrir mão de definir estratégias para o setor.
São duas sistemáticas de políticas públicas muito distintas, a educação e a cultura, embora correlatas: a primeira pede estratégias de inversões vultosas de verbas, ações de caráter sociológico, científicas; a segunda pede contatos interpessoais, detecção de sensibilidades, anticientificismo, saberes tradicionais, antecipação de tendências. Não coexistem num mesmo guarda-chuva, quanto mais num mesmo para-raios.
"Num País que passa fome, é necessário um Ministério da Cultura?", perguntaram a Celso Furtado em 1986, quando ele assumiu a pasta que estava sendo criada. "Se considerarmos a cultura no seu sentido mais profundo, vamos perceber que ela é mais importante para os pobres do que para as classes privilegiadas. Uma festa popular, por exemplo, tem possivelmente mais significado para aqueles que dela participam do que um grande espetáculo de ópera para uma pessoa de classe média que vai ao teatro quase por rotina."
Furtado ficou somente três anos no cargo, mas a repercussão de sua ação foi profunda. "Até hoje, persistem frutos positivos da passagem de Celso Furtado na pasta da Cultura", disse o então prefeito de Ouro Preto e ex-presidente do Iphan, Ângelo Oswaldo.
Nunca foi uma questão de dinheiro: o orçamento é um dos menores do país, e não há gestão de esquerda, de centro ou de direita que consiga reverter suas carências. "Fui um ministro mais do verbo do que da verba", brincou uma vez Gilberto Gil. Ainda assim, o verbo converteu sua gestão num poderoso alavancador de políticas públicas, algumas adotadas em outros países, como os Pontos de Cultura.
Uma atmosfera trevosa cerca os novos tempos, e os sinais são muitos.
Que pague por seus erros, por ter sido igual aos que criticava.
Agora temos o PMDB! Extraordinário!

Sangue novo com Temer (Lava Jato), Romero Jucá (Lava Jato), Eliseu Padilha (Precatórios), Moreira Franco (Proconsult), Gedel Vieira Lima (Lava Jato), Henrique Alves (Lava Jato),  todos protagonistas de escândalos, da Operação Lava Jato ou de outros mais antigos, além de terem servido a todos os governos, inclusive os do PT, como ministros.
Festa também no “Movimento Brasil Livre”, cujo fundador , Renan Antônio Ferreira dos Santos, responde a mais de 60 processos e deve quase 5 milhões de reais na praça.
O líder certo na  hora certa!
Como Eduardo Cunha, não nos esqueçamos de homenageá-lo in memoriam, ele que deu o pontapé inicial em todo o processo saneador e que agora, cinicamente, é descartado como bagaço mascado.
E que se mencione também Aécio Neves, que tanto se sacrificou pela causa, a ponto de ter virado mico, xingado nas ruas.
Agora vai!
Silêncio nas panelas. A elite branca já pode dormir em paz.
Ninguém segura este país.
Ame-o ou deixe-o.


Juca Kfouri

quinta-feira, 12 de maio de 2016


Jornal GGN - Uma delegação de mulheres baianas que estava a caminho da IV Conferência Nacional de Políticas Para Mulheres, foi detida em um voo da TAM, em Brasília. Depois de constatarem que a deputada federal Eronildes Vasconcelos Carvalho, a Tia Eron, do PRB, estava no avião junto com o tucano Jutahy Magalhães, elas proferiram algumas palavras de ordem e a o comandante se recusou a levantar voo e mandou chamar a Polícia Federal para conduzi-las para fora da aeronave.
Em áudio que circula no Whatsapp, uma das mulheres da delegação dá sua versão para os fatos. “Neste momento, companheiras, nós estamos aqui num avião, em Brasília, presas. A delegação baiana e todos os passageiros de um voo TAM estão presos esperando a Polícia Federal porque nós nos colocamos aqui contra os coxinhas, contra os deputados golpistas que estão aqui no vôo, colocando com palavras de ordem o nosso ponto de vista. E de uma forma truculenta o comandante fechou o voo e disse que nós só saímos daqui depois que a Polícia Federal chegar”, diz.
As 73 mulheres foram revistadas e conduzidas, de dez em dez, sem a presença dos advogados, para fora do avião até a sala da Polícia Federal no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek.
Da Folha
 
Janio de Freitas
Foram muitos os fatores contribuintes para este episódio sórdido da antidemocracia, mas um só momento crucial criado pela própria Dilma Rousseff. Os outros momentos determinantes, dois ou três, foram elaborações típicas da mente de Eduardo Cunha. Ficou lá atrás, e nunca esclarecido por Dilma, o fato que demarcou o fim de muitas coisas, o fim do modo como era vista, o fim de suas possibilidades de ação política, até o fim do governo.
Ainda hoje não se sabe o que ocorreu entre Dilma e o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, um tanto antes ou pouco depois da reeleição. A reportagem decente não percebeu a importância do assunto, e os jornalistas da ficção estavam com abundância de temas. Mas a confrontação de duas pessoas exaltadas a se cobrarem de atos e de culpas teve consequências: a saída de Mantega, sob uma justificativa familiar, mas com o tratamento presidencial de descaso, e a substituição, como todas, sob pressões políticas.
Dilma contornou as pressões com uma nomeação de surpresa. Mas escolher Joaquim Levy, tão identificado com o neoliberalismo que até colaborara com a campanha de Aécio Neves, equivaleu a comunicar à oposição que a presidente estava em pânico com a situação econômica. Sem corrupção dentro do governo, nada poderia dar mais munição aos opositores do que problemas econômicos, não importando a sua dimensão real. Nem que dispusesse de soluções Joaquim Levy poderia adotá-las, imobilizado pela barragem política que associou Eduardo Cunha e Aécio Neves, o tático e o incentivador.
Dilma traiu-se, perdeu-se, traiu o eleitorado e perdeu a companhia dos defensores de um Brasil menos desigual, menos entregue a uma claque de riqueza e improdutividade, e um pouco mais decente. Desde então, foi uma presidente à mercê da oposição. Por sorte sua, oposição conduzida por gente medíocre. Mas nem isso lhe valeu. Sua ação política foi pior que a dos opositores.
Dilma é uma técnica que se supõe também política. Presunção comum entre técnicos, sem igual na área econômica. Suas opções políticas foram ruins como regra. As equipes palacianas de sua escolha criaram uma Presidência lerda, sem criatividade e iniciativa, politicamente míope.
Se, porém, isso explica o governo aturdido com o cerco oposicionista –o parlamentar e o de imprensa/tv/rádio–, não leva a entender a entrega definitivamente desastrosa da Fazenda a Levy –claro que não por ser o sóbrio Joaquim Levy. Ainda hoje Dilma precisa lutar contra o efeito desmoralizante desse ato. Mas nem sequer esboçou uma explicação, no entanto devida: por que a inversão, por que um ministro neoliberal, por que Levy? Absoluta falta de percepção política, sem dúvida. O provável cálculo de uma sedução do poder econômico que, afinal, se voltou contra a feiticeira. E mais, é provável que mais, silenciado e nem por isso esquecido.
Dilma Rousseff errou muito. Mas nem a soma dos seus erros pode justificar a fúria incivilizada que Aécio Neves desfechou logo depois de derrotado pelas urnas, para derrubada do governo legítimo. A par dos erros, o governo Dilma levou a avanços significativos contra problemas sociais. Aí já se notam recuos deploráveis. Por efeito do quase ano e meio de degradação econômica desde o início do segundo mandato, com a ação destrutiva da oposição e a inoperância do governo, forçada em grande parte.
Mas os que tomam o poder não trazem correções. São figurinhas fáceis. Vêm buscar o que deixaram de ter. E dar mais aos que não deixaram de ter mais mesmo nos governos de Lula e Dilma.

terça-feira, 10 de maio de 2016





Da Folha
Dono da fazenda invadida pelo MST em Duartina (SP), o coronel João Baptista Lima Filho é amigo do vice-presidente, Michel Temer (PMDB), desde os anos 80. Lima foi assessor de Temer na Secretaria de Segurança de São Paulo, então comandada pelo peemedebista.
Em 1989, Lima comprou sua primeira área rural.
O coronel atua como assessor informal do vice, frequentando ainda hoje seu escritório em São Paulo.
Temer, por sua vez, usa a fazenda de Duartina como um refúgio. Segundo sua assessoria, era lá que o vice descansava durante a campanha de 2014.
A fazenda está registrada no nome de Lima e da Argeplan Arquitetura e Engenharia. O coronel tornou-se sócio dessa empresa em 2011, com 50% de participação. Em 2014, sua aposentadoria era de cerca de R$ 15 mil.
Nos anos 90, tanto Lima como a Argeplan contribuíram para as campanhas de Temer à Câmara. Em 1994, a empresa doou a ele ao menos R$ 100 mil (R$ 490 mil em valores atualizados).
O sócio de Lima na empresa Argeplan, o arquiteto Carlos Alberto Costa, confirmou a ligação antiga que ele e o coronel têm com Temer.
"Temos uma amizade pessoal e familiar com o Michel, exclusivamente isso."
Em abril, reportagem da revista "Época" revelou que um engenheiro da Engevix, José Antunes Sobrinho, disse aos investigadores da Lava Jato que aArgeplan ganhou uma obra de R$ 162 milhões na usina de Angra 3 por influência de Temer, e subcontratou a Engevix para dar conta do trabalho. 

segunda-feira, 9 de maio de 2016



Por Marcelo Neves
Uma pergunta: por que o mesmo tribunal não julgou até agora o presidente da Câmara dos Deputados? Está lá como réu desde janeiro do ano em curso Daí que, ressalvadas as respeitáveis exceções, seria até o caso de se afirmar que o STF, que inclui alguns ministros apequenados, propiciou por "omissão" o golpe de domingo/17.04.2016, levado a cabo na Câmara, em grande parte, por uma quadrilha de cleptomaníacos. (Raduan Nassar, 20/04/2016)
Nessa época de investigação de escândalos de corrupção e condenação de corruptos, não cabe insistir que o combate à corrupção é simplesmente a expressão de um “moralismo lacerdista”. Ao contrário, cabe considerar que há uma relação tendencial muito forte entre corrupção e exclusão social ou entre corrupção e desigualdade[2]: quanto maior a exclusão social – nos setores subintegrados, formados por subcidadãos, aquém da lei e da constituição –, tanto maiores são as possibilidades de ampliação da corrupção, especialmente nos setores sobreintegrados, no qual se estão presentes verdadeiros sobrecidadãos, que vivem acima da lei e da constituição[3]. Nesse sentido, a luta contra a “corrupção sistêmica” faz parte de movimento dirigido à inclusão social e à fortificação da cidadania. Portanto, em princípio, não cabem críticas às ações judiciais, às atividades do ministério público e às investigações da polícia federal destinadas ao combate à corrupção em uma perspectiva de um Estado constitucional e democrático, orientado pelo princípio da igualdade. De certa maneira, é constrangedor para muitos que lhe deram apoio político e eleitoral constatar que membros do governo estiveram envolvidos em corrupção durante os três últimos mandatos.
Entretanto, o combate à corrupção no Estado democrático de direito não deve ser realizado mediante violação à constituição e à lei, de maneira arbitrária, como nos regimes autoritários e totalitários, cuja aparente pretensão de banir a corrupção a todo custo, em vez de extingui-la e “purificar” o país, redunda usualmente em novas formas de corrupção. Exige-se de juízes e demais agentes públicos, no Estado constitucional, que combatam a corrupção nos termos da lei e da constituição. Nem juízes em geral nem ministros de corte suprema estão acima da lei e da constituição.
No início da chamada “Operação Lava Jato”, dirigida judicialmente pelo juiz Sérgio Moro, houve algum sinal de esperança de que as atividades policiais, ministeriais e judiciais fossem conduzidas imparcialmente, dentro da lei e da constituição. Fatos posteriores fizeram esvanecer tal esperança. A atitude arbitrária e de cunho partidário começou a se delinear claramente com a “condução coercitiva” do ex-presidente Lula, por aparato policial próprio para operações contra criminosos internacionais de alta periculosidade. Já naquele momento, os indícios de parcialidade e partidarização começavam a tomar corpo. No entretempo, o pedido de prisão preventiva do ex-presidente, em trapalhada de três promotores estaduais paulistas, não competentes no âmbito da “Lava Jato”, fortificavam a suspeita de conspiração das elites paulistas de desmoralizar um político com grande influência no cenário nacional.
O ponto mais elevado de manifestação da parcialidade e partidarização do judiciário ocorreu com os vazamentos de “interceptações de comunicação telefônica” do ex-presidente da república, sem qualquer decisão ou ato judicial motivador, pelo próprio juiz da causa, Sérgio Moro. Ele simplesmente enviou todas as interceptações para os órgãos de imprensa, especialmente para a TV Globo.
O caso aponta claramente para a típica situação de “dois pesos, duas medidas”. Por muito menos, por ser-lhe imputada a comunicação antecipada de uma operação policial contra o empresário Daniel Dantas, o então delegado Protógenes Queiroz foi demitido da polícia federal e condenado criminalmente, nos termos do art. 325 do código penal[4].  Tentou-se condenar também o juiz do caso, Fausto de Sanctis, mas esse se livrou ao ser promovido a Desembargador Federal, pois a pena de censura que se pretendeu esdruxulamente aplicar-lhe não caberia para magistrados de segunda instância. Por fim, em um quiproquó de filigranas jurídicas, a chamada “Operação Satiagraha” foi anulada[5], permanecendo o controvertido empresário livre até hoje.
Naquela ocasião, os hoje arautos da moralidade sustentavam que se tratava de um “estado policial”. Nesse contexto, até mesmo a respeito da atuação policial contra crime de sonegação perpetrada por proprietária da loja de artigos de alto luxo “Daslu”, indagava o advogado Miguel Reale Júnior: “Qual a razão de tantos policiais cercando a Daslu?”[6]. Atualmente, os mesmos arautos da moralidade, enfatizam o valor da atividade arbitrária da polícia, do ministério público e do judiciário contra as garantias do ex-presidente Lula e as prerrogativas da Presidenta Dilma Rousseff.
Entretanto, seria principalmente agora que caberia, em nome do Estado de direito (e não de falso moralismo e de elites corruptas), exigir-se e promover-se o processo de incriminação do juiz Sérgio Moro. Essa não é uma questão pessoal ou moral (que atinge a pessoa em sua inteireza), mas sim uma questão jurídica referente a condutas penalmente ilícitas. Ao divulgar, sem nenhuma decisão motivada nos termos da lei, atos sigilosos de “interceptação de comunicação telefônica” do processo criminal contra o ex-presidente Lula, inclusive levando ao vazamento de conversas telefônicas da Presidenta (em desrespeito ao fórum privilegiado), o juiz Sérgio Moro incorreu nos artigos 8º, 9º e 10º da Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, que se fundamenta no art. 5º inciso XII e LX, da Constituição Federal, que estabelecem:
“XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
[...]
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
Por sua vez, os referidos dispositivos legais prescrevem:
“Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.
Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, § 1°) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.
Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.
Parágrafo único. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.”
Além do crime e da pena tipificados no art. 10, relativo à interceptação de comunicação telefônica da Presidenta Dilma Rousseff, pois a autoridade judicial competente para autorização é o Supremo Tribunal Federal, aplica-se ao juiz Moro, por desrespeitar o art. 8º (e também o 9º) da Lei nº 9.296/1996, o art. 325 do Código Penal, o mesmo aplicado a Protógenes Queiroz:
“Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
        Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.
        § 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
        I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
        II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
        § 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)”
Parece-me esdrúxula a alegação de que essas vedações e penas não se aplicam aos magistrados. É claro que o magistrado pode e deve divulgar a parte relevante para a caracterização do crime quando isso for necessário para a motivação e fundamentação de decisão definitiva ou mesmo interlocutória, após inutilização do que não interessa. Entretanto, isso não significa o poder de divulgar, sem nenhum crivo seletivo ou decisão motivada, às pressas e arbitrariamente, interceptações de comunicação telefônica, muitas delas irrelevantes para o caso e respeitante apenas à intimidade do investigado. Cumpre considerar que os referidos vazamentos prejudicaram a própria investigação que se encontrava em andamento. O fim, porém, não era judicial, era simplesmente o de criar um estado de comoção política, patrocinado por meios de comunicação exuberantemente parciais e partidários no contexto brasileiro. Entre maquiavelismo vulgar em que os fins justificam os meios e “juizite” histérica, o que ocorreu foi prática de crime pelo juiz Sérgio Moro.
Um elemento a mais a afastar a inusitada alegação de que a proibição de vazamento de interceptação de comunicação telefônica e as respectivas penas não se aplicam aos magistrados encontra-se no art. 17 da Resolução nº 59 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 9 de setembro de 2008, in verbis:                                     
Art. 17. Não será permitido ao Magistrado e ao servidor fornecer quaisquer informações, direta ou indiretamente, a terceiros ou a órgão de comunicação social, de elementos sigilosos contidos em processos ou inquéritos regulamentados por esta Resolução, ou que tramitem em segredo de Justiça, sob pena de responsabilização nos termos da legislação pertinente. (Redação dada pela Resolução 217, de 16.02.16).
Essa Resolução, na sua forma originária[7], foi aprovada pelo CNJ sob a presidência do Ministro Gilmar Mendes, que agora, informalmente, perante a grande imprensa, parece defender posição contrária à sua aplicação aos magistrados: “Dois pesos, duas medidas”.
Também não se diga que cabe no caso uma ponderação entre proteção da intimidade e interesse social. Essa ponderação judicial só teria sentido se já não houvesse regra legal penal tipificando o crime e cominando a pena. A ponderação, nesse caso, já foi feita politicamente pelo legislador. Diante de princípios e regras constitucionais contrários, não cabe ponderação de regra legal penal, mas tão só a declaração de sua inconstitucionalidade parcial ou total. Regras, especialmente regras penais completas, que não preveem exceções à luz de princípio, não comportam ponderação à luz de princípio. Mesmo o teórico chamado estridentemente por discípulos empolgados de “profeta da ponderação estruturada”[8], Robert Alexy, reconhece essa impossibilidade. A propósito, são suas as seguintes palavras:
“Isso traz à tona a questão da hierarquia entre os dois níveis. A resposta a essa pergunta somente pode sustentar que, do ponto de vista da vinculação à Constituição, há uma primazia do nível das regras. [...]. É por isso que as determinações estabelecidas no nível das regras têm primazia em relação a determinações alter­nativas com base em princípios.”[9]            
Em relação a regras penais, o recurso a sua ponderação ad hoc com princípios constitucionais levaria à extrema insegurança jurídica, contra o Estado, a sociedade e os cidadãos, servindo apenas à arbitrariedade judicial.
A essas práticas ilegais do magistrado, os ministros do Supremo Tribunal Federal reagiram de maneiras as mais estapafúrdias. Em decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes suspendeu-se a nomeação do ex-presidente Lula pela Presidenta Dilma Rousseff para Ministro Chefe da Casa Civil. Como se sabe, o cargo de Ministro de Estado é de livre nomeação e exoneração da Presidenta da República. A alegação de desvio de finalidade baseou-se em um vazamento ilegal de interceptação de comunicação telefônica entre o ex-presidente Lula e a atual presidenta. O caso já se encontrava sub judice, a ser decidido pelo ministro Teori Zavascki. A esse juiz caberia qualificar, liminarmente, a natureza jurídica da interceptação e da respectiva comunicação. Às pressas e de forma inusitada, o ministro Gilmar Mendes, após encontros públicos com membros da oposição, adiantou-se e impediu que a Presidenta praticasse um ato que lhe parecia fundamental para a melhoria política do seu governo. A intromissão judicial na política apresenta-se chocante nesse caso. Atos ilegais passaram a ser fundamento de decisão judicial claramente partidária.
Nesse contexto, cabe considerar que estão plenamente caracterizados os requisitos necessários para que se declare a suspeição do ministro Gilmar Mendes para julgamento de qualquer caso concernente a fatos atribuídos à Presidenta e ao ex-presidente nas atuais circunstâncias, seja no que concerne a eventual caracterização de crime comum ou improbidade, ou a recursos referentes ao processo de impeachment. É marcante a manifestação do ministro, em seminário no exterior, de que “o Brasil vive um regime de cleptodemocracia” (sem nenhum comentário crítico por parte do ministro Celso de Mello)[10], em clara referência a casos que se encontram sub judice no STF ou poderão chegar a sua alçada por via de recurso e, então, deverão ser julgados por esse tribunal. Acrescentem-se a declaração do ministro Gilmar Mendes durante sessão do STF, na qual, totalmente em descompasso com o caso em julgamento, manifestou, em pré-julgamento esdrúxulo, juízos moral e juridicamente negativos sobre o ex-presidente e a sua nomeação para Ministro de Estado: “A presidente arranja um tutor para seu lugar e arranja outra coisa para fazer. E um tutor que vem aí com sérios problemas criminais”.[11] Essa linguagem de desprezo pela Presidenta e de suposição de prática de crime de um ex-presidente, antes de julgamento de casos relacionados a ambos, marca a caracterização de clara suspeição, nos termos do art. 145, inciso IV, do Código de Processo Civil, que prescreve haver suspeição do magistrado “interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes”. Não se descarte também, em face da linguagem desprezo do ministro à Presidenta e ao ex-presidente e em vista das suas notórias manifestações de amizade com membros da oposição, a aplicação do inciso I do citado artigo, que estabelece haver suspeição do juiz “amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados”. A esse respeito, parecem serem cabíveis ao caso o sábio preceito previsto no art. 11 do Código Ibero-Americano de Ética Judicial, referente à imparcialidade do juiz.
“Art. 11 O juiz tem a obrigação de abster-se de intervir nas causas em que veja comprometida a sua imparcialidade ou naquelas que um observador razoável possa entender que há motivo para pensar assim.”
Nos termos desse dispositivo, qualquer observador razoável poderia afirmar que o ministro Gilmar Mendes não deveria participar de nenhuma causa referente ao processo de impeachment em andamento ou que envolva a pretensão de responsabilização civil, administrativa ou penal do ex-presidente Lula e da Presidenta Dilma Rousseff.     
Além da questão referente à suspeição, cabe observar que caberia o enquadramento das mencionadas condutas do ministro Gilmar Mendes, entre outras, no art. 35, inciso IV, da LOMAN (Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979), que impõe ao juiz o dever de “tratar com urbanidade as partes”, e no seu art. 36, inciso III, que veda ao magistrado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem”. No caso tratava-se de casos pendentes de julgamento, seja de magistrados de instância inferior, seja do próprio STF, monocrática ou colegiadamente.  
Nessa mesma linha de argumento, incumbe observar também determinações do Código de Ética da Magistratura Nacional. Embora possa se insinuar que ele não inclui em seu âmbito pessoal de validade os membros do STF, pois foi aprovado por órgão subordinado ao seu controle, o Conselho Nacional de Justiça, o Código de Ética da Magistratura funda-se na Constituição Federal (art. 103-B, § 4º, incisos I), dirigindo-se, inclusive por uma questão de isonomia, a todo e qualquer magistrado, restando ao STF declarar-lhe a inconstitucionalidade parcial ou total. Na presente situação, é relevante o art. 22 do referido Código de Ética:
“Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça.
Parágrafo único. Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível.”          
Somando-se às atitudes do ministro Gilmar Mendes que indiciam elementos de suspeição no julgamento que envolvam o ex-presidente Lula e a Presidenta Dilma Rousseff no âmbito dos recentes escândalos de corrupção e no julgamento de remédios judiciais referentes ao impeachment em andamento, assim como características de infringência de normas disciplinares da LOMAN e de dispositivos do Código de Ética da Magistratura Nacional, surgiram as bravatas do ministro Celso de Mello, em forma de “supremites” histéricas, que denigrem a imagem do STF. Em um primeiro episódio, veio a patética resposta ao conteúdo de uma interceptação de comunicação telefônica, divulgada ilegalmente pelo juiz Sérgio Moro, na qual o ex-presidente Lula, em conversa particular, afirmava que o Supremo Tribunal Federal estava “acovardado” diante da atuação desviante de órgãos políticos e judiciais. Que sentido prático teria a resposta do ministro a essa opinião, em foro privado, de um político, senão a de antecipar uma posição justificadora dos malfeitos do juiz Moro, no âmbito de um caso sub judice no próprio STF. Embora esse episódio seja grave, uma expressão mais gritante de uma postura politicamente parcial encontra-se na declaração posterior do ministro Celso de Mello de que a Presidenta não poderia utilizar o termo “golpe” em suas manifestações políticas no exterior a respeito do processo de impeachment em andamento. Dessa maneira, um membro do STF imiscuiu-se no jogo político, não só tomando a posição de uma das partes envolvidas na contenda, mas também pretendendo controlar, em termos de censura, as palavras da Presidenta, em uma antecipação chocante de sua posição sobre futuros julgamentos relativos à constitucionalidade e legalidade do processo de impeachment em andamento. Às manifestações do Ministro Celso de Mello juntaram-se as declarações dos ministros Dias Tofolli e Cármen Lúcia, ambos a afirmarem publicamente, em meios de comunicação de massa, que o impeachment em andamento não constitui um “golpe”, imiscuindo-se no debate político-partidário e antecipando implicitamente suas posições sobre futuro julgamento a respeito da regularidade jurídica do impeachment em andamento. Também nessas hipóteses, infringem-se normas da LOMAN e do Código de Ética da Magistratura Nacional e do Código Ibero-Americano de Ética Judicial, acima citadas.
A esse respeito, especialmente no que tange as referidas condutas do juiz Sérgio Moro e do ministro Gilmar Mendes, em uma conversa privada recente com um magistrado de uma pequena comarca do interior da Paraíba, ele desabafava em tom fortemente crítico, nos seguintes termos: “Se, muito menos do que esses magistrados graúdos estão fazendo, eu ou um colega por aqui falássemos publicamente sobre um prefeito ou ex-prefeito no âmbito de nossas respectivas comarcas, ou manifestássemos publicamente sobre um processo de impeachment em andamento na correspondente Câmara Municipal, já estaríamos sendo processados disciplinarmente pelo Tribunal de Justiça ou pelo CNJ e, em certas hipóteses, respondendo criminalmente perante o TJ.” É insofismável que, por condutas muito menos graves de parcialidade, o CNJ e os Tribunais de Justiças já condenaram disciplinarmente, inclusive aposentando compulsoriamente, juízes de comarcas menos influentes no cenário nacional.
Nesse quiproquó de um judiciário e um STF altamente politizados, o presidente do Supremos Tribunal Federal, ministro Lewandowski, passou a negociar com a Câmara dos Deputados aumento elevado e diferenciado dos já privilegiados vencimentos do pessoal do Judiciário e de ministros do STF, em um momento de crise que tende a exigir sacrifícios de amplas parcelas da população, especialmente da classe trabalhadora. Tudo isso aponta para um reino de fantasias, mas que, paradoxalmente, é realidade bruta e chocante, abaixo de qualquer mínimo exigido em uma Estado digno de funcionamento.
Todas essas observações sobre os desvios do judiciário em geral e do STF em particular associam-se diretamente com as condições de surgimento e o andamento do atual processo de impeachment. Os denunciantes pretenderam envolver a presidenta nos escândalos recentes de corrupção, apontando-os como uma das causas justificadoras do impeachment, o que obviamente era uma ilação sem qualquer base jurídica. Nesse particular, salientei em parecer de dezembro de 2015 que, ao contrário das ilações dos denunciantes, que pretendem imputar à Presidente da República crime de omissão por corrupção estrutural que tem chocado a esfera pública, especialmente no âmbito da Petrobrás[12], há elementos claros de que a Presidenta tem apoiado todo o trabalho da PF e do MPF na investigação e persecução dos responsáveis, assim como qualquer apuração necessária para o esclarecimento dos casos. A esse respeito, acrescentei que, ao contrário de governos anteriores, o governo da Presidenta Dilma Rousseff tem apoiado tanto a polícia federal como o ministério público federal na atividade de investigação e persecução penal relativa aos recentes casos escandalosos de corrupção, mesmo contrariando os seus correligionários. Essa atitude é bem diferente do governo de que participou um dos denunciantes, a saber, em que o ministério público federal e a polícia federal ficaram nas mãos e sob controle de pessoas ligadas politicamente ao presidente e de sua inteira confiança, tendo sido típico os arquivamentos de inquéritos, de tal maneira que o procurador-geral da república passou a ser chamado popularmente de “engavetador geral da república”. Em certa medida, a atual Presidenta da República é uma vítima da corrupção sistêmica que caracteriza o Estado brasileiro historicamente. A propósito, um renomado membro do Partido da Social Democracia Brasileira, o empresário Ricardo Semler, em um artigo sugestivamente intitulado “Nunca se roubou tão pouco”, apontou até mesmo para a redução da corrupção no âmbito das investigações que vinham sendo protagonizadas no período do mandato anterior da Presidenta e que permanecem até o presente:
“Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.
Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que nada ganham com a bandalheira da cúpula.
Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos ‘cochons des dix pour cent’, os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de importação de barris de petróleo em décadas passadas.
[...]
É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.” [13]
Uma tal declaração põe-nos diante do perigo que o país venha ou viria a incorrer após um provável impeachment da presidenta Dilma Rousseff, passando o Executivo para as mãos de pessoas intimamente relacionadas à corrupção sistêmica: passagem da presidência para Michel Temer, já “ficha suja” e suspeito de corrupção (e soa estranho que o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, tenha pedido ao STF autorização para investigar a Presidenta em virtude da delação do senador Delcídio Amaral, mas não tenha feito o mesmo com relação ao vice-presidente Michel Temer, amplamente acusado na referida delação); e, até pouco, a passagem da vice-presidência, na prática, para Eduardo Cunha, réu em processo criminal em andamento no STF (e também soa estranho que só anteontem, 05/05/2016, em decisão tomada por unanimidade, às pressas, o STF tenha afastado esse deputado do exercício do seu mandato, após ele ter cumprido a sua principal função na conspiração, a de viabilizar a abertura do processo de impeachment): as expectativas confiáveis são que ele(s) atue(m), com seus parceiros, para obstruir investigações, “apaziguando” a polícia federal, o ministério público e o judiciário, fazendo tudo voltar ao status quo ante: a “corrupção sistêmica” garantida pela falta de investigações e punições adequadas.
Entretanto, as ilações sobre o envolvimento da presidenta não foram admitidas no ato de recepção da denúncia pelo então presidente da Câmara dos Deputados, que sequer recebeu a denúncia com a imputação à Presidenta da República de supostos desvios que decorreriam da reprovação das contas do Poder Executivo referentes ao ano de 2014 pelo Tribunal de Contas da União. Inúmeros juristas já haviam manifestado que fatos de mandatos anteriores não poderiam ser objeto de processo de impeachment. Não obstante, por força de uma apressada ampliação da denúncia, em uma segunda versão, restaram recebidas pelo presidente da Câmara a parte da denúncia concernentes a falhas atribuídas à Presidenta da República no exercício de 2015: seis decretos de abertura de crédito suplementares sem autorização do Congresso e um caso da chamada “pedada fiscal”.
Antes de tudo, cabe observar que as contas do Poder Executivo em 2015 ainda não foram sequer objeto de parecer do TCU nem de decisão do Congresso Nacional, sendo possível ainda a sua aprovação pelas instâncias competentes. Além disso, decretos da mesma natureza jurídica foram expedidos por presidentes anteriores, chegando a mais de uma centena durante o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2001, mas as contas sempre foram aprovadas pelo TCU, que apenas apontava para a necessidade de saneamento e dava recomendações. Por exemplo, no Relatório e Parecer Prévio referente ao exercício de 2002, o TCU enfatizava:
“Há que se destacar, no que se refere ao Poder Executivo, a inviabilidade de se fazer uma análise mais efetiva no que tange à eficácia de todas as ações relacionadas, devido à verificação de inúmeras inconsistências, como por exemplo, informações errôneas ou incompletas sobre metas previstas e realizadas.”[14]   
A esse respeito, apontava-se para problemas persistentes de gastos sem autorização pela Lei Orçamentária: 
“Sobre a realização de despesas acima do valor autorizado pela Lei Orçamentária, cabe observar que, de acordo com a Lei 8.443, de 16 de julho de 1992, as contas das unidades gestoras serão julgadas irregulares quando demonstrarem ‘prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial’.”[15]   
Em geral, o Relatório advertia para a “falta de transparência na visualização da programação orçamentária” e apontava que o “momento” era de “alerta”[16].
Além disso, a conclusão sublinha a “alteração para mais, mediante o Decreto nº 4.120/2002, dos Programas Estratégicos definidos pela Lei Orçamentária de 2002”[17]. Essa falha é esclarecida como repetida e persistente no corpo do Relatório de 2003:
“Cabe apontar que o aludido decreto foi sucessivamente alterado, no decorrer do exercício, por outros decretos e portarias, que incluíram e excluíram diversas ações, bem como alteraram sucessivamente os limites orçamentários e financeiros, com acréscimos e reduções nos tetos autorizados no período.
Tal como em 2001, pode-se constatar que nem todos os programas e ações eleitos como estratégicos no Decreto 4.120/2002 e suas alterações estavam contidos na programação prevista na LDO/2002, que definiu as metas e prioridades da administração pública federal para o exercício, conforme orientou a Magna Carta.
Não há perfeita congruência entre os programas e ações estratégicos, a serem tratados com precedência na execução, e os programas e ações prioritários, a serem tratados com precedência na alocação de recursos, conforme fixou a LDO, de forma que constam programas e/ou ações na referida Lei não contemplados no Decreto e vice-versa.
Reforçando os termos anteriores, recorde-se que a Carta Constitucional define que a LDO estabelecerá as prioridades e metas da administração pública federal para o exercício financeiro subsequente. Os Decretos do Executivo, quando estabelecem precedência na execução de outros programas, elegem nova categoria de prioridade, não prevista na lei.”[18]   
Observa-se do exposto que, não só no exercício de 2002, mas também de 2001, Decretos do Presidente da República, além de autorizar aumento de despesas em contrariedade à lei orçamentária, estabeleceram ações e programas prioritários contrariamente às respectivas leis orçamentárias.
Apesar dessas e de outras “falhas”, persistentes e abundantes, o Parecer prévio do TCU referente ao exercício de 2002, opinava nos seguintes termos:
“Considerando que as falhas verificadas, embora não constituam motivo maior que impeça a aprovação das Contas do Poder Executivo relativas ao exercício de 2002, requerem a adoção das medidas recomendadas, observadas as ressalvas constantes da concussão do Relatório”.[19]                                     
Esse modelo de parecer prévio com ressalvas concernentes às falhas, reaparece, conforme os precedentes, nos pareceres prévios do TCU referentes aos exercícios de 2003, 2004, 2005, 2008, 2009, 2012 e 2013, como esclarecem os juristas Jefferson Garús Guedes e Thiago Aguiar de Pádua:                 
“Mas o que ora importa observar é o que se deixou fixado nos Pareceres Prévios: em caso de irregularidades constatadas, isto é, que todas ‘as contas são aprovadas com ressalvas’.”[20]         
A mudança casuística da jurisprudência do TCU em relação a essa matéria não poderia justificar a responsabilização da Presidenta por crime de responsabilidade, pois a hipótese fora tratada, no máximo, como falhas suscetíveis de saneamento. Qual o elemento doloso nesse contexto? Nenhum. Antes caberia recuperar a exigência da anterioridade penal, como uma garantia do Estado de direito também em face de mutações jurisprudenciais, especialmente quando tal alteração não tenha nenhuma justificação exigível para o overruling, ou seja, para a superação de precedentes por novos argumentos surgidos com a transformação de circunstâncias institucionais.                   
No que concerne à imputação de caso de chamada “pedalada fiscal” no ano de 2015, concernente ao Plano Safra, a situação é mais esdrúxula, pois o ato não está no âmbito de competência da Presidenta da República. A esse respeito, são esclarecedoras as palavras do jurista Ricardo Lodi Ribeiro, renomado especialista em matéria jurídico-financeira:
“Em relação às pedaladas fiscais, que, como já demonstramos nos referidos artigos desta coluna, não se confundem com operações financeiras vedadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, cumpre considerar que, no caso do único contrato imputado em 2015, relativo ao Projeto Safra, a sua regulação compete ao Conselho Monetário Nacional, ficando a execução a cargo do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Banco do Brasil.  Aqui, a presidente da república, de acordo com as normas do legais do Projeto, não possui qualquer atribuição. Nesse caso, se a norma que prevê o crime de responsabilidade atribuído pelos autores da denúncia ao caso em questão tipifica, no art. 10. 6 da Lei nº 1.079/50, a conduta de ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal, é de se perquirir: que atos praticados pela presidente da república são imputados como criminosos?  Ou que atuação desta configura a conduta descrita no art. 11.3, de contrair empréstimo sem autorização legal, que foi utilizada no parecer do relator da Comissão Especial da Câmara para considerar esta atuação como crime de responsabilidade?  Nenhuma é a única resposta legalmente admitida pelo regramento do Projeto Safra.  No caso em questão, a gestão dos contratos não está na competência presidencial, o que a impede de promover ou determinar a abertura de operação de crédito. Até em razão disso, os denunciantes ou o relator não foram capazes de apontar qualquer ato de abertura de crédito à presidente, já que a prática deste não é a ela legalmente atribuída, sendo conduta estranha ao exercício das suas funções, o que, por si só, inviabiliza a responsabilização da Chefe de Estado, nos termos do art. 86, §4º da Constituição Federal.”[21]
Inclusive se admitidas ilegalidades e inconstitucionalidade nas práticas da Presidenta, isso não poderia, por si só, justificar a sua destituição por meio de processo de impeachment. Não é qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade que justifica a denúncia da Presidenta da República por crime de responsabilidade. Caso a cada vez que a Presidenta editasse um decreto ilegal ou inconstitucional, contrário à Lei orçamentária, à Lei de Reponsabilidade Fiscal ou qualquer outra lei, ela já merecesse ser denunciada por crime de responsabilidade, toda e qualquer Chefa de Estado estaria submetida a cada exercício ao processo de impeachment. Na maioria dos casos, é suficiente a invalidação do ato ou a determinação do seu saneamento por órgão de controle, seja jurisdicional, de contas ou administrativo. Só em sendo algo patentemente atentatório à Constituição, cabe discutir sobre a possibilidade de impeachment. Isso significa que os crimes previstos nos incisos do art. 85 da Constituição e tipificados na Lei nº 1.079/1950 devem ser compreendidos à luz do caput do art. 85 da CF, pertencendo a todas as hipóteses normativas a exigência de que “atentem contra a Constituição Federal”. 
Todo o casuísmo e artificialismo para condenar a presidenta da República foi conduzido por um congresso em que grande parte está envolvida em casos graves de corrupção. O então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (tardiamente afastado pelo STF), que dirigiu o processo na câmara baixa, além de envolvido em gravíssimos atos criminosos de corrupção, sempre atuou de uma forma parcial e fraudulenta, tanto para levar a um rápido desfecho do ato de admissibilidade da acusação contra a Presidenta na Câmara quanto para se livrar do Conselho de Ética que deve decidir sua cassação por falta de decoro parlamentar. Corrupto graúdo, mancomunado com a oposição, liderou uma cleptocracia hegemônica na câmara baixa para viabilizar a abertura do processo de impeachment no Senado. Isso levou a uma matéria do New York Times, que veio a enfatizar a posição de jornalista brasileiro de que “[a Presidenta] não roubou, mas está sendo julgada por uma gang de ladrões”.[22] Essa é uma afirmação baseada em amplas evidências que apontam para uma conspiração a por em xeque a democracia brasileira.
A essas práticas conspiratórias dos poderes legislativo e judiciário junta-se a parcialidade corrupta das grandes organizações empresariais midiáticas. Descaradamente, elas têm assumido um papel discriminatoriamente seletivo em suas matérias referentes ao atual processo de impeachment. Destaca-se a TV Globo de televisão, cujos jornais tornaram-se instrumentos fundamentais da campanha da oposição pelo impeachment. O “Jornal das 10” da Globo News tornou-se o equivalente a um comitê eleitoral de um partido ou coalizão derrotada. Essa postura discriminatória de desinformação foi percebida por dois renomados jornalistas norte-americanos, Glenn Greenwald, Andrew Fishman, e um brasileiro, David Miranda, em artigo no qual se destacam os seguintes trechos:
“Ao contrário da descrição romantizada e mal informada (para dizer o mínimo) do Chuck Todd e Ian Bremmer de protestos sendo levantados ‘pelo Povo’, esses são, na verdade, incitados pela mídia corporativa intensamente concentrada, homogeneizada e poderosa, e compostos por (não exclusivamente, mas majoritariamente) pela parte mais rica e branca dos cidadãos, que por muito tempo guardaram rancor contra o PT e contra qualquer programa social que combate a pobreza.
A mídia corporativa brasileira age como os verdadeiros organizadores dos protestos e como relações-públicas dos partidos de oposição. Os perfis no Twitter de alguns dos repórteres mais influentes (e ricos) da Rede Globo contém incessantes agitações anti-PT. Quando uma gravação de escuta telefônica de uma conversa entre Dilma e Lula vazou essa semana, o programa jornalístico mais influente da Globo, Jornal Nacional, fez seus âncoras relerem teatralmente o diálogo, de forma tão melodramática e em tom de fofoca, que se parecia literalmente com uma novela distante de um jornal, causando ridicularização generalizada nas redes. Durante meses, as quatro principais revistas jornalísticas do Brasil dedicaram capa após capa a ataques inflamados contra Dilma e Lula, geralmente mostrando fotos dramáticas de um ou de outro, sempre com uma narrativa impactantemente unificada.
Para se ter uma noção do quão central é o papel da grande mídia na incitação dos protestos: considere o papel da Fox News na promoção dos protestos do Tea Party. Agora, imagine o que esses protestos seriam se não fosse apenas a Fox, mas também a ABC, NBC, CBS, a revista Time, o New York Times e o Huffington Post, todos apoiando o movimento do Tea Party. Isso é o que está acontecendo no Brasil: as maiores redes são controladas por um pequeno número de famílias, virtualmente todas veementemente opostas ao PT e cujos veículos de comunicação se uniram para alimentar esses protestos.
Resumindo, os interesses mercadológicos representados por esses veículos midiáticos são quase que totalmente pró-impeachment e estão ligados à história da ditadura militar. Segundo afirma Stephanie Nolen, correspondente no Rio para o canadense Globe and Mail: ‘Está claro que a maior parte das instituições do país estão alinhadas contra a presidente’.
De forma simples, essa é uma campanha para subverter as conquistas democráticas brasileiras por grupos que por muito tempo odiaram os resultados de eleições democráticas, marchando de forma enganadora sob uma bandeira anti-corrupção: bastante similar ao golpe de 1964. De fato, muitos na direita do Brasil anseiam por uma restauração da ditadura, e grupos nesses protestos “anti-corrupção” pediram abertamente pelo fim da democracia.”[23]                                                    
Essas considerações enfáticas nos põem diante do problema da falta de qualquer agência efetivamente encarregada da observação das organizações empresariais de comunicação de massa. Contra a criação de uma agência composta por membros da sociedade civil e do Estado, levantam-se equivocadamente (quando não oportunisticamente) vozes em nome das liberdades de expressão e de imprensa. Mas a liberdades de expressão e de imprensa são primariamente direitos dos cidadãos e não das empresas que exploram economicamente o jornalismo e a radiodifusão. Tais empresas precisam ser observadas para que possam ser caracterizados os casos em que tolhem a liberdade de expressão do cidadão. Não há nada de antidemocrático (nem de “bolivarianismo” no sentido usado pejorativamente pelo status quo). O país que mais preza a liberdade de expressão, os Estados Unidos da América, conta com a Federal Communication Commission, que, entre outras atribuições, tem competência para impedir que alguém inicie transmissão de “conduzir investigações e analisar reclamações”[24], tendo praticado multa a emissoras de televisão que recusaram a sua inspeção[25]. Além disso, o papel da FCC é fundamental para evitar a concentração de poder em uma ou algumas organizações empresariais midiáticas, não apenas por determinação do direito econômico de concorrência, mas também em nome da pluralidade e diversidade na formação da opinião pública, do direito à informação e também da liberdade de expressão dos cidadãos. Isso tudo falta no Brasil em relação aos gigantes da informação, que são antes instrumentos de lucro, do grande capital e de políticos oligárquicos do que das liberdades de imprensa e de expressão, assim como do direito à informação.
Nessas circunstâncias, o processo de impeachment atua como um equivalente funcional a um golpe de Estado. O objetivo é, na verdade, destituir a Chefa de Estado com base na distorção de um instituto constitucional legítimo. Ao falar de equivalente funcional a um golpe de Estado no sentido clássico da expressão, não descarto ser também adequado afirmar-se que se trata de um golpe parlamentar, judicial e midiático. Retomando e relendo aqui uma velha distinção de Louis Althusser e entre aparelhos repressivos e aparelhos ideológico de Estado[26], um tanto fora de moda, pode-se dizer que, enquanto na versão clássica do golpe, a dimensão repressiva do aparato estatal sobressai, na versão atual, “moderna” ou (se quiserem) “pós-moderna”, prevalece a dimensão ideológica de agentes estatais e atores da sociedade civil. Em certos aspectos, esta talvez seja mais grave do que aquela, pois envolve uma escamoteação ideológica que, pretensamente em nome da constituição, distorce, corrói, erode a própria Constituição. O impacto de políticos corruptos conduzindo o processo e um judiciário partidarizado poderá levar a uma implosão da constituição e a um profundo descrédito das instituições jurídicas, caso o impeachment seja aprovado.
Tudo isso é a expressão de uma conspiração protagonizada por organizações empresariais midiáticas corruptamente parciais, por um parlamento dominado por uma cleptocracia, um Ministério Público ao mesmo tempo parcial e anfíbio, e um judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, não apenas acovardado, mas sobretudo politicamente capturado por um projeto golpista liderado em sua origem por um gângster, ainda solto e, portanto, capaz de liderar os seus cúmplices e manipular o processo.     
 
[1] Nota do editor: a publicação do presente artigo foi rejeitada pelo portal JOTA (jota.uol.com.br), com base no seguinte argumento do seu editor, jornalista Felipe Recondo: “Caríssimo, agradecemos o texto, mas não temos como publicá-lo. O texto, em verdade, é um manifesto (legítimo, evidentemente). Mas já tivemos de deixar de publicar textos neste formato recentemente. Não podemos abri o precedente, mas para figura tão respeitada, como o professor Marcelo Neves (...). Espero que compreenda. Obrigado mais uma vez e desculpe a demora.” Como nós, do Crítica Constitucional, além de tudo, discordamos de que se trate de um manifesto, pois entendemos ser um artigo de opinião com base técnico-jurídica, resolvemos publicá-lo para estimular o debate sobre o problema.
  
[2] Cf. Rose-Ackerman, Susan. Corruption and Government: Causes, Consequences, and Reforms. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.     

[3] Sobre subintegração e subcidadania versus sobreintegração e subrecidadania como formas de exclusão “por baixo” e “por cima”, respectivamente, na modernidade periférica, ver Neves, Marcelo. Verfassung und Positivität des Rechts in der peripheren Moderne: Eine theoretische Betrachtung und eine Interpretation des Falls Brasilien. Berlim: Duncker & Humblot, 1992, pp. 78 s. e 94 s.; Entre Subintegração e Sobreintegração: A Cidadania Inexistente. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais, vol. 37, nº 2. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, pp. 253-76.

[4] STF, 2ª Turma, Ação Penal nº 563/SP, rel. min. Teori Zavaschi, julg. 21/10/2014:http://s.conjur.com.br/dl/ap-563-protogenes-acordao.pdf. 

[5] Cf. sítio do CONJUR: http://www.conjur.com.br/2015-ago-19/anulacao-satiagraha-condenacao-prot....

[6] Cf. sítio de Exame.com: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/848/noticias/um-pais-imp....

[7] “Art. 17. Não será permitido ao magistrado e ao servidor fornecer quaisquer informações, direta ou indiretamente, a terceiros ou a órgão de comunicação social, de elementos contidos em processos ou inquéritos sigilosos, sob pena de responsabilização nos termos da legislação pertinente.”

[8] Zucca, Lorenzo. “Conflicts of Fundamental Rights as Constitutional Dilemmas”. In: E. Brems (org.). Conflicts between Fundamental Rights. Antuérpia: Intersentia, 2008, pp. 19-37, p. 28; Klatt, Mathias; Meister, Moritz. The Constitutional Structure of Proportionality. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 4.

[9] Alexy, Robert. Theorie der Grundrechte. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1986, pp. 121-2 [trad. bras.: Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 140].

[10] Cf. sítio da BBC: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160329_frases_portugal_mf_np.

[11] Cf. sítio de Brasil 247: http://www.brasil247.com/pt/247/poder/221407/Contra-Lula-ministro-Gilmar-põe-STF-sob-suspeita.htm.

[12] Bicudo, Hélio Pereira; Reale Júnior, Miguel; Paschoal, Janaína Conceição. Denúncia (DCR 1/2015), pp. 47 ss.

[13] Semler, Ricardo. “Nunca se roubou tão pouco”. In: Folha de São Paulo, 21 de novembro de 2014:http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/11/1551226-ricardo-semler-nunc....

[14] Tribunal de Consta União. “Relatório e Pareceres Prévios sobre as Contas do Governo da República – Exercício de 2002”. Diário do Senado Federal, ano LVIII, Suplemento ao nº 083, 17 de junho de 2013, Brasília – DF, p. 501.

[15] Ibidem, p. 497.

[16] Ibidem.

[17] Ibidem.

[18] Ibidem, pp. 60-61.

[19] Ibidem, p. 512.

[20] Guedes, Jefferson Garús; Pádua, Thiago Aguiar de. “Pedaladas jurisprudenciais do TCU ou prospective overruling?” In: Consultor Jurídico, 16 de agosto de 2015, p. 1 (http://www.conjur.com.br/2015-ago-16/pedaladas-jurisprudenciais-tcu-ou-p...).

[21] Ribeiro, Ricardo Lodi. “Da farsa do impeachment ao golpe parlamentar”. In: Direito do Estado, 27 de abril de 2016: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Ricardo-Lodi-Ribeiro/da-far....

[22] “She didn’t steal, but a gang of thieves is judging her” (Romero, Simone; Sreeharsha, Vinod. “Dilma Rousseff Targeted in Brazil by Lawmakers Facing Scandals of Their Own”. In: New York Times, 14/04/2016: http://www.nytimes.com/2016/04/15/world/americas/dilma-rousseff-targeted...). Original: “Não roubou, e será julgada por muitos ladrões” (Conti, Mario Sergio. “O que quer uma mulher”. In: Folha de São Paulo, 29/03/2016:http://www1.folha.uol.com.br/colunas/mariosergioconti/2016/03/1755014-o-...).

[23] Greenwald, Glenn; Fishman, Andrew; Miranda, David. “Brazil is Engulfed by Ruling Class Corruption – and a Dangerous Subversion of Democracy” [“O Brasil está sendo engolido pela corrupção – e por uma perigosa subversão da democracia”]. In: Intercept, 18 de março de 2016:https://theintercept.com/2016/03/18/brazil-is-engulfed-by-ruling-class-c....

[24] Cf. sítio eletrônico da FCC: https://www.fcc.gov/about-fcc/what-we-do (acesso em 4 de maio de 2016)

[25] Idem: https://www.fcc.gov/enforcement (acesso em 4 de maio de 2016).

[26] Althusser, Louis. “Idéologie et appareils idéologiques d’État (Notes pour une recherche)”. In: Louis Althusser. Positions (1964-1975). Paris: Éditions Sociales, 1976, pp. 67-
125, pp. 81 ss.; Poulantzas, Nicos. L’Etat, le Pouvoir, le Socialisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1978, pp. 31-8 [trad. bras.: O Estado, o poder, o socialismo. 2.a ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985, pp. 33-40].

Marcelo Neves
Professor Titular de Direito Público da Universidade de Brasília - UnB. Doutor em Direito pela Universidade de Bremen, com bolsa do DAAD (1991). Obteve livre-docência pela Faculdade de Direito da Universidade de Fribourg na Suíça (2000). Foi bolsista-pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Frankfurt am Main, Alemanha (2000). Foi Jean Monnet Fellow no Departamento de Direito do Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália (2000-2001). 


Do Constitucionalista