quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A face dos “juízes” do impeachment no Senado

Senado é a cara de seu presidente, Renan Calheiros: branco, na faixa dos 60 anos, de família de políticos e partido de centro, dono de patrimônio milionário e alvo de acusações criminais no Supremo. Veja o perfil da Casa que decide hoje o futuro de Dilma





Edilson Rodrigues/Ag. Senado
Ex-aliado de Dilma, Renan é um dos principais alvos da Operação Lava Jato
Homem, na faixa dos 60 anos, com formação universitária, patrimônio pessoal declarado na casa dos milhões, longa trajetória política, iniciada muitas vezes ainda dentro de casa, por herança familiar. Filiado a partido de centro e, em muitos casos, alvo de acusações criminais. Alguns deles alçados à condição de representantes de seus estados, como estabelece a Constituição, sem ter recebido um voto sequer. Este é um breve perfil do Senado que, investido da função de tribunal, decidirá nesta quarta-feira (31) se cassa ou não o mandato da presidente afastada Dilma Rousseff, acusada de ter cometido crime de responsabilidade. A saída definitiva da presidente depende do apoio de 54 (dois terços) dos 81 senadores.
Dados levantados pelo Congresso em Foco revelam uma Casa com perfil que nada lembra o da população brasileira. Em vez da maioria feminina (52%), no Senado a predominância é masculina. Hoje são 13 mulheres e 68 homens no exercício do mandato. Em um país de 13 milhões de analfabetos (IBGE), a quase totalidade dos senadores teve a oportunidade de concluir a faculdade.
Réus, cassados e até condenado viram juízes no impeachment de Dilma
A cor negra ou parda, que prevalece nas ruas, é minoria diante dos autodeclarados brancos. Apenas os senadores Paulo Paim (PT-RS) e Regina de Sousa (PT-PI) se autodeclaram negros. Outros seis se identificam como pardos, e 73, como brancos. Nenhum é indígena. Segundo o IBGE, 54% dos brasileiros são negros ou pardos. Os três senadores mais ricos têm patrimônio declarado entre R$ 99 milhões e R$ 389 milhões. No Brasil, 10 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Entre os 81 “verdadeiros juízes”, como os qualificou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, na abertura do julgamento do impeachment, estão 12 parlamentares que chegaram ao Senado na condição de suplentes. Ou seja, não foram votados diretamente, mas apenas escolhidos pelos titulares.
O atual Senado é a cara do seu presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL). Pai de governador, irmão de deputados e prefeito, Renan tem 60 anos de idade, quase 40 deles passados em cargos públicos. Dono de um patrimônio declarado de R$ 2 milhões em 2010, o peemedebista responde a dez inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), dos quais oito relacionados a fatos apurados pela Operação Lava Jato. Em 2007, o senador abriu mão da Presidência da Casa para não ser cassado. Por duas vezes, naquele ano, escapou da degola em votação secreta.
A bancada que o presidente do Senado lidera é numerosa. De cada três senadores, um está na mira do Supremo. Um deles está condenado a quase cinco anos de prisão pela mais alta corte do país. Entre os “juízes” do impeachment estão 26 investigados por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro – 13 deles suspeitos de participar do maior esquema de corrupção descoberto no Brasil nos últimos tempos.
Veja a lista dos senadores sob investigação no STF
Dos 24 que tinham pendência criminal na sessão que suspendeu o mandato de Dilma, em 12 de março, 18 votaram a favor do afastamento, e seis foram contrários. A bancada dos magistrados sob investigação reúne tanto apoiadores de Dilma, como os petistas, Gleisi Hoffmann (PR), Lindbergh Farias (RJ) e Humberto Costa (PE), quanto de Michel Temer, como o vice-presidente do PMDB e do Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), o líder do governo interino, Aloysio Nunes (PSDB-SP), e Valdir Raupp (PMDB-RO).
A acusação imputada contra Dilma – crime de responsabilidade – também pesa contra os senadores Dário Berger (PMDB-SC), Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), Lindbergh Farias, Romero Jucá e Simone Tebet (PMDB-MS).
Entre os magistrados de hoje estão políticos que tiveram o mandato cassado, como o ex-presidente Fernando Collor (PTC-AL), o primeiro a ser afastado em processo de impeachment no país, e o ex-governador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), retirado do Executivo sob a acusação de abuso do poder econômico pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Há também senador que renunciou um dia para fugir da cassação. É o caso de Jader Barbalho (PMDB-PA), o outrora poderoso presidente do Senado, acusado à época de desvios na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e no Banco do Pará (Banpará), processos dos quais se livrou ano passado com a prescrição dos crimes.
Prisão e impeachment
Condenado em agosto de 2013 pelo Supremo a quatro anos e oito meses de prisão, por fraude em licitações, Ivo Cassol está livre, no exercício do mandato e apto a votar o julgamento do impeachment. Cassol aguarda análise de seu último recurso para evitar o início do cumprimento da pena, da qual recorre há quase três anos em liberdade.
Denunciado na Lava Jato, o ex-presidente Fernando Collor (PTC-AL) passa de julgado à condição de julgador 24 anos após ter saído pela porta dos fundos do Palácio do Planalto, em meio a denúncias de corrupção. Collor confirmou ontem que votará pelo impeachment. Golpe, como alardeia os petistas agora, ocorreu, segundo ele, em 1992, quando o partido apoiou a sua cassação.
O Senado em números:
As bancadas partidárias
PartidoSenadores
PMDB19
PSDB11
PT10
PSB7
PP7
DEM4
PR4
PSD4
PDT3
PTB3
PCdoB1
PPS1
PRB1
PSC2
PTC1
PV1
Rede1
Sem partido1

Orientação partidáriaSenadores
Centro29
Centro-direita18
Esquerda13
Centro-esquerda12
Direita6
Sem partido3
Total81
Sexo
Homens – 68
Mulheres – 13
Cor
73 brancos
6 pardos
2 negros
Os mais ricos
Tasso Jereissati (PSDB-CE) – R$ 389 milhões
Blairo Maggi (PR-MT) – R$ 152,4 milhões
Eunício Oliveira (PMDB-CE) – R$ 99 milhões
Eduardo Braga (PMDB-AM) – R$ 27,2 milhões
Fernando Collor (PTB-AL) – R$ 20,3 milhões
Escolaridade
72 têm nível superior completo
5 têm nível superior incompleto
4 têm ensino médio
Média de idade
64 anos
O mais idoso
José Maranhão (PMDB-MA) – 82 anos
O mais jovem
Gladson Cameli (PP-AC) – 38 anos

Origem
69 eleitos
12 suplentes em exercício ou efetivados
Jornal GGN - A Agência Bloomberg, uma das maiores agências financeiras do planeta, acaba de publicar reportagem crítica sobre as Organizações Globo (http://migre.me/uQ44H). De autoria do repórter Blake Schmidt, a reportagem começa lembrando a fortuna da família Marinho, a dimensão da Globo frente a concorrência e o fato dos Marinhos ocuparem 3 das dez posições do Índice Bloomberg de Bilionários para o Brasil.
Diz que a história da Globo se confunde com as trevas do regime militar brasileiro e esse legado ainda assombra os Marinho. A reportagem cita partidários de Dilma afirmando que a cobertura de notícias pela Globo ajudou a preparer o processo de impeachment.
Entrevistado, o historiador João Braga informa que o “Globo foi um dos grupos empresariais qiue se beneficiaram da era da ditadura militar”. Diz mais: “Há grupos hoje que enxergam na Globo nào apenas um adversário de Dilma, mas um agente do golpe”.
A reportagem menciona a reação contra a Globo nos piquetes e manifestações contra o impeachment e o lema “o povo não é bobo, abaixo a rede Globo”.
Cita um artigo do Guardian em abril lembrando o golpe militar e mencionando que a Globo atua hoje em dia de forma semelhante para agitar para o brasileiro rico. João Roberto Marinho, presidente do grupo, enviou uma carta para o Guardian, mas recusou-se a comentar o artigo da Bloomberg.
A reportagem vai além. Diz que além do império de mídia, a fundação dos Marinhos também projetou seis museus, “dando à família o domínio na formação da narrativa histórica e cultural da Nação”.
A reportagem diz que a Globo é mencionada 40 vezes em um relatório de 229 páginas publicado em dezembro pela Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, descrevendo as relações comerciais entre Roberto Marinho e a ditadura. Menciona o embaixador norte-americano descrevendo-o como o articulador principal do regime militar.
Diz que essa relação com os militares permitiu à Globo montar a parceria com a Time-Life, que aportou US$ 6 milhões entre 1962 e 1966, 30 vezes o capital do grupo brasileiro na época.
A reportagem lembra o documentário “Muito além do Cidadão Kane” sobre Roberto Marinho, mostrando os laços do grupo com a ditadura. 

terça-feira, 30 de agosto de 2016


Do Opera Mundi
Jornais internacionais repercutiram o discurso da presidente Dilma Rousseff perante o Senado brasileiro nesta segunda-feira (29/08). O espanhol El País classificou a fala da mandatária como “dura e emocionante”. Dilma foi ao Senado para se defender das acusações de crime de responsabilidade que visam destitui-la de seu cargo.
Em artigo, o El País disse que, em discurso “duro e emocionante”, Dilma “apelou aos sentimentos, à sua história política, ao seu caráter e à sua trajetória para deixar claro de que está sendo expulsa [da Presidência] injustamente”.
“Ela sabe. Sabe que só um milagre a salvará [do impeachment], sabe que tudo está perdido. Ou quase. Por isso, apesar desta interpelação, Rousseff não dirigiu seu discurso só aos senadores, mas ao país inteiro, aos livros de história, ao seu próprio retrato e à sua própria biografia, consciente da dimensão do momento, da importância do discurso”, escreveu o autor do texto, Antonio Jiménez Barca.
Para o jornal espanhol, Dilma conseguiu atingir o “triste objetivo de sua própria defesa” nesta segunda: “deixar para os historiadores um precioso discurso inútil”.
Ainda na Europa, o jornal diário português Público, ao tratar do discurso de Dilma, deu como provável seu impeachment.
“A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, não poupou nas palavras na sua defesa perante o Senado, no julgamento em que deverá ser destituída do cargo, do qual está suspensa desde maio”, afirmou o veículo.
“A presidente defende-se destas acusações [pedaladas fiscais] — muitos analistas dizem que esta contabilidade criativa não é muito diferente da realizada por outros governos”, escreveu a autora do texto, Clara Barata.
Além disso, o jornal trata da operação Lava Jato, que investiga esquemas de corrupção que envolviam desvio de dinheiro da petrolífera Petrobras. Apesar de reconhecer que nunca foi descoberto nada que “visasse concretamente Rousseff — sua honestidade pessoal nunca foi posta em causa”, o Público diz que “a presidente convivia com esse sistema político que ninguém duvida que seja corrupto”.
A emissora norte-americana CNN também comentou o discurso da presidente quem, segundo o veículo, “não tem intenção de aceitar seu impeachment sem uma luta”.
“Não está claro se um discurso emocionado irá fazer algum bem [para ela]. A maré de opiniões está contra ela, e sua aparição [perante o Senado] é esperada que seja seu último pronunciamento público”, afirmou a CNN.
Segundo a emissora, o processo de impeachment se arrastou por meses e é um “retorno desagradável à realidade” para o Brasil após as celebrações dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, que, “apesar de ter orquestrado, Rousseff foi impedida de comparecer”.
“[Esta] é uma crise política que os brasileiros comuns poderiam ficar sem — o país está tentando sair de uma recessão”, disse a emissora.
Outro veículo norte-americano que também abordou o discurso da presidente foi o jornal USA Today.
“Após quatro dias de briga intensa na capital do Brasil sobre as acusações enfrentadas por Rousseff, ela teve sua chance de se defender (…) Rousseff usou seu discurso de 45 minutos para ressaltar sua história política e pessoal”, escreveram os autores do artigo.
Para o jornal, vem se construindo um “momentum” contra a mandatária brasileira, “que está ficando sem tempo de convencer os outros senadores a mudarem seus votos [em seu favor]”.
Na América do Sul, o jornal argentino Clarín também se pronunciou em relação ao discurso da mandatária, que classificou como “uma histórica declaração de defesa”.
“A presidente enfrenta agora sua última batalha, em uma sucessão de crises que arrasta desde que iniciou seu segundo mandato, em 1º de janeiro de 2015”, escreveu a jornalista Eleonora Gosman.
Os parlamentares precisam de 54 votos para impedir Dilma. Em maio, quando era votado seu afastamento, apenas 22 dos 81 senadores votaram pela permanência da presidente. Caso ela perca a votação, o presidente interino e vice-presidente Michel Temer assumirá definitivamente o Palácio do Planalto até 2018. A votação no Senado deve ocorrer na quarta-feira (31/08).

domingo, 28 de agosto de 2016

Por Janio de Freitas
Além de envolvidos, Lava Jato ofende quem preza o respeito à Constituição
Na Folha
O procurador-geral Rodrigo Janot tem uma curiosidade. Bom sinal, nestes tempos em que temos sabido de inquisidores sem curiosidade, só receptivos a determinadas respostas.
A crítica do ministro Gilmar Mendes aos "vazamentos" de delação na Lava Jato suscitou a reação de Rodrigo Janot registrada por Bernardo Mello Franco: "A Lava Jato está incomodando tanto? A quem e por quê?".
É uma honra, e quase um prazer, aplacar um pouco a curiosidade que a esta altura acomete ainda o procurador-geral, talvez forçando-o a alguma passividade ou omissão.
Não escapa à sua percepção o quanto a Lava Jato incomoda aos que envolve com sua malha, tenha ou não motivo real para tanto.
Mas existe outra classe de incomodados, muito mais numerosos do que os anteriores e atingidos por inquietação diferente. O procurador-geral não terá dificuldade em reconhecê-los.
É uma gente teimosa e inconformada. São os que prezam o respeito à Constituição, mesmo que não a admirem toda, e às leis, mesmo que imperfeitas.
E entendem, entre outras coisas, que isso depende não só dos governos e políticos em geral, mas, sobretudo, dos que integram o sistema dito de Justiça. Ou seja, o Judiciário, o Ministério Público, as polícias.
Perseguições escancaradamente políticas, prisões desnecessárias ou injustificáveis, permanências excessivas em cadeias, "vazamentos" seletivos —tudo isso, de que se tem hoje em dia inúmeros casos, incomoda muita gente.
Porque, além de covardes, são práticas que implicam abuso de autoridade e múltipla ilegalidade. E sua prepotência é tipicamente fascistoide.
Mas os incomodados com isso não se mudam e não mudam. Querem o fim da corrupção e de todas as outras bandalheiras, sem, no entanto, o uso de resquícios do passado repugnante.
2) Mais uma vez, às vésperas de uma decisão em procedimentos destinados ao impeachment, a Lava Jato cria uma pretensa evidência, na linha do escandaloso, que atinja Dilma Rousseff ainda que indiretamente.
Desta vez, estando os seus procuradores sob suspeita do crime de "vazamento" de matéria sigilosa, a Lava Jato passou a tarefa ao seu braço policial: o já conhecido delegado Márcio Anselmo, da Polícia Federal, indicia Lula, Marisa e Paulo Okamotto.
Os procuradores da Lava Jato pediram 90 dias para fazer a denúncia dos indiciados. Três meses? Um inquérito com as peças que justifiquem o indiciamento não precisa de tanto prazo para a denúncia.
A dedução é inevitável: o indiciamento foi precipitado, com o mesmo propósito político dos anteriores atos gritantes, e os longos três meses são para tentar obter o que até agora não foi encontrado.
3) O governo da China ofereceu ao Brasil, em junho de 2015, crédito em torno de US$ 50 bilhões para obras de infra-estrutura.
A Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, no governo Dilma, e os chineses formaram uma comissão que, por sua vez, decidiu pela criação de um fundo de investimento de US$ 20 bilhões, composto por US$ 15 bilhões da China e completado pelo Brasil. Um outro fundo elevará o financiamento ao montante proposto no ano passado.
O governo de Michel Temer reteve a formalização do acordo, e o início do primeiro fundo, para apresentá-lo como realização sua. No dia 2 de setembro, data escolhida em princípio.
4) A crítica de Gilmar Mendes aos procuradores da Lava Jato foi atribuída por muitos, nos últimos dias, ao corporativismo sensibilizado pelo "vazamento" injustificado contra o ministro Dias Toffoli.
O que houve, porém, foi a repetição, em parte até com as mesmas palavras, das críticas feitas por Gilmar Mendes em pelo menos duas ocasiões. Inclusive tratando como crimes os "vazamentos" de delações sigilosas. Os quais, na verdade, não são vazamentos, ou informações passadas a jornalistas: são jogadas com fins políticos.
A definição como crime, aliás, é motivo bastante para que a tal investigação do "vazamento" contra Toffoli, ou nem comece, ou termine em nada a declarar. 

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Grave foi o Moro receber a medalha
O ator Wagner Moura se manifestou, nesta quinta-feira 25, contra o Golpe de Estado em marcha no Brasil.
Ele afirmou que, se os Golpistas derem continuidade ao processo de impeachment da Presidenta Dilma, "serão lembrados pela história como os responsáveis pelo mais sinistro ataque à democracia desde o Golpe de 1964”.
A declaração foi feita um dia após um grupo de intelectuais e artistas de diversos países divulgar um manifesto em defesa da inocência de Dilma.
Confira a íntegra da declaração de Wagner Moura:
"Estamos profundamente agradecidos por essas importantes palavras de apoio de nossos colegas na Grã-Bretanha, Estados Unidos, Canada e Índia. Os políticos corruptos que lideram a articulação para depor Dilma têm de saber que há um holofote internacional iluminando suas ações. Se eles derem continuidade ao seu plano, serão lembrados pela história como os responsáveis pelo mais sinistro ataque à democracia desde o Golpe de 1964”.
Nesta quarta-feira, 24, figuras ilustres como Noam Chomsky, Naomi Klein, Susan Sarandon, Ken Loach e Oliver Stone divulgaram um documento em que enaltecem a fraude do processo de impeachment.
 "Existem evidências convincentes mostrando que os principais promotores da campanha do impeachment estão tentando remover a presidenta com o objetivo de parar investigações de corrupção nas quais eles próprios estão implicados", afirma o manifesto.
Os signatários também demonstram preocupação com a substituição do Governo da primeira mulher eleita à Presidência por um "ministério compostos por homens brancos, em um país onde a maioria se identifica como negros ou pardos".
Leia, abaixo, a íntegra do manifesto:
Nos solidarizamos com nossos colegas artistas e com todos aqueles que lutam pela democracia e justiça em todo o Brasil.
Estamos preocupados com o impeachment de motivação política da presidenta, o qual instalou um governo provisório não eleito. A base jurídica para o impeachment em curso é amplamente questionável e existem evidências convincentes mostrando que os principais promotores da campanha do impeachment estão tentando remover a presidenta com o objetivo de parar investigações de corrupção nas quais eles próprios estão implicados.

Lamentamos que o governo interino no Brasil tenha substituído um ministério diversificado, dirigido pela primeira presidente mulher, por um ministério compostos por homens brancos, em um país onde a maioria se identifica como negros ou pardos. Tal governo também eliminou o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Visto que o Brasil é o quinto país mais populoso do mundo, estes acontecimentos são de grande importância para todos os que se preocupam com igualdade e direitos civis.

Esperamos que os senadores brasileiros respeitem o processo eleitoral de 2014, quando mais de 100 milhões de pessoas votaram. O Brasil emergiu de uma ditadura há apenas 30 anos, e esses eventos podem atrasar o progresso do país em termos de inclusão social e econômica por décadas. O Brasil é uma grande potência regional e tem a maior economia da América Latina. Se este ataque contra suas instituições democráticas for bem sucedido, as ondas de choque negativas irão reverberar em toda a região.

Tariq Ali - escrtor, jornalista e cineasta
Harry Belafonte - ativista, cantor e ator
Noam Chomsky - linguista
Alan Cumming - ator
Frances de la Tour - atriz
Deborah Eisenberg - escritora, atriz e professora
Brian Eno - compositor, cantor e produtor
Eve Ensler - dramaturga
Stephen Fry - ator e diretor
Danny Glover - ator e diretor
Daniel Hunt - produtor musical e cineasta
Naomi Klein - jornalista e escritora
Ken Loach - cineasta
Tom Morello - músico
Viggo Mortensen - ator
Michael Ondaatje - novelista e poeta
Arundhati Roy - escritor e ativista
Susan Sarandon - atriz
John Sayles - roteirista e director
Wallace Shawn - ator, dramaturgo e comediante
Oliver Stone - cineasta
Vivienne Westwood - estilista

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Da Revista Brasileiros
O primeiro momento de maior tensão nesta quinta-feira (25) no julgamento do processo de impeachment, no Senado, contra a presidenta afastada Dilma Rousseff levou o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, a suspender a sessão por alguns minutos para tentar restabelecer a ordem. A confusão começou quando a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) afirmou que nenhum senador tem condições morais para julgar o afastamento permanente de Dilma.
“Aqui não tem ninguém com condições para julgar ninguém. Qual a moral do Senado para julgar uma presidente da República?”, disse, visivelmente exaltada. A declaração foi interrompida pela manifestação indignada de outros senadores longe do microfone, entre eles, Ronaldo Caiado (DEM-GO), a quem Gleisi respondeu acusando: “o senhor é do trabalho escravo”, disse ao microfone.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) interveio chamando o senador do DEM de canalha e citando o senador cassado Demóstenes Torres, que foi aliado de Caiado. O senador do DEM então atacou de volta: “Tem que fazer antidoping. Fica aqui cheirando não”.
Gleisi rebatia o senador Magno Malta (PR- ES), a quem coube colocar o contraponto a uma das questões de ordem apresentadas por aliados de Dilma que afirmaram que o impeachment é defendido para blindar o presidente interino, Michel Temer, e alguns integrantes de seu governo citados em delações da Lava Jato.
Lata e lixo
“É o sujo falando do mal lavado. É a lata e o lixo. Não sou do PMDB, não sou do PSDB,  que são os inimigos declarados do processo eleitoral”, disse. Sobre gravações que estão sendo reveladas ao longo das investigações, Malta atacou:”Se valesse alguma coisa, Aloizio Mercadante deveria estar preso”.
Diante do bate-boca estabelecido, com a volta dos trabalhos, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) pediu serenidade nas discussões para que as testemunhas começassem a ser ouvidas.  Ao retomar a sessão, Lewandowski anunciou o indeferimento da questão de ordem da senadora Fátima Bezerra (PT-RN) que voltou a apontar suspeição do relator, Antonio Anastasia (PSDB-MG), pelo vínculo com o partido tucano, a quem aliados de Dilma atribuem a autoria do processo.
“Isto não é democracia. É um tribunal de exceção”, acusou. Aliada do governo Temer, Simone Tebet (PMDB-MS) disse que a alegação revela “medo” dos contrários ao processo e afirmou que a questão já foi decidida por todas as instâncias que receberam recursos no mesmo sentido.
O ministro Lewandowski também indeferiu pedido feito pela senadora Vanessa Graziotin (PCdoB-AM) que solicitou a impugnação do procurador Júlio Marcelo de Oliveira, primeira testemunha a falar na sessão de hoje, afirmando que ele teria um posicionamento parcial. Lewandowski negou o pedido dizendo que Júlio Marcelo “possui idoneidade e capacidade técnica para apresentar testemunho”.
A sessão foi aberta por volta de 9h35 e até o momento só foram apresentados pedidos de esclarecimentos sobre a sessão. Ainda hoje, quatro testemunhas serão arroladas pela acusação e pela defesa.
Excessos de autoritarismo da Lava Jato são problema institucional
Janio de Freitas


Uma hipótese, um tanto óbvia, veio já no ataque inicial do ministro Gilmar Mendes ao "vazamento", maldoso e injusto, de referência na Lava Jato ao ministro Dias Toffoli, do Supremo. "É necessário investigar os investigadores" da Lava Jato –repetiu Mendes essa frase sua do ano passado, agora completando a observação de que procuradores da Lava Jato estão em choque com Toffoli, por eles atacado até em artigo. Entre hipóteses possíveis, porém, viceja em círculo judicial aparentemente estreito uma menos fácil e mais excitante que a de Mendes.

A delação afinal aceita por Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, poderia ser a mais promissora, mas já as discussões iniciais mostraram-se tão problemáticas quanto as de Marcelo Odebrecht. Muito afável, prestativo e de acesso simples, Pinheiro teria com que inundar a Lava Jato de informações e esclarecimentos. E, esperavam os procuradores, obsessão acima de todas, o que buscam em vão sobre a propriedade do sítio e do apartamento atribuída a Lula. Léo Pinheiro foi decepcionante para a Lava Jato nas preliminares sobre a futura delação: não admitiu que o sítio e o apartamento sejam de Lula.

Era muito fácil a previsão de que implicar um ministro do Supremo, em mais um "vazamento", daria oportunidade a sustar o acordo de delação premiada com Léo Pinheiro. Além de não dizer o que desejavam, o possível delator e seu manancial de informações por certo desvendariam pessoas e grupos não incluíveis na mira acusatória da Lava Jato. Criar o caso e, suspenso o acordo de delação, deixar Léo Pinheiro calado: está feito.

A hipótese de Gilmar e a outra não se excluem, talvez se completem. Em ambas, aliás, confirma-se que Léo Pinheiro paga pelo que não disse e não fez. Com toda a certeza, não é o autor do "vazamento", inexistindo qualquer motivo para a punição que o procurador-geral Rodrigo Janot lhe aplicou, e só a ele, cassando-lhe o direito de buscar o mesmo benefício dado a tantos delatores.

Se o "vazamento" é algo tão grave, definido como crime por Gilmar Mendes e motivador do ato extremado de Janot, à pergunta "a quem interessa?" emenda-se outra: por que tanto consentimento, por tanto tempo, para atos agora qualificados de "excessivos", "inaceitáveis" e "abusos de autoridade"?

O Conselho Nacional do Ministério Público manteve-se impassível diante da torrente de "vazamentos" que os tornou costume característico da Lava Jato. O Conselho Nacional de Justiça teve a mesma indiferença, em relação ao chefe da Lava Jato, juiz Sérgio Moro. O procurador-geral chegou a emitir uma nota com advertências sobre os excessos, mas recuou na aplicação dos seus conceitos à prática. Esses comportamentos constituíram uma carta branca para a Lava Jato e sua prepotência.

Até um leigo, como sou, anteviu que os excessos de autoritarismo da Lava Jato, uma vez consentidos, cresceriam em número e em grau de gravidade. E viriam a ser um problema institucional. São.

Léo Pinheiro de nada acusou Dias Toffoli, nem insinuou. Mas, se a substância não fere o Supremo, o "vazamento" o atinge pela intenção inequívoca de sua forma maldosa, desonesta mesmo. Dizem que vão investigar a procedência do "vazamento" ou "vazamentos". Quem a conhece são jornalistas. A Polícia Federal já pretendeu exigir de jornalistas a indicação de suas fontes. À Lava Jato só falta algo nessa linha, para um aparente atestado de bom comportamento contra a acusação de "abuso de autoridade". Iniciada por indignado Gilmar Mendes, aquele que reteve por ano e meio uma decisão importante do Supremo, enquanto expunha em público o teor do voto engavetado. Um abuso de autoridade escancarado.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Geneton: grande sujeito, grande repórter e as bombas de que Brizola escapou

Fernando Brito
Morreu esta noite um grande repórter.
Geneton Moraes Neto se foi, aos 60, pelas complicações de um aneurisma.
Não fui seu amigo pessoal, mas devo a ele a parte mais valiosa do documentário que fiz sobre a resistência legalista de Brizola em 1961.
Quinze anos atrás, um simples telefonema fez com que ele me cedesse uma fita cassete que era uma preciosidade.
Uma, das muitas que ele recolheu naquilo que escolheu fazer: reportagem sobre a História brasileira.
Era o depoimento do escritor Oswaldo França Júnior, nos anos 60 piloto da Força Aérea Brasileira, narrando os preparativos e a frustração do bombardeio ao Palácio Piratini, de onde Leonel Brizola, governador gaúcho, comandava a resistência ao golpe para impedir a posse de João Goulart, em 1961.
É coisa que muita gente não faz ideia ou acha apenas “lenda” política.
Reproduzo o texto – e a transcrição – feitas por Geneton, com todo o mérito que tem de fazer um registro primário da história que muitos não acreditam que este país viveu e que ele, repórter da história brasileira, não deixou que se perdesse:
O ESCRITOR RECEBE UMA MISSÃO : MATAR LEONEL BRIZOLA
Geneton Moraes Neto
A História poderia ter tomado um rumo diferente em 1964 se tivesse havido uma resistência igual à’ que Leonel Brizola comandou em 1961 para garantir a posse do então vice-presidente João Goulart na presidência da Republica depois da renuncia de Jânio Quadros. Com um microfone nas mãos,Brizola comandara em 1961 uma campanha pela legalidade : se a presidência estava vaga,o vice Goulart e’ que deveria assumir. Não era o que os militares queriam.Mas foi o que aconteceu.
A resistência legalista de Brizola em 1961 por pouco não acaba em bombas e balas. Piloto da FAB que anos depois ficaria famoso como escritor,o mineiro Oswaldo Franca Junior recebeu,com os colegas,uma missão que,se executada,poderia resultar na eliminação física do ex-governador Brizola sob um monte de escombros,num palácio bombardeado.
Oswaldo Franca Junior tinha um demônio dentro de si.Queria um exorcista.Todas as tentativas de traduzir o demônio em palavras foram frustradas.Bem que tentou,mas não conseguiu transformar em texto a incrível experiencia quer viveu nos tempos em que era oficial da Forca Aérea Brasileira,no começo dos anos sessenta. Extremamente rigoroso com o que escrevia,a ponto de só aproveitar dez de cada cem paginas que produzia,Franca Junior despejou na lata de lixo as tentativas de relato da época. Se transformadas em livro,as confissões do ex-primeiro tenente Franca Junior poderiam ter virado best-seller politico : basta saber que ele participou diretamente de uma operação secreta para bombardear o Palácio onde estava o então governador Leonel Brizola,em Porto Alegre.Franca Junior estava pronto para levantar voo num dos aviões que despejariam bombas sobre o Palácio. Nesta entrevista,ele revela com todos os detalhes como a operação foi preparada.
Diante do gravador,Oswaldo Franca Junior relatou com desembaraço o que jamais conseguiu escrever.Uma coisa e’ certa : Franca Junior e’ seguramente o único escritor em todo o mundo que recebeu uma ordem expressar para bombardear um palácio e matar um governador.Expulso da Aeronáutica pela Ato Institucional Número 2 como ‘’subversivo’’,Franca Junior virou corretor de imoveis,vendedor de carros usados,dono de carrocinhas de pipoca e ate’ administrador de uma pequena frota de táxis ,antes de ficar conhecido nacionalmente com o romance ‘’Jorge,um Brasileiro’’, em 1967.
Vai falar o escritor que como piloto,esteve a um passo de se envolver numa carnificina a mando dos superiores :
GMN : Você e’ seguramente um caso único de escritor que recebeu ordens expressas para eliminar um governador de Estado num bombardeio a um palácio. Você pode revelar em que circunstancia exatamente foi dada a ordem de eliminar o então governador do Rio Grande do Sul,Leonel Brizola ?
Franca Junior : ‘’Você quer saber em que circunstâncias…Eu servia no Esquadrão de Combate,em Porto Alegre.Era a unidade de combate mais forte que existia entre o Rio de Janeiro e o Sul.Era o 1º do 14º Grupo de Aviação. A gente usava um avião inglês que,na FAB,recebeu de F-8. ( Nota do Tijolaço: era o Gloster Meteor, jato logo posterior à 2a. Guerra) Logo depois da renúncia de Jânio Quadros,em 1961,Brizola fez a Cadeia da Legalidade através das emissoras de radio e se entrincheirou no Palácio do Governo,em Porto Alegre.O comandante do meu esquadrão nos reuniu e disse : ‘’Nos acabamos de receber uma ordem para silenciar Brizola.Vamos tentar convence-lo a parar com esse movimento de rebeldia.Se ele não parar com essa campanha,vamos bombardear o Palácio e as torres de transmissão da rádio que ele vem usando para fazer a Cadeia da Legalidade.Vamos fazer tudo ‘as seis da manhã.Vamos tentar dissuadir Brizola ate’ essa hora.Se não conseguirmos,vamos bombardear’’. Nos ouvimos essas palavras do comandante.Todo oficial tem uma missão em terra,alem de ser piloto de esquadrão. Eu era chefe do setor de informação. Recebi ordens de calcular o quanto de combustível ia ser usado e quanto tempo os aviões poderiam ficar no ar.Dezesseis aviões foram armados para a operação. Pelos meus cálculos,a gente ia pulverizar o Palácio do Governo ! O armamento que a gente tinha em mãos era para pulverizar o palácio. Um ataque para acabar com tudo o que estivesse la’.Não ia haver dúvida.Os aviões foram armados.Nos nos preparamos.Colocamos as bombas e os foguetes nos aviões. Ficamos somente esperando chegar a hora,quando o dia amanhecesse.Mas criaram-se ai vários impasses,vários problemas sérios. Durante o tempo em que ficamos esperando,nos todos sabíamos que iriamos matar muita gente. Num ataque como aquele ao Palácio,bombas e foguetes cairiam na periferia.Muitas pessoas iriam ser atingidas.Alem de tudo,Brizola estava com a família no Palácio,cercado de gente.Havia gente armada la’,mas não ia adiantar nada,diante do ataque que iriamos deflagrar com nosso tipo de avião. Podia ser que um ou outro avião caísse,o que não impediria de maneira nenhuma o ataque e a destruição do Palácio. E ai’ começou o questionamento.
O militarismo tem dois alicerces básicos : a disciplina e a hierarquia. Você não pode mexer nesses dois alicerces.Toda a carreira,todos os valores,todo o futuro do militar e’ garantido em cima desses dois suportes. Você ,quando e’ militar,sabe exatamente o que vai acontecer com você daqui a dez,vinte anos,baseado nessa hierarquia e nessa disciplina.Isso da’ uma segurança e um ‘’espirito de corpo’’ bem desenvolvidos.Mas,diante de nos,os tenentes que íamos fazer o ataque,e não estávamos incluídos na alta cúpula,apresentou-se uma incoerência : se o presidente da Republica,chefe supremo das Forcas Armadas,renunciou,automaticamente quem deve assumir e’ o vice-presidente.Nos nos perguntávamos ali : por que o Estado Maior – que não fica acima do Presidente da Republica – pode determinar que um vice-presidente não pode assumir ? Então,ha’ uma incoerência interna na hora de obedecer a uma ordem assim.Por que ? Porque aquela ordem,em principio,ja’ quebrava a hierarquia,a base do sentimento militar.Nos começamos a pensar.Mas íamos decolar,sim,para o ataque ! Durante a noite,no entanto,houve um movimento inteligente,partido principalmente do pessoal de base.O avião de caca só leva um pessoa,o piloto.Mas e’ necessário ter uma equipe grande de apoio no solo.E essa equipe de apoio,formada principalmente por sargentos,impediu a decolagem dos aviões. Os sargentos esvaziaram os pneus.E trocar de repente todos os pneus dos aviões de combate e’ um problema técnico complicado e demorado.Os aviões,assim,ficaram impedidos de decolar na hora do ataque.Houve uma movimentação. E o Exercito ajudou a controlar a divisão interna na Base Aérea.
O Estado Maior mudou a ordem,para que nos nos decolássemos para São Paulo.E,para a viagem de Porto Alegre para São Paulo,os aviões não poderiam decolar armados.Por que ? O avião de caca e’ uma plataforma que você eleva para transportar armamentos.Ali dentro só existe lugar para colocar combustível e arma.O piloto vai num espaço pequeno. Então,tiraram os armamentos dos aviões para encher de combustível. Somente assim seria possível chegar a São Paulo.O Estado Maior estava centralizando o poder de fogo para que,se houvesse um guerra civil, eles estivessem bem equipados’’.
GMN – Como militar,você cumpriria sem discussão essa ordem de bombardear o Palácio e eliminar fisicamente o governador ?
Franca Junior : ‘’Naquelas circunstancias de Porto Alegre,eu obedeceria, sim. Obedeceria ! Um ou dois meses depois eu iria questionar.Por que ? Porque ali foi um ponto de ruptura,um divisor de águas. Naquela crise,em que passamos a noite inteira nos preparando para bombardear o Palácio do Governo,surgiram vários questionamentos. Somente de madrugada e’ que houve o problema da sabotagem dos aviões. Agora nem tanto,mas antes você só era preparado para ;utar contra o inimigo externo. E de repente nos chegou aquela ordem para bombardear Brizola de uma hora para outra. Não houve nem uma preparação psicológica nossa. Você, então, começa a se questionar : por que e’ que as pessoas estão fazendo aquilo ? Por que a realidade brasileira e’ essa ? O militar, em qualquer crise politica,não e’ como o civil – que pode fazer a opção sobre se vai participar ou não. O militar e’ obrigado a participar – e de arma na mão !’’.
GMN – Você é que escolheu as bombas que seriam usadas para matar Brizola ?
Franca Junior : ‘’Não. Ajudei a verificar o volume de combustível nos aviões. Nós iriamos usar bombas de 250 libras.E 15 foguetes. Cada avião iria levar quatro bombas de 240 libras,alem de quatro canhões. Eu digo : a gente ia pulverizar tudo ! O armamento que iriamos usar não era para intimidar…’’.
GMN – Quando estava fazendo os cálculos de combustível e de armamentos,você pensava em que ?
Franca Junior -’’O questionamento vem surgindo aos poucos.A primeira impressão e’ que tinha acontecido algo serio e nos não tínhamos ainda acesso às informações sobre o que havia ocorrido.Haviam,provavelmente,descoberto ligações de Brizola ou de um grupo grande.O bicho-papão,na época,eram os comunistas. Então,eles devem ter descoberto uma trama tao diabólica e tao generalizada que estavam tomando uma atitude seria para impedir que o presidente assumisse’’.
A experiencia que vivi foi inusitada,porque você julga que uma guerra civil pode pode surgir de um encadeamento de fatos que leva anos – mas não de uma hora para outra,como ali : uma pessoa vem e dá uma ordem.Se o pessoal de apoio da Base Aérea de Porto Alegre não tivesse impedido a decolagem dos aviões, nos teríamos decolado e destruído o Palácio. Não tenha duvida ! Isso forçosamente teria desencadeado um problema seriíssimo no Brasil’’.
GMN – Pouquíssimos escritores viveram,na vida real,historias com uma forca dramática tao grande.Por que e’ que você nunca quis descrever todos estes acontecimentos literariamente ? Por que você despreza uma experiência tao rica ?
Franca Junior – ‘’Não e’ que eu despreze ! E’ diferente.Fui aviador durante anos e anos .O fato de lidar com aviação faz com que você adquira uma matéria-prima rica,porque levam o ser humano a se desnudar e a demonstrar quem e’. E eu levei quase vinte anos para conseguir escrever uma historia que trata de aviação. Eu tinha vontade de escrever.Quando começava uma história, percebia que estava tudo falso !’’.
PS. Aqui, você pode ouvir a narrativa de França Júnior, na sua própria voz, no documentário a que me referi.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Aliança pelo Brasil
Um procurador messiânico e um apresentador de boa fé
por J. Carlos de Assis
Carta a Jô Soares:
Vi a gravação de sua entrevista com o procurador-chefe da força tarefa da Lava Jato, Dalton Dallagnol. Decidi procurá-la na rede depois que, em entrevista posterior, você apresentou uma carta do advogado de Lula protestando contra o uso de provas ilegítimas em processo penal. Voce desqualificou o advogado subscrevendo integralmente os conceitos do procurador, dados na véspera, segundo os quais provas obtidas ilicitamente poderiam ser aceitas no processo desde que produzidas de “boa fé”.
Argumento idêntico já havia sido adotado pelo juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, numa de suas palestras sensacionais. Neste caso, tratava-se de legítima defesa da audácia dado que o magistrado pretendia obviamente legitimar o uso judicial da gravação de Lula com a Presidenta Dilma, que ele liberou para a imprensa ilegalmente, agora incluída no processo de suposta obstrução da justiça. Temos agora três instâncias da legitimação da prova ilícita: o juiz, o procurador e a imprensa, esta representada por você, Jô Soares, em seu candente editorial. Poder-se-ia dizer que isso retrata uma conspiração para a obstrução não da justiça, mas da lei.
Não somos juristas. Sou jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, hoje quase totalmente dedicado à economia política. Você é um dos homens sabidamente mais cultos do país. Entretanto, somos iguais num ponto: pertencemos a um mesmo ambiente histórico cujas raízes estão cravadas no início da era moderna da qual a característica mais marcante, no processo de construção de cidadanias, foi a consagração absoluta dos princípios jurídicos do habeas corpus, da presunção de inocência e do devido processo legal. Era a forma do cidadão escapar do sufocamento do Rei ou do Estado.
Não é difícil identificar no devido processo legal o imperativo inescapável da legalidade da prova. Isso não é Direito. Isso é civilização. O contrário seria deixar ao arbítrio do juiz, e na dependência de sua “boa fé”, aquilo que é a base factual dos julgamentos, ou seja, a prova material inequívoca. O juiz Moro e o procurador Dalton, e agora você, Jô, se tiverem realmente boa fé, devem à sociedade brasileira um esclarecimento franco sobre o que entendem por boa fé, e quem a determina num processo penal.
Sua explicação para acolher o argumento do promotor foi a imensa audiência que seu programa alcançou na data do programa. Trata-se de uma tautologia. Sua audiência lhe devolveu o que você deu a ela. Foram seus conceitos, e os conceitos expostos pelo procurador sem qualquer questionamento de sua parte, que refletiram na plateia e na tevê e lhe voltaram na forma de uma ovação geral. Pusesse você alguém de menos boa fé, que a sua, para entrevistar o procurador, alguém que não fosse dessa grande mídia sórdida, e ele seria massacrado.
Vou lhe dar apenas um exemplo da simplicidade idiota desse procurador de ares messiânicos. Ele disse ter estudado pós-graduação em Harvard e ali aprendeu métodos eficientes de combater a corrupção. Bom, terá ele aprendido em Harvard alguma coisa dos processos movidos, depois da crise de 2008, contra os fraudulentos Bank of America e o Citigroup, os maiores bancos norte-americanos? Acaso foi preso algum dos dirigentes desses maiores bancos americanos pelos golpes dados no mercado de subprime?
Bom, para que esse procurador, ou você mesmo não digam de novo que o escândalo da Petrobrás é o maior do mundo, vou lhe dar alguns dados que a grande imprensa omite: os dois bancos citados, para livrar seus executivos da cadeia, pagaram, cada um, cerca de R$ 70 bilhões, ou um total de R$ 140 bilhões em multas. Não é só isso. Ninguém pagou pela fraude da Libor, administrada pelos 14 maiores bancos do mundo, a despeito de bilhões e bilhões de dólares em prejuízos. Ninguém pagou pelas fraudes do Deutsche Bank e o UBS nos mercados mundiais de câmbio, também representando quantias bilionárias.
Se você me perguntasse se gostaria de ver esses bancos quebrarem da noite para o dia por causa da corrupção eu diria que você está louco. O grau de sofrimento no mundo seria intolerável. Aqui, entretanto, esses promotores messiânicos, movidos sobretudo por vaidade e nenhum escrúpulo social, não tomaram qualquer providência para salvar a parte sadia das empresas de engenharia, com centenas de milhares de empregos, envolvidas no escândalo. Ao contrário, embaraçaram como puderam os acordos de leniência. Que fizessem o que os americanos fazem: punam os executivos e salvem as empresas. De fato, eles salvam as empresas e sequer punem os executivos, que se safam com multas.
Seu procurador, Jô, não passa de um vaidoso. Ele se vê em vestes messiânicas para salvar o Brasil da corrupção. Sua entrevista é do tipo que agrada, pois ele se coloca na situação de um puro, um justo, um incorruptível e, sobretudo, como alguém que está sempre e absolutamente certo, combatendo os absolutamente maus com perfeita maestria. Você se revelou surpreendido com a audiência. Você se surpreenderia também, se estivesse lá, com Hitlter e Mussolni, ambos anunciando a grande solução para a Alemanha e Itália. Não passavam, como seu procurador messiânico, de demagogos ingênuos, talvez demagogos de boa fé.
Talvez as partes mais extraordinárias da entrevista, você se deve lembrar, foram aquelas em que o procurador se descreveu como alguém que não tem poder econômico ou poder político, e justamente por isso a forma que encontrou para avançar nas investigações foi uma aliança com a imprensa. Você percebeu o que isso significa? Fora nas ditaduras, onde no mundo o processo judicial se inicia com uma aliança entre a promotoria e a imprensa? É justamente isso que nos leva à investigação-espetáculo, em muitos casos configurando a mais abjeta violação de direitos humanos. É esta aliança a matriz da exibição pública de simples suspeitos, destruindo injustamente reputações, assim como a escolha “científica e democrática” entre as grandes mídias dos documentos e depoimentos que serão vazados, a isso se chamando liberdade de imprensa.
Jô, se pessoas, com seu alto nível cultural, não sabem distinguir o que é avanço e o que é regresso de civilização, estamos em maus lençóis. Vivemos uma situação mundial de crise aguda, com guerras em andamento, fricções entre grandes potências, dramas de refugiados. No nosso caso, vivemos um quadro legislativo podre, uma presidência ilegítima e virtual ditadura judicial que ignora o sistema econômico combalido – 8% de contração em dois anos, 13% de taxa média de desemprego -, e até mesmo o avanço sobre o pré-sal pondo em risco a nossa própria soberania. Sabe-se como começam as revoluções. Nunca como terminam. Para que ninguém se sinta impune ao abusar de autoridade, lembrem-se da experiência turca recente: em face de um golpe judicial instigado pelos americanos, promoveu-se um contragolpe que acabou com mais de 2 mil juízes e promotores na cadeia, sob risco de pena de morte por alta traição.
J. Carlos de Assis - Jornalista, economista, professor, doutor em Engenharia de Produção, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Em entrevista para o jornal La Tercera, Robertson afirma que o juiz Sérgio Moro “tem dado uma percepção de parcialidade” em relação a Lula. “Deveria retirar-se” do julgamento, disse.
por Fernando Fuentes
No dia 28 de julio, o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que apelaria perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU contra o juiz federal Sérgio Moro, que o investiga no escândalo da Petrobras e os subornos da empresa para financiar campanhas políticas, por “persecução judicial”. A demanda foi encarregada ao advogado australiano-britânico Geoffrey Robertson, que resumiu assim os termos da ação: “Os juízes não podem ser acusadores”.
Especialista em direitos humanos, Robertson participou da defesa do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, do boxeador norte-americano Mike Tyson e do escritor indiano Salman Rushdie frente os tribunais de Genebra. Também teve um papel fundamental na formação dos juízes que julgaram a Saddam Hussein. Nesta entrevista concedida para o La Tercera, o famoso advogado analisa o caso de Lula, seu novo cliente.
Como ocorreu seu contato com Lula? Qual era sua opinião a respeito dele antes de chegar a se tornar advogado dele?
Seus advogados se colocaram em contato comigo me pedindo para avaliar o equilíbrio do caso em virtude das normais internacionais, os procedimentos legais e sob quais deles Lula estava sendo submetido. Claro que eu tinha atuado em uma série de casos relativos aos direitos humanos em países da América Latina. Por exemplo, atuei para a Human Rights Watch no caso Pinochet e levei a cabo a investigação de corrupção contra (os narcotraficantes colombianos, Gonzalo) Rodríguez Gacha e Pablo Escobar, ajudados por mercenários israelenses (no caso de armas que envolveu) o governo de Antigua. Meu livro “Crimes contra a humanidade” inspeciona notórias violações dos direitos humanos na América Latina, e tem sido traduzido para o espanhol. Assim, quando fui contatado pelos advogados de Lula, fiquei feliz de poder assessorá-los. Não o conhecia, além da sua reputação: como homem de Estado de considerável distinção, cujas políticas haviam tirado a milhões de brasileiros da pobreza.
Por que o caso de Lula deveria ser discutido pelo Comitê de direitos humanos da ONu?
Todos os países necessitam de um tribunal de direitos humanos objetivo e externo que pode, de vez em quando, examinar seus procedimentos legais para garantir que cumpram o os acordos internacionais básicos de justiça. Na Europa, Grã Bretanha e Espanha e no resto dos outros países têm um tribunal deste tipo – a Corte Europeia de Direitos Humanos – e se beneficiam em grande medida da decisão de juízes internacionais que podem assegurar que seus próprios procedimentos cumpram com as normas internacionais. No Brasil, tem alguns procedimentos não reformados que são, obviamente, injustos. Por exemplo, o juiz de instrução pode grampear a ligação telefônica de suspeitos e logo liberar as interceptações aos meios de comunicação, o que é uma grave invasão de privacidade.
O juiz pode colocar um suspeito sob cárcere e não o liberar até que confesse ou “negocie os encargos”, o que é um meio para confessar pouco confiável. O juiz de instrução, que chega a se envolver profundamente no processo de acusação, se converte então em juiz da causa, sem um jurado ou assessores, isso é obviamente tendencioso. Assim, esses são aspectos do procedimento legal do Brasil que necessitam de uma reforma. Alguns têm sido levados para a Corte Interamericana que, por exemplo, tem condenado a publicação de escutas telefônicas, mas o juiz (Sérgio) Moro parece não fazer caso de suas decisões. Por isso espero que os juízes brasileiros se orientem por uma decisão de um tribunal da ONU.
Quais são os principais ônus que você tem apresentado contra o juiz Sérgio Moro?
Bom, não são encargos em um sentido formal, mas tem uma série de queixas contra este juiz pela forma em que tem atuado, por exemplo, a publicação de escutas telefônicas – incluindo interceptações ilegais – e incentivar os meios de comunicação locais a demonizar Lula antes de que tenha ocorrido qualquer julgamento. Ele inclusive ajudou a lançar um livro que glorifica sua investigação “Lava Jato” e sugere que Lula é culpado e, no entanto, ainda reivindica o direito de atuar como juiz da causa, apesar de estar obviamente predisposto contra ele. Estes são temas de vital importância na perseguição da corrupção política. Você não pode processar de maneira efetiva, a menos que processe de forma limpa. Isso é tudo o que Lula pede, ele aceita que não está por cima da lei, mas ele tem direito que a lei seja aplicada de maneira justa e sem hostilidade política.
Os advogados brasileiros de Lula dizem que Moro está animado a participar das eleições presidenciais de 2018 e que pode impedir a candidatura do ex-presidente se o condenar em um processo judicial. O senhor compartilha dessa opinião?
Os advogados de Lula está sinalizando que o juiz Moro tem incentivando a publicidade que faz ele aparecer como um herói e não negam essa história de que se apresentará como presidente. Isso estaria bem se fosse um promotor, mas ele é um juiz de primeira instância e deve nesse papel se conduzir a fim de não dar a impressão de que está prejulgando Lula. Ele tem dado uma percepção de parcialidade e, portanto, deveria retirar-se de qualquer julgamento. No entanto ele tem se negado.
Lula foi imputado recentemente por “obstrução da justiça” no caso Lava Jato. Essa decisão judicial pude influenciar nas análises da Comissão de Direitos Humanos da ONU?
Lula tem sido listado como réu em um caso antes de outro juiz que não tem nada a ver com os assuntos da petição feita à ONU. Ele está fazendo uma solicitação para ser retirado da lista, sobre a base ou falta de qualquer prova credível de que ele não fez nada para obstruir a justiça. 
Que diria para os que acreditam que Lula busca evadir da justiça brasileira?
Isso não tem sentido. Ele permanece sujeito a um processo legal brasileiro. As queixas que são feitas na ONU não se referem a sua substância de nenhum cargo que se pode interpor contra ele, mas sim do procedimento para o manejo dos procedimentos. Lula tem sublinhado repetidas vezes que está disposto a fazer frente a qualquer alegação e refutar qualquer acusação de corrupção. Ele não tem nenhuma conta bancária no exterior ou escondida, nem propriedades mais do que seu modesto apartamento, e não tem recursos para se sustentar mais do que o dinheiro que ganhou por conferências depois de deixar o cargo. Ele desafia os promotores a provar o contrário, e permanecerá no Brasil para lutar contra seus acusadores, se alguma vez forem levados perante o Tribunal. O caso da ONU é apenas uma tentativa de assegurar que eles forem levados ao tribunal serão julgados de forma limpa, que dizer, não pelo juiz Moro.
Qual é sua opinião sobre o processo de impeachment que enfrenta a presidente Dilma Rousseff? Crê que este caso pode ser analisado pela ONU?
Não estou em condições de formar uma opinião sobre o caso de Dilma. Só posso advertir que o impeachment é um processo torpe e arcaico, e que tem sido praticamente abandonado na Grã Bretanha e em muitos outros países. Se um político é acusado de delito, incluindo quando está no cargo, ele ou ela deve ser levado a um tribunal penal ordinário como qualquer outra pessoa. Se, como no caso de Dilma entendo, os políticos são acusados de enganar o Parlamento, devem se enfrentar um voto de “não confiança” e renunciar se perder. O impeachment é uma forma de julgamento pelo Parlamento, e quase todos os parlamentos são parciais, membros de seu próprio partido serão parciais em seu favor, e aqueles que formam a oposição serão parciais contra ela. Mas a acusação contra ela, que está relacionada com o orçamento dos últimos anos, realmente não tem nada a ver com Lula. 

domingo, 21 de agosto de 2016

Por Roberto Amaral
Na CartaCapital
Apesar de seu significado, de suas consequências e de sua brutalidade política, a tentativa de destruição eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva, em curso, não é a ameaça mais grave que paira sobre o futuro imediato das forças populares, mesmo porque a vida política não se reduz ao processo eleitoral e porque não existem, nesse âmbito, derrotas definitivas, nem absolutas. Basta ouvir a história.
O movimento reacionário que nos governa hoje pensando em um projeto de poder de muitos anos –à margem dos mecanismos da democracia representativa e da soberania popular – volta suas poderosas baterias (políticas, midiáticas, policiais, judiciais) apenas incidentalmente, ou taticamente, para a figura do ex-presidente e eventual candidato à Presidência, pois seu alvo verdadeiro, de vida e morte, é o símbolo Lula, com toda a sua profunda carga emocional.
Simbologia que não se reproduz senão a espaços largos de anos e em condições objetivas e subjetivas que raramente se repetem.
O símbolo Lula é um produto social; como construção coletiva, não pertence a si mesmo. É instrumento do imaginário: é, hoje, a leitura que dele fazem seus contemporâneos. A imagem de Lula caminha para além dos limites de país, simbolizando para o mundo afirmação das possibilidades dos trabalhadores.
O processo social não conhece a autogênese. Lula, tanto quanto o partido que fundou, o Partido dos Trabalhadores (PT), são (independentemente um e outro de seus muitos erros) o fruto da acumulação das lutas sociais, são o resultado das tantas batalhas em defesa da democracia, dos conflitos sociais e de classe, são a condensação de mais de um século de conquistas sindicais reunindo, numa só herança, desde os anarquistas do início do século passado até o varguismo que a socialdemocracia de direita, da UDN de Carlos Lacerda ao tucanato de Fernando Henrique Cardoso, intenta destruir.
Ambos, Lula e o PT, são um só fruto dos avanços políticos mais consequentes do fim da ditadura militar, direitos consagrados pela Constituição de 1988 que ainda ambos, Lula e o PT, equivocadamente, se recusaram a assinar.
O ‘risco Lula’ não se reduz ao seu notório potencial eleitoral a ameaçar os sonhos continuístas do assalto neoliberal, até porque outras alternativas haverão de ser construídas; o perigo, a ameaça, residem principalmente – e nisso está sua maior gravidade – no que o líder popular representa e simboliza para as grandes massas como exemplo de afirmação histórica da classe trabalhadora.
A destruição política de Lula, ainda que necessária para o projeto de regressão ao passado, é perseguida pelos algozes de hoje (muitos deles aliados de ontem) como instrumento de destruição da expectativa, prelibada, de os trabalhadores conquistarem o poder e o exercerem diretamente, isto é, sem a clássica e corriqueira delegação a um representante da classe dominante.
No caso concreto, duas imagens precisam ser derruídas: a do operário transformado em político vitorioso e a do Lula presidente, isto é, de um governante de raro sucesso. Esta é a tarefa urgente, mas não é tudo – pois o projeto da classe dominante é quebrar as veleidades auto-afirmativas da classe trabalhadora. Trocando em miúdos, os trabalhadores precisam conhecer o seu lugar. Este é o recado que nos mandam.
Certa feita, ainda presidente da República, Lula se auto-qualificou pela negativa, isto é, como ‘não de esquerda’. Ignorava ele que personagem histórico não ocupa, necessariamente, o papel que se escolhe, mas aquele que, consoante suas circunstâncias e as contingências históricas, lhe é dado desempenhar num determinado momento.
Assim, independentemente de sua vontade e da vontade de seus adversários de classe, Lula, hoje, não apenas atua no campo da esquerda como é, a um tempo, o mais importante líder desse segmento político e o mais importante líder popular em atuação. E é isto o que conta para a crônica de sua condenação. 
Muitas vezes, na política, e estamos em face de um caso concreto, o personagem histórico se aparta de sua trajetória pessoal, linear, e passa a viver uma nova vida no imaginário popular: ele é ou passa a ser o que simboliza perante as massas. Tiradentes é o ‘protomártir da Independência’, a princesa Isabel ficou nos manuais da história do Brasil como ‘a redentora’, Deodoro como ‘o proclamador da República’.
Getúlio Vargas superou o papel de chefe da revolução de 30 ou de ditador para ser recepcionado pela história como o pai da legislação trabalhista, o pai dos pobres e herói nacionalista. Assim foi chorado pelas massas órfãs, ensandecidas, desarvoradas com o choque de seu suicídio. Os símbolos são a argamassa da política.
Voltando: o que Lula representa hoje, além de uma razoável expectativa de poder? No plano simbólico ele nos diz, ditando lição subversiva, que o homem do povo pode chegar à presidência da República sem precisar atravessar a margem do rio onde só se banham os donos do poder; subvertendo a ‘ordem natural das coisas’, ele nos diz que o povo pode pretender escrever sua própria história.
Isto é intolerável em sociedade que, desde sua origem – da oligarquia rural aos rentistas do capitalismo moderno –, se organizou segundo a disjuntiva casa-grande e senzala, células incomunicantes, cujos personagens têm, 'por natural', papéis definidos e próprios que não se podem confundir: de um lado os mandantes, de outro, os mandados, de um lado os senhores de direitos, de outro os portadores de deveres e obrigações. De um lado o capital, de outro o trabalho, seu servidor. A díade imutável de nossa monótona história.
Pela primeira vez na República um trabalhador, operário de macacão e mãos sujas de graxa, se fez líder trabalhista e presidente. Não se trata mais de um quadro da classe dominante operando a mediação entre capital e trabalho, como Getúlio, como Jango conduzindo as massas e dialogando em seu nome com a classe dominante, como um dos seus. Com Lula as massas se expressam, pela vez primeira, sem a intermediação do populismo. E isso não é pouco.
Pela primeira vez os trabalhadores, majoritariamente, se identificam com um partido criado e liderado por um dos seus. Não são mais pingentes de partidos da estrutura clássica que generosamente abrem espaços para a manifestação dos quadros da classe média, que neles podem atuar defendendo os interesses dos dominados: nem é mais o PTB, nem são mais os Arraes ou os Brizolas que falam pelos trabalhadores.
Nem são mais os comunistas do capitão Prestes, ou os intelectuais de esquerda que traíram sua origem de classe para se aliar aos trabalhadores, às grandes massas dos excluídos, aos deserdados da terra, para lembrar Frantz Fanon.
E isso não é pouco.
Nesse mundo dividido entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, entre centro e periferia, entre mandantes e mandados, não cabe aos de baixo levantar a cabeça, pensar em riqueza e desenvolvimento, senão tão-só assistir aos banquetes dos poderosos e sonhar que sempre lhes sobrarão migalhas.
Nesse mundo conflagrado, no mundo da recessão, no reino do neoliberalismo, neste país conformado com a injustiça social e praticante das desigualdades, de renda e de toda ordem, a ascensão das massas, a revelação de sua capacidade organizativa e a construção de uma liderança própria constituem, aos olhos da casa-grande, péssimo e perigoso exemplo. Precedente que os donos do poder não querem ver repetido, e para evitá-lo tudo farão. Sem medir meios.
Assim se explica o empenho em que se aplica a oligarquia governante visando a destruir essa liderança que fugiu ao seu controle, no intento de impedir que outras, tão ousadas, lhes sigam as pegadas e o mau exemplo. É preciso, pois, desconstituir a boa memória de seu governo e destruir sua honra.
É preciso destruir o líder e ao mesmo tempo, desestimulando-a, vacinando-a contra ‘aventuras’ futuras, quebrar o ânimo da classe trabalhadora. Nesta tarefa todos estão empenhados, para dizer a essas massas, que Lula não passa de um mito, que seu partido não passa de uma fraude a ser exorcizada, que essa experiência foi na verdade um rotundo fracasso, uma mentira, uma lenda.
A classe trabalhadora, mais uma vez vencida, diz-nos a oligarquia dos proprietários, terminará por aprender uma velha lição: não está em suas posses conduzir as próprias rédeas. Volte, pois, para o chão de fábrica.
Enfim, a reação autoritária pretende ensinar à classe trabalhadora que seu papel é subalterno ao do capital e que ela tem de se conformar em ser caudatária da classe dominante.
Resta-nos aceitar passivamente a depredação, ou resistir com toda a veemência – e não apenas, claro está, em nome da integridade física e moral do indivíduo Lula; menos ainda para livrá-lo (e seu partido) do julgamento da história a que todas as lideranças políticas devem, ao fim e ao cabo, estar submetidas. Mas para preservar um patrimônio que nos ajudará a atravessar a noite da restauração conservadora, brutal, impiedosa, despida de todo escrúpulo, e já iniciada.
O símbolo é um patrimônio coletivo.