quinta-feira, 28 de julho de 2016

As eleições de 2018 e o "risco Lula"
por Marcos Villas-Bôas
na CartaCapital
Como nos últimos 13 anos, o futuro do Brasil e da esquerda está nas mãos de Lula, agora mais do que nunca. O país vive um grave momento de inflexão e, até o final de agosto, decidirá o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, o segundo em menos de 30 anos.
Os próximos 35 dias serão decisivos para o Brasil, que continuará em crise até 2019 se um novo Presidente, mais preparado e que não tenha relação com as investigações em curso, não assumir antes disso.
Michel Temer, como todos sabem, está envolvido até o pescoço, o que foi dito por alguns dos seus colegas mais próximos nasgravações expostas na imprensa. “Michel é Cunha” e Cunha vai, provavelmente, entregá-lo quando for preso, talvez até com gravações de conversas dele sobre crimes.
Ainda que não o faça, uma delação premiada de Cunha e outras que estão por vir derrubarão muitos dos principais políticos de PMDB, PT, PSDB, DEM, PP e outros.
Para que o governo não sofra com quedas frequentes de pessoas em posições chave até 2019 e com um constante receio de queda do próprio Presidente, é preciso que alguém de fora dessa bagunça assuma o poder.
Como João Santana, marqueteiro do PT, expôs a Sérgio Moro recentemente, quase todas as campanhas receberam dinheiro de caixa 2, inclusive a de Dilma em 2010. Se houver rigor, segundo ele, será feita uma fila de presos de Curitiba até Manaus, maior do que a Muralha da China.
Na medida em que se aprofundarem as investigações, se elas não forem seletivas, vão ser implicados de alguma forma, como já vêm sendo, Dilma e Temer, Aécio, Marina, quase todos que foram candidatos recentemente.
As pesquisas de opinião pública dão conta repetidamente de que a sociedade não quer mais Michel, nem Dilma. Parece estar claro que o caminho para o país é entoar uma voz uníssona por novas eleições diretas, que restituam a democracia.
Não se trata mais de subverter o Estado Democrático de Direito, como alguns dizem, pois o que se propõe é exatamente uma renovação dele, que, na verdade, esteve deformado desde sempre.
Se quase todos os principais políticos que concorriam a cargos em Executivos, e mesmo no Legislativo, recebiam dinheiro de caixa 2, ainda que a origem não fosse corrupção estatal, praticamente todos eles estão implicados em alguma medida e terminarão sofrendo as consequências criminais, administrativas e/ou eleitorais.
Com a proibição do financiamento empresarial de campanhas, há esperanças de que diminua a influência do poder do dinheiro sobre o poder político. Aliada a um maior medo de punição e a mais fiscalização, pode ser que um início de Estado Democrático de Direito, um verdadeiro, esteja prestes a ser construído no Brasil.
Cabe, portanto, a Lula se retirar do pleito eleitoral. O coro em prol de novas eleiçõesnão é praticamente unânime ainda, porque ele é o primeiro colocado nas pesquisas e boa parte da sociedade tem o receio de que tudo continue igual caso ele seja eleito.
Em todas as pesquisas deste ano, Lula tem a maior rejeição entre os possíveis candidatos, em torno de 60%, apesar de estar à frente no primeiro turno por causa da pulverização dos votos dos demais. No segundo turno, contudo, ele perde em todos os cenários.
O grande povo de mulheres e homens comuns do Brasil quer mudança drástica. Exceto por uma elite conservadora, as pessoas querem mais lisura, transparência, eficiência e equidade na economia. Lula teve a sua chance, ou melhor, teve duas, e sua pupila teve mais uma e pouca. PSDB, DEM e PMDB também tiveram suas chances, direta ou indiretamente, no poder.
Lula continua caçado a todo o custo. Voam as investigações contra ele e aliados, cujo objetivo maior é prendê-lo ou, ao menos, torná-lo inelegível, enquanto que todas as demais se arrastam. Se a possibilidade de Lula ser Presidente novamente deixar de ser um risco, o Brasil ganhará com o avanço das demais investigações.
Desistir das eleições é um bem que Lula faz a si mesmo, à sua liberdade, e à República de Curitiba, que poderá ficar mais tranquila depois desse fim atingido e, assim, investigar e condenar também os demais com o mesmo ímpeto da caça a Lula.
Boa parte do Brasil, mesmo aqueles que eram eleitores do PT, não tem mais coragem de apostar em um Presidente do partido, ao menos não em curto prazo. Lula e PT precisam ser mais pragmáticos, o que eles foram muitas vezes no mau sentido. É preciso abrir um pouco mão do poder para que possam voltar a tê-lo.
Deste modo, não parece haver outro caminho melhor, senão Lula anunciar sua retirada de eleições até 2018 com apoio incondicional à candidatura de Ciro Gomes com um vice do PT, a ser anunciado, que esteja longe da lama do partido. Caso Fernando Haddad não vença em São Paulo, ele tende a ser o melhor nome.
Com a saída de Lula do pleito eleitoral, ele será menos visado e poderá trabalhar com mais tranquilidade na reconstrução do partido, nas eleições municipais e em eventuais eleições presidenciais.
Ao mesmo tempo, com a retirada do seu nome das pesquisas de opinião, é provável que ainda mais pessoas passem a defender novas eleições. Segundo a pesquisa que o Datafolha realizou e a Folha divulgou de uma forma meio estranha, ao menos 62% da população já defende essa posição.
Sem o “risco Lula”, seria mais fácil conseguir a derrubada do impeachment com a volta de Dilma Rousseff e um plebiscito para que a sociedade diga se quer novas eleições.
Com amplo apoio da sociedade, tudo fica mais fácil. Essas novas eleições poderiam vir também pela cassação da chapa Dilma/Temer no TSE ou, ainda, por uma renúncia dupla em caso de derrota do impeachment no Senado em agosto.
Corre-se um risco imenso de Temer continuar na Presidência até o final de 2018, o que seria desastroso. Antes da votação na Câmara, este Autor defendia que seria “didático” para o país ver Temer e amigos governando, mas já vimos o suficiente. Se eles foram capazes de tanta besteira em poucas semanas enquanto interinos, imaginem em mais de 2 anos como definitivos.
Em outro péssimo cenário, Aécio Neves e comparsas torcem por uma manutenção de Temer com queda logo em seguida, no início de 2017, para que Rodrigo Maia assuma a Presidência do país e convoque eleições indiretas, pois terão se passado 2 anos desde o início do mandato.
Lula precisa dar um passo atrás para que possa voltar a caminhar pra frente. Ciro é um nome do agrado dele e de boa parte dos progressistas do país. É alguém para liderar a construção de uma nova centro-esquerda progressista, uma linha política mais equilibrada e técnica no Brasil, que busque se afastar das práticas do presente e do passado.
Ciro poderia montar um time progressista dos sonhos com Cid Gomes, Roberto Mangabeira Unger (em uma posição, enfim, de mais importância e de decisão), Fernando Haddad, Flávio Dino, Roberto Requião e outros políticos preparados da centro-esquerda que não tenham relação com as investigações criminais, administrativas e eleitorais em curso.
O Brasil não precisa de mais remendos neoliberais, nem de remendos assistencialistas. O país não quer mais populistas de direita, nem de esquerda. Para uma mudança estrutural, porém gradual e experimentalista, ninguém melhor do que Ciro, que, como é notório, tem a coragem necessária e um conhecimento que vai muito além do “politiquês” brasileiro.
Ainda que Ciro não vença as eleições, apesar da pouquíssima preparação de Marina, haveria alguns aspectos positivos em tê-la assumindo até o final de 2018, dando uma feição à política diferente das coligações PSDB-DEM-PMDB x PT-PMDB, mas isso se não sofrer nenhum respingo das investigações que, conforme delação premiada de Léo Pinheiro, ex-Presidente da OAS, indicam uso de dinheiro sujo em sua última campanha.
Continua tudo nas mãos de Lula, que pode proteger os nomes dele e de Dilma na história. É preciso que tome a decisão acertada e se mantenha em condições de definir o futuro do país mais à frente. Essa pode ser a sua última chance.
*Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology
Jornal GGN - Nos últimos dias, movimentos sociais, especialistas e acadêmicos alertaram para uma das medidas de pode trazer maior impacto do governo interino de Michel Temer em investimentos sociais: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, encaminhado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ao Congresso Nacional antes do recesso parlamentar.
 
É uma tentativa de modificar os critérios para destinação de verbas à saúde e à educação, alterando os mínimos constitucionais. Por meio da PEC 241, o governo pretende congelar os gastos públicos por 20 anos, diminuindo o engessamento na relação entre receitas e despesas.
 
Hoje, pela Constituição, a União tem que destinar, pelo menos, 18% de tudo que arrecada com impostos, exceto as contribuições, à Educação e os governos estaduais devem repassar 25% da arrecadação. Na Saúde, o governo federal tem de aplicar, no mínimo, 13,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) em 2016. O número subiria até chegar a 15% em 2020. Estados e municípios repassam 12% e 15% da receita, respectivamente.
 
Se aprovada, a nova norma substituiria completamente a que existe hoje e o piso de recursos para essas áreas deixaria de ser vinculado à Receita Corrente Líquida (RCL), sendo corrigido apenas pela inflação. A base do cálculo seria de 2016, ano de baixa arrecadação em função da crise. Com isso, o governo reduzirá gradualmente os montantes destinados à Saúde e Educação.
 
Apesar de negar que a mudança afetará as pastas, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Carlos Hamilton, admitiu que o objetivo do governo é a desvinculação do mínimo à Receita, sendo ajustado apenas pela inflação. 
 
O texto que está desde a última semana no Congresso já gerou mobilizações. Parlamentares da Câmara e do Senado retomaram as atividades da frente parlamentar mista em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). O setor, conforme cálculo de especialistas, pode sofrer uma redução de R$ 12 bilhões nos próximos dois anos.
 
O líder da minoria no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ), chegou a colocar as previsões na caneta: em uma estimativa sobre o que seria observado no país se a PEC do teto dos gastos tivesse sido aprovada em 2006, "o orçamento da Saúde, que foi de R$ 102 bilhões, seria de R$ 65 bilhões, o orçamento da Educação, que foi de R$ 103 bilhões, seria de R$ 31 bilhões e o salário mínimo, que hoje é de R$ 880, seria R$ 550", contou.
 
No início do mês, especialistas da saúde, representantes de movimentos sociais e professores universitários debateram o conteúdo da PEC, em audiência da Comissão de Direitos Humanos do Senado. Protestando contra as ameaças que a medida pode gerar e cortes no SUS, criticaram a proposta como um retrocesso e alertaram para a tendência de a levar ao aumento da pobreza no Brasil.
 
Se para a minoria e movimentos sociais e de defesa, a PEC é interpretada como o segundo golpe de Estado pelo governo interino, por outro lado, a grande base de apoio contingenciada por Michel Temer mantem-se unida e insistente para aprovar o projeto no segundo semestre deste ano.
 

segunda-feira, 25 de julho de 2016

O que estará em jogo no julgamento do Senado 
por Roberto Amaral
Reuniu-se no Rio de Janeiro, em 19 e 20 de julho, o "Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil", iniciativa que deita raízes no Tribunal Russell-Sartre sobre os crimes de guerra dos EUA no Vietnã, seguidamente reunido para julgar os crimes das ditaduras na América do Sul ('Tribunal Russel II', Roma 1974, Bruxelas 1975, Roma 1976), e que culminou, por suposto, com a condenação do regime militar brasileiro.
Sobre o Tribunal do Rio em si, ouviu-se o silêncio sepulcral de nossa grande imprensa, "dopada com tranquilizantes", como observa Jânio de Freitas. Nem uma só palavra sobre a presença, entre nós, de juristas europeus, norte-americanos e latinos. E, por óbvio, nem uma linha, nem um segundo de rádio ou de televisão.
Nenhuma palavra sobre a sentença, simplesmente porque os juristas-jurados afirmam, unanimemente, a "inexistência de crime de responsabilidade ou de qualquer conduta dolosa que implique um atentado à Constituição da República e aos fundamentos do Estado brasileiro", donde considerarem que o impeachment, com o qual o Senado ameaça a presidente Dilma Rousseff, se caracterizaria, acaso efetivado, como verdadeiro golpe ao Estado Democrático de Direito.
Assim, desvinculados dos conflitos brasileiros, atentos apenas ao bom Direito e aos fundamentos da democracia, nos falam juristas como Walter Antillón Montenegro (Costa Rica), Jaime Fernando Cárdenas Garcia (México), Maria José Farinas Dulce (Espanha), Alberto Filipi (Argentina), Carlos Augusto Gávez Argote (Colômbia), Azadeh N. Shahshahani (EUA), Giani Tognini (Itália) e Raul Veras (México).
Mas a questão jurídica, não obstante sua relevância, é apenas um dos muitos aspectos da violência que, abatendo-se sobre Dilma, ameaça, na verdade, o processo histórico-social brasileiro, ameaça o desenvolvimento, a independência e o futuro de nossa gente e de nosso País. Acena com uma regressão político-ideológica de décadas, em certos termos mais profunda do que aquela que nos atingiu em 1964, e da qual pensávamos, vã ilusão, que nos havíamos vacinado com a redemocratização e as vitórias populares que se seguiram a 2002.
A história está aí para ensinar a possibilidade sempre presente de retorno a quadros políticos aparentemente superados, e que o pior é sempre uma possibilidade. A tragédia alemã do nazismo foi gerada ainda no útero da constituição democrática de Weimar, mãe de nossa Carta de 1934, que, por seu turno, expeliu àquela autoritária do Estado Novo.
Nas entranhas da frente democrática que dinamitou o Estado Novo (1945), estava o reacionarismo golpista e militarista da UDN, que finalmente chegaria ao poder com a regressão autoritária de 1964. Não nos esqueçamos da eleição de Collor, pondo uma pá-de-cal na frustrada promessa da 'Nova República' ao implantar a primeira experiência neoliberal, afinal levado a cabo pelos oito anos do tucanato, derrotado em quatro eleições, e agora redivivo no regime do presidente interino.
O professor Cristovam Buarque, senador da República por Brasília, reivindicando a isenção que ninguém lhe nega, apresenta-se, diante do processo do impeachment no Senado, como um jurado num tribunal do júri, prestes a julgar Dilma Rousseff: "Sou um julgador, não um indeciso. Mesmo que eu tivesse um sentimento formado, eu não diria qual é. Como é que posso julgá-la se ela não veio aqui" (Valor, 15/7/2016).
Posta de lado a óbvia irrelevância da eventual presença física da presidente na Casa Legislativa, o fato objetivo é que em nenhuma oportunidade o Senado, e nele o senador Cristovam Buarque, estará julgando a presidente Dilma, com seus erros e seus acertos. O que está em jogo (pode até ignorá-lo o senador, mas não ignorará o professor que sobrevive nele), é o futuro deste País. Uma nação que Cristovam (e seus colegas) assumirá a responsabilidade histórica de legar aos seus netos.
Justifica-se que poucos tenham acreditado nos reais compromissos de Michel Temer quando o vice em campanha pelo cargo anunciou sua "Ponte para o futuro", na verdade sua carta de compromisso com o atraso. Justifica-se, pois a fidúcia jamais foi elemento destacado do caráter de Temer e seus áulicos de hoje. Mas como ignorar seus dois meses de governo interino e as promessas com as quais acena na trágica eventualidade da consumação do crime político?
Como ignorar a PEC 241/2016, a limitar o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação, efetiva promessa de barbárie social? Para não falar da catástrofe que ela anuncia para a educação brasileira – isto é, para o futuro do país, e isso o senador Cristovam sabe muito mais do que eu e a maioria de meus poucos leitores e seus muitos eleitores.
Consideremos apenas o que a proposta anuncia para a Saúde. Arrimo-me nas denúncias do ex-ministro José Gomes Temporão: "Se essa regra vigesse há 20 anos, não teríamos o programa nacional de imunizações que é o maior do mundo, não teríamos o programa de Aids que é um dos mais respeitados do mundo, não seríamos o segundo maior país em transplantes de órgãos, não teríamos os 100 milhões de brasileiros cobertos pelo Programa de Saúde da Família e o impacto, dando só um exemplo, da redução dramática da mortalidade infantil (...) Eu diria que viveríamos uma situação de barbárie social, simplesmente" (seminário "Austeridade contra a Cidadania", São Paulo, 18/7/2016).
Mais que julgar Dilma Rousseff, quem votar pelo impeachment estará, conscientemente, votando num projeto de governo no qual o SUS e as compensações sociais não cabem no Orçamento da União. Está em jogo uma opção clara, ideológica e material, pelos credores e pelos rentistas, em detrimento do povo.
Votando a favor do impeachment, fundado na conspiração e na fraude, supondo estar julgando a honrada presidente Dilma, na verdade o humanista e agora senador Cristovam estaria (e creio que jamais estará) optando pela revisão dos direitos dos trabalhadores, pelo desmonte do Estado e pela alienação de nossa soberania. Não há mágoa que o justifique. Fique isso bem claro, para que fique bem claro o compromisso que cada um dos senadores e senadoras estará assumindo com o País e seu povo: o voto pelo impeachment é a opção pelo regresso social.
É ainda a opção por novo período ditatorial, uma 'ditadura de novo tipo', na sequência de um 'golpe de novo tipo', sem tanques nas ruas, sem vetustos generais de óculos escuros, mas comandada por arrivistas civis, apoiada por estamentos burocráticos estatais poderosíssimos em simbiose como a Polícia Federal, o Ministério Púbico Federal, setores do Poder Judiciário e um STF partidarizado, cujo melhor exemplo é a liderança política e técnica de Gilmar Mendes, o adversário do decoro, aquele ministro que, como observa o colunista Bernardo Mello Franco, da Folha de S.Paulo, "não disfarça" seu facciosismo.
O novo governo já disse a que veio e já anunciou com o que nos ameaça mais na frente, como governo das elites contra os pobres. De seu repertório de perversidades constam todos os apelos da direita, do reacionarismo, do preconceito social, a fermentação do autoritarismo que toma conta das estruturas da desigual sociedade brasileira.
De par com a desnacionalização da economia nacional, em marcha, de par com a precarização do Estado reduzindo ou anulando seu poder de intervenção em favor dos mais pobres e mais oprimidos, anulando seu poder de indutor do desenvolvimento social e de combate às desigualdades sociais e econômicas, culturais, políticas e regionais.
O governo da direita já anunciou a retomada de teses como a redução da maioridade penal e elevação de três para 10 anos do limite de internação de menores infratores e – atenção, senador Cristovam! –, o corte das verbas para a Cultura e para Educação, após o assassinato do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e o abastardamento da universidade pública, do ensino e da pesquisa, bem como a redução do acesso dos pobres à universidade e ao ensino gratuitos.
O governo, pelos seus associados, já anuncia como meta o aumento da carga horária dos trabalhadores. O empresário-rentista dos bancos públicos Benjamin Steinbruch sugere que o intervalo para o almoço dos trabalhadores seja reduzido a 15 minutos.
O ministro do Trabalho, cargo antes ocupado por políticos comprometidos com os direitos dos trabalhadores, volta à lengalenga udenista contra a CLT e, em nome de sua "modernização", retoma o discurso da terceirização e da supremacia da negociação sobre a proteção legal. Que negociação pode ser favorável aos trabalhadores, especialmente àquelas categorias mais fragilizadas, em meio a à recessão e ao desemprego?
Um governo que acena contra as garantias da Previdência, a favor dos ricos e contra os pobres, a favor do capital e contra o trabalho, contra o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, promotor da desigualdade social, antinacional e antipopular, não sobrevive no leito das franquias democráticas. O governo com o qual acena o vice-perjuro será necessariamente uma ditadura de novo tipo
Um regime antidemocrático, conformado com uma Constituição reformada, emendada ao sabor de uma maioria retrógada. Uma ditadura amparada na unanimidade da grande imprensa, a serviço do poder econômico e por isso louvada por todas as avenidas Paulistas da vida, além de protegida pela parcialidade do Poder Judiciário, preguiçoso na defesa dos pobres e pressuroso na proteção dos direitos dos poderosos.
Diante desse quadro, como pode um senador ou senadora, liberal ou de centro-esquerda, ter dúvidas sobre que decisão tomar?
Roberto Amaral

sexta-feira, 22 de julho de 2016


Carta Capital
Congressistas dos EUA denunciam a ilegalidade do impeachment
Em carta a John Kerry, 33 parlamentares pedem ao secretário de Estado que se abstenha de declarações favoráveis a Temer

Nos Estados Unidos, a denúncia sobre a farsa do impeachment de Dilma Rousseff, encampada por grandes jornais como o The New York Times, ganha força agora entre parlamentares norte-americanos.

Em uma carta enviada na sexta-feira 22 a John Kerry, secretário de Estado, 33 congressistas do Partido Democrata e diversas entidades sociais e sindicatos, entre eles a influente Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais, pediram ao integrante do governo de Barack Obama e provável representante norte-americano nas Olimpíadas do Rio de Janeiro para lidar de forma cautelosa com as “autoridades interinas” brasileiras e de se abster de declarações ou ações passíveis de serem vistas como um apoio dos Estados Unidos à campanha contra a presidenta eleita.

“Nosso governo deve expressar sua forte preocupação com as circunstâncias que envolvem o processo de impeachment e exigir a proteção da Constituição democrática no Brasil”, afirmam os signatários do documento ao qual CartaCapital teve acesso.

A carta seria endereçada a Kerry na segunda-feira 25, mas teve o envio antecipado após seu vazamento para a embaixada do Brasil em Washington. Ao receber a missiva, o Luiz Alberto Figueiredo Machado, embaixador do Brasil nos EUA, encaminhou uma réplica aos signatários na quarta-feira 20, na qual defende a legalidade do processo de impeachment.

O esforço de Machado em convencer os congressistas a rever sua posição mostra como a carta é incômoda para o governo interino. A estratégia não deu certo. Em tréplica, o deputado democrata Alan Grayson afirmou esperar que a correspondência dos parlamentares “ajude a Administração a rever sua posição política em relação ao que aconteceu no Brasil”.

“Este não é um julgamento legal, mas político, onde dois terços de um Senado tomado pela corrupção podem dar fim ao mandato de Dilma”, afirmam os parlamentares e entidades na correspondência a Kerry. “O processo de impeachment está sob críticas de irregularidades de procedimentos, corrupção e motivações políticas desde seu início. O governo dos EUA deveria expressar sua preocupação sobre a ameaça às instituições democráticas que se desdobra em um dos nossos mais importantes aliados econômicos e políticos da região.”

A carta tece duras críticas ao presidente interino: “Michel Temer chegou ao poder e imediatamente substituiu uma administração progressista, diversa e representativa por outra que inclui apenas homens brancos a anunciar planos de impor a austeridade, a privatização e uma agenda de extrema-direita”. O documento lista ainda o pacote de maldades prometido pelo governo interino e a “divisão profunda” da sociedade brasileira.

A carta relata também a queda do ex-ministro Romero Jucá por causa da divulgação de sua conversa com Sérgio Machado, operador do PMDB na Lava Jato e um dos delatores da operação, e registra a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que considerou Temer ficha-suja e o tornou inelegível, “incluindo para o cargo que atualmente ocupa”, por oito anos.

Os congressistas e entidades alertam Kerry do fato de Dilma Rousseff jamais ter sido acusada de corrupção e que as pedaladas fiscais, motivo alegado para seu afastamento, são “práticas utilizadas largamente em todos os níveis de governo no Brasil, incluindo seus dois antecessores”.

Em conclusão, os congressistas e entidades se dizem preocupados com os sinais emitidos pelo governo americano que “podem ser interpretados como um apoio” ao afastamento de Dilma. “Pelo fato de muitos brasileiros terem rotulado o processo de impeachment como um ‘golpe’ contra a presidenta brasileira eleita, é especialmente importante que as ações dos EUA não sejam interpretadas como favoráveis ao impeachment.”

Eles lembram ainda que, em 19 de abril, dois dias após a Câmara dos Deputados ter votado o afastamento de Dilma, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) reuniu-se com Thomas Shannon, subsecretário de Estado para Assuntos Políticos. “Essa medida foi interpretada como um gesto de apoio ao afastamento de Dilma do cargo.”

Ao saber do conteúdo da carta, o embaixador Figueiredo enviou a réplica a cada um dos congressistas afirmando estar “surpreso”. “Permita-me esclarecer que o processo de impeachment de Dilma Rousseff está sendo realizado de acordo com as exigências da lei brasileira”, afirma o diplomata. “A Constituição brasileira está sendo respeitada de forma rigorosa pelas três esferas de governo, um fato que pode ser corroborado a partir de uma análise cuidadosa e imparcial.”

"Eu sublinho que a firme batalha contra a corrupção tem o apoio da grande maioria da população brasileira e tem gerado demonstrações de admiração e apreciação da comunidade internacional", emenda o embaixador, para então defender o interino. "Temer expressou publica e repetidamente seu comprometimento na luta contra a corrupção e em manter o ritmo das investigações em curso no Brasil livres de qualquer tipo de viés político ou partidário".

Em uma linha semelhante à desqualificação do New York Times por seus editoriais críticos ao impeachment, o embaixador afirma que considerar o processo manchado por “irregularidades, corrupção e motivações políticas” revela “desconhecimento do sistema jurídico brasileiro”. A carta segue o discurso falacioso. “O respeito às regras orçamentárias esteve presente no Brasil em cada Constituição brasileira como um dever que um dirigente público não pode negligenciar.” O festival de enganação não arrefece até o último alento.

“O embaixador não reconhece problema algum com o processo, apesar de diversas organizações internacionais, veículos de mídia, intelectuais, acadêmicos, organizações da sociedade civil, artistas, mulheres e grupos de direitos humanos terem manifestado uma séria preocupação com a falta de transparência do processo”, diz Maria Luísa Mendonça, coordenadora da rede Social Justiça e Direitos Humanos.

Resta saber se Kerry, também democrata, se sensibilizará com a denúncia de seus correligionários quando vier ao Brasil para os Jogos Olímpicos.

 
Se governo liberar venda de terras a estrangeiros, MST reagirá

João Pedro Stédile em Belo Horizonte
Por Léo Rodrigues
Da Agência Brasil
O líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, disse nesta quinta (21), em Belo Horizonte, que o MST reagirá com ocupações se venda de terras brasileiras a estrangeiros for liberada. Na capital mineira, Stédile participa do 1º FestivalNacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária. Organizado pelo MST, a programação do evento vai até domingo (24) com shows, filmes, feira gastronômica debates, entre outras atividades.
O anúncio de Stédile ocorreu após alguns órgãos de imprensa veicularem que o governo federal planeja permitir, sob alguns critérios, a aquisição de terra por estrangeiros. Para isso, seria necessário rever um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), que, em 2010, ao analisar a Lei 5.709/1971, considerou ser proibida a venda de terras a estrangeiros.
De acordo com o texto, a proibição visava "assegurar a soberania nacional em área estratégica da economia e do desenvolvimento". A AGU não confirmou nem desmentiu a possibilidade de rever o parecer.
Para Stédile, a sociedade brasileira "é contra, os movimentos sociais são contra e as Forças Armadas são contra. Vamos dar um aviso às empresas: se esse governo tomar essa medida irresponsável, não se atrevam a comprar terras no Brasil, porque nós vamos ocupar todas as áreas que forem cedidas ao capital estrangeiro", disse.
O líder do MST afirmou que as medidas tomadas pelo governo do presidente interino Michel Temer ferem a viabilidade da agricultura familiar. Segundo ele, o fechamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário é um prejuízo incalculável, uma vez que o órgão era o responsável por uma série de políticas públicas destinada à produção de alimentos.
Ele também acusou o governo de planejar o aumento da idade de aposentadoria para 65 anos. No mês passado, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, anunciou o encaminhamento ao Congresso, até o fim de julho, uma proposta de reforma da Previdência Social, mas evitou fazer comentários sobre o teor.
"No campo, a regra atual é 55 anos para mulheres e 60 para homens. Isso significa que eles vão nos roubar dez anos, e o trabalho no campo é o mais penoso que há. Muitas vezes se chega a 65 anos sem condições para o trabalho agrícola", acrescentou Stédile.
Stédile criticou ainda a Lei 13.301/2016, sancionada por Michel Temer em junho e que autoriza o uso de aeronaves para pulverizar substâncias químicas contra o mosquito Aedes aegypti. Ele lembrou que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), órgão que lidera o combate à dengue e outras doenças transmitidas pelo vetor, é contra a medida. "Os únicos beneficiados serão as empresas que têm aviões agrícolas", alertou.
Mobilizações
Na semana que vem, o MST planeja realizar mobilizações em todo o país, como ocorre tradicionalmente próximo ao dia 25 de julho, data em que se comemora o Dia do Trabalhador Rural. Além da pauta da reforma agrária, eles levarão a palavra de ordem "fora Temer", por considerar ser um golpe o processo de impeachment que afastou Dilma Rousseff da Presidência da República.
Stédile disse que a Frente Brasil Popular, que integra o MST e outros movimentos sociais, avalia a realização de uma greve geral antes da votação que encerrá o processo no Senado.
Manifestações também devem ser realizadas na abertura da Olimpíada, no dia 5 de agosto, com o objetivo de atrair a atenção da mídia internacional. O líder do MST informou que os movimentos reforçaram o pedido à Dilma Rousseff para que ela não compareça à cerimônia. "É uma afronta o que o Comitê Olímpico Internacional fez ao convidá-la para tomar um assento no setor de ex-presidentes", criticou.
Para Stédile, não há razões para o impeachment. "O impeachment não tem nada a ver com os erros da Dilma, muito menos com as chamadas pedaladas fiscais. Tem a ver com um plano das elites para impor uma política neoliberal e reduzir os direitos dos trabalhadores. Até o Ministério Público Federal já disse que não houve crime. É como se alguém fosse condenado pelo assassinato de uma pessoa que está viva."

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Para Tribunal Internacional, impeachment de Dilma é nulo

O processo de impeachment movido contra a presidenta eleita, Dilma Rousseff, viola a Constituição do Brasil, a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. E, por isso, deve ser declarado nulo em todos os seus efeitos e ser combatido pelas cidadãs e cidadãos do país.

Créditos: Mídia Ninja
Créditos: Mídia Ninja

Essa é a síntese da sentença anunciada nesta quarta-feira (20) pelo Tribunal Internacional pela Democracia, uma iniciativa da Via Campesina Internacional, da Frente Brasil Popular e da Frente Brasil Juristas pela Democracia. O veredito de valor simbólico será endereçado ao Senado e aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Por dois dias, o tribunal — formado por sete personalidades vindas do México, da França, da Itália, da Espanha, da Costa Rica e dos EUA — se debruçou sobre os aspectos jurídicos, econômicos, políticos, culturais, sociais e históricos do processo de impeachment contra Dilma.

Com o auxílio de testemunhas, da defesa e da acusação formada por referências para o direito brasileiro, eles analisaram quatro perguntas essenciais sobre o processo de impeachment: 1. Viola a Constituição?; 2. Sem a ocorrência de crime de responsabilidade, caracteriza um golpe parlamentar?; 3. Foram violados os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário?; e, 4. Impeachment deve ser declarado nulo?.

A todas as perguntas, a resposta foi “sim”. “Decidiram os jurados declarar que o processo de impeachment contra Dilma Rousseff viola todos os princípios do processo democrático e da ordem constitucional brasileira”, afirmou o jurista Juarez Tavares, que presidiu os trabalhos do tribunal.

“Em democracias presidencialistas não se pode impedir um chefe de Estado por razões políticas. A aprovação ou desaprovação de um governo deve ser resolvida por eleições diretas, não por ato do Parlamento”, completou Tavares, que fez críticas também ao STF por ainda não ter entrado “profundamente” no processo.


Créditos: Mídia Ninja

No primeiro dia do Tribunal Internacional da Democracia, os participantes já haviam apontado a ocorrência de um processo de impeachment contra Dilma que oculta em golpe parlamentar, misógino, elitista e midiático.

O segundo dia foi marcado pelos votos de cada jurado contra o golpe e a favor da democracia. Nas análises, prevaleceram a identificação de uma roupagem legal para o golpe, com a utilização instrumentos previstos na Constituição para manipular a vontade popular e fazer avançar uma agenda de supressão de direitos, associada à concentração de poder e renda nas mãos das elites.

“Claro que se trata de um artifício jurídico disfarçado de responsabilidade jurídica”, disse o bispo mexicano Raul Veras, candidato ao Prêmio Nobel da Paz em 2012 por seu trabalho a favor dos direitos humanos no México.

“Não se trata de algo isolado, é algo articulado, muito bem pensado e apoiado por um poder que parece ter seus tentáculos nos cinco continentes. O impeachment contra Dilma não está sendo usado como um instrumento jurídico, mas como meio de interromper um projeto político.”

Me declaro aberta e manifestamente contra essa farsa. Porque o que aqui se passa afeta o mundo inteiro (Raul Veras, bispo mexicano)

Os dez jurados se revezaram na apresentação de votos que denunciaram também o papel jogado pelos veículos de comunicação dominantes em apoio ao golpe e para permitir uma narrativa legalista para um ataque à Constituição e à democracia brasileiras.

“A manipulação dos termos faz com que tudo o que é ilegal que se faz nas finanças seja considerado legítimo. Isso faz com que os sujeitos de direitos se transformem em objetos do direito”, afirmou o italiano Giovanni Tognoni, membro do Tribunal Permanente do Povo.

Retrocessos sociais

Professora catedrática em filosofia de direito na Universidade Carlos III em Madrid (Espanha) Maria José Farinas Dulce, que é também estudiosa da sociologia jurídica ibero-americana, apontou a democracia como um processo constituído de avanços e retrocessos.

Para ela, o atual momento é de retrocesso em direitos, especialmente os relacionados ao trabalho, que busca provocar “fraturas sociais e violação dos mecanismos de integração social”.

“Não sejamos inocentes para esquecer que, nos casos do Brasil e de outros países da Europa, é uma contrarrevolução neoliberal e conservadora, que rompe as bases sociais e integradoras”, avalia Maria Dulce. “Estamos em regressão democrática, em regressão constitucional, portanto, estamos em luta.

Azadeh N. Shahshahani, advogada de direitos humanos dos EUA, sustentou seu voto contra o processo de impeachment de Dilma nos episódios anteriores ocorridos no Paraguai (2012) e em Honduras (2009).

“O que está acontecendo aqui é uma conspiração contra a democracia”, afirmou Azedeh Shahshahani, jurista iraniana-norteamericana.

“Aqueles que estão falando contra Dilma Rousseff são acusados de corrupção e devem ser punidos por isso. Se um presidente pode continuar ou não a presidir, não deveria depender de ter a maioria no Congresso. Esse processo está baseado em algo que só pode ser definido como: capitalista, misógino e fascista”.

Advogado e acadêmico mexicano, Jaime Cárdenas Gracia classificou o processo que está no Senado atualmente como uma “fraude à Constituição brasileira e à Convenção Interamericana de Direitos Humanos”.

“A burguesia não suporta o programa em favor do povo da coalização de esquerda”, completou Laurence Cohen, senadora francesa e com atuação em temas ligados aos direitos das mulheres.

Além dos jurados e do qualificado corpo de juristas brasileiros, o julgamento contou também com a presença do advogado de Dilma, José Eduardo Cardozo; do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), e dos deputados federais Wadih Damous (PT-RJ) e Jandira Faghali (PCdoB-RJ).

“Está na nossa Constituição, não há crime sem lei anterior que o defina”, disse Lindbergh após o anúncio da sentença.

“Ninguém se elegeria com um programa radical desse, de retirada de direitos dos trabalhadores. De uma tacada só, quer acabar com o legado de Lula, Ulysses Guimarães e até de Getúlio Vargas, com a CLT. Esse tribunal joga um excelente papel para os senadores. Não jogamos a toalha, há um clima de constrangimento no Senado”, avaliou o senador.

O deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) considerou histórico o julgamento e disse que se o Senado não arquivar o processo, o STF terá que ser chamado. “Há uma vítima nesse processo de impeachment, e a vítima é a democracia”, afirmou o deputado. “Vamos ter que chamar o STF para este processo. O STF, que já autorizou extradição de Olga Benário, vai ter a oportunidade de limpar sua história.” Reveja na íntegra como foi o primeiro dia de julgamento:


quarta-feira, 20 de julho de 2016

Jornal GGN – O juiz federal de primeira instância, Sergio Moro, lotado em Curitiba, homologou nesta terça-feira, dia 19, pedido da defesa de Marcelo Odebrecht, empresário preso na Operação Lava Jato, para desistir da oitiva de 15 testemunhas de defesa, entre elas a presidente afastada Dilma Rousseff e os ex-ministros Antônio Palocci, Guido Mantega e Edinho Silva.
As testemunhas foram arroladas pela defesa e prestariam depoimento em uma das ações penais a que Marcelo Odebrecht e ex-dirigentes da empreiteira respondem.
A defesa do empresário disse que desistir das testemunhas deve-se a "motivo que se encontra sob sigilo". A força-tarefa de procuradores da Lava Jato concordou com a renúncia das testemunhas, mas disse desconhecer os motivos pelas quais os advogados usaram o termo sob sigilo, sendo que o motivo não foi vazado para a imprensa ainda.
Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal à Justiça de primeira instância em Curitiba, Marcelo Odebrecht está ligado ao esquema de pagamento de propina aos ex-dirigentes da Petrobras. Segundo a força-tarefa ele teria orientado as atividades dos demais acusados ligados à empreiteira.
O juiz de primeira instância considerou os documentos da Suíça, no caso de Marcelo, e abriu a ação penal. Em março, Moro, juiz responsável pela Lava Jato, de primeira instância, condenou Odebrecht a 19 anos e quatro meses de prisão por crimes de corrupção passiva, associação criminosa e lavagem de dinheiro. A defesa afirmou que a sentença é injusta e que vai recorrer para provar a inocência dele.
(com informações da Agência Brasil)

segunda-feira, 18 de julho de 2016

O colapso ético
por Roberto Amaral
Nada menos do que 117 deputados federais respondem a inquéritos, alguns de natureza penal, outros por compra de votos, quase todos acusados de corrupção.

Por seu turno, e coroando o escândalo que só não é visto por quem não quer, mais de uma dezena de senadores são alvos de processos de natureza vária, desde delitos eleitorais a crimes comuns.

Um deles, então líder do governo, foi preso em pleno exercício do mandato, o que denota tanto o caráter da composição da câmara alta quanto sua pusilanimidade.

Seu ainda presidente sobrevive toureando os processos que lhe move o Ministério Público, alguns já acatados pelo Supremo Tribunal Federal.
Esse quadro, que sugere um colapso ético, que revela a iminente tragédia política, se reproduz, como fractal, por todo o país, nos parlamentos estaduais e nos municipais, indicando os riscos que ameaçam a mambembe democracia representativa de nossos tristes dias, infectada pelo vírus letal da ilegitimidade, que mais a distancia da soberania popular.
O deputado Eduardo Cunha, afastado do mandato parlamentar por inédita ordem do STF e presentemente aguardando a inevitável cassação de seu mandato (não obstante a solidariedade cúmplice de seus correligionários), é réu em processos da mais vária natureza.
Do inefável ex-presidente da Câmara dos Deputados pode-se dizer que se trata de profissional, com rica folha corrida, figura icônica da nova ordem política brasileira, esta que aos trancos e barrancos nos governa, violando a ordem constitucional e ferindo tudo o que se assemelhe a hora e dignidade.
Dessa ordem política de hoje, mesquinha e pobre, pedestre, aflora o nanismo de personagens da linhagem de Michel Temer, Jair Bolsonaro, Ronaldo Caiado, Eliseu Padilha, Romero Jucá, Geddel Vieira Lima ..., nossos governantes de hoje, e, dentre outros, esse lamentável Waldir Maranhão, ora retornado ao ostracismo, cuja alçada à presidência interina da Câmara dos Deputados por si só é a mais contundente demonstração da falência de um Parlamento que não se dá a respeito.
A sobrevida parlamentar de Cunha, por sinal, deriva diretamente de sua condição como líder do 'Centrão', o valhacouto que o elegeu e o sustenta ainda, depois de abrir, por mesquinharia, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Nesse 'Centrão' se reúnem – e dele partem para o assalto à República – o que há de pior do fisiologismo e do assistencialismo, o pior da representação do agronegócio, dos grileiros e dos latifundiários assassinos de índios e quilombolas, o pior do fundamentalismo neopentecostal, o pior das bancadas dos empreiteiros, o pior do lobby dos sonegadores de impostos financiados pelas FIESPs da vida.
O pior do atraso. O 'Centrão', recuperado por Temer e hoje majoritário, é certeza de restauração do passado.

A questão grave, crucial, o caruncho que está a construir nossa tragédia institucional, é que somos hoje governados por essa horda dos piores, senhores de baraço e cutelo dos três poderes da República.
Esse condomínio de interesses pérfidos reúne algo mais que a maioria absoluta do Congresso Nacional e, assim, liderado ideologicamente pelo atraso, apoiado pela grande mídia, dispõe das condições objetivas para promover a restauração conservadora, a ressurreição do Brasil arcaico, dependente, oligárquico, reacionário.

Essa coalizão – resultado do encontro do pior da base de Dilma Rousseff com o pior da oposição ao seu governo e ao lulismo – tem no Palácio do Planalto de hoje o comando do processo (e aí atuam de braços dados Legislativo, Executivo e Judiciário) de retomada do atraso que lembra os piores momentos da ditadura militar, com o agravante do entreguismo e do sentimento antinacional, de que não podem ser acusados os militares.

A disfunção institucional, porém, é profunda, é estrutural, e sua gravidade independe das figuras e figurinhas que compõem nosso cenário político.
Estamos em face do colapso do sistema partidário, atingido pela inautenticidade, falência representativa e absoluta renúncia a qualquer ordem de opção ideológica ou programática.

Proliferando graças à irresponsabilidade da dupla STF-TSE, os partidos, na sua maioria – e relembremos sempre as exceções oferecidas pelos partidos de esquerda, em que pese sua crise coletiva – nada mais são hoje que meras siglas, 'sopas de letrinhas' sem significado, quase todos transformados em projetos empresariais que se beneficiam do fundo partidário e vendem tempo de televisão no processo eleitoral, além de apoios no Congresso a cada votação do interesse do Governo ou dos lobbies, chantageando a ambos.

Por fora dos partidos formais, corroendo-os, ultrapassando-os, desmoralizando-os, agem os 'partidos reais', as bancadas interpartidárias, como as mais notórias, as bancadas do boi, da bola, da bíblia e a dos bancos, a bancada dos donos de emissoras de radio e tevê, e, até, as bancadas sérias, como a da saúde e a dos educadores, dentre outras, mas significando sempre o fracasso organizacional e programático e doutrinário dos partidos.

O chamado 'presidencialismo de coalizão' vive seus estertores, após haver levado o governo Dilma à debacle política conhecida.

A necessidade de reforma profunda, estrutural, aquilo que Darcy Ribeiro chamaria ainda hoje de "passar o Brasil a limpo", é porém, tarefa do Congresso que temos, o grande beneficiário de todas essas mazelas.

O que fazer? Sem respostas objetivas, mas apenas sonhos, resta-nos crer que a exaustão política, aguçando a crise, levará esse Congresso, ou o que se instalar em seu lugar em 2019 (se assim chegarmos até lá), a, pressionado pelo clamor das ruas, finalmente realizar as reformas sem as quais poderá estar escrevendo seu necrológio.

A eleição na Câmara dos Deputados

A disputa pela sucessão de Cunha-Maranhão (retrato de corpo inteiro da degenerescência que invade todo o organismo político brasileiro) travou-se entre um representante do 'Centrão' profundo e um líder orgânico da direita, vitorioso.

Em seu discurso, ao assumir a Presidência da Câmara, o representante do DEM, ex-PFL, ex-Arena, um dos líderes do golpismo em curso, agradeceu a todos os que o apoiaram, agradeceu ao interino Temer que por ele tanto batalhou, mas, significativamente, agradeceu também ao PT e ao PCdoB.

Uma vez mais e desta feita mais imperdoavelmente do que nunca, a esquerda parlamentar revelou-se incapaz de interpretar corretamente a realidade e assim, falha em estratégia, terminou por renunciar ao papel de sujeito, imobilizada por uma falsa dúvida hamletiana entre as vias pragmática e programática, sem saber que nenhuma opção é em si boa ou má, pois o que as qualifica são as circunstâncias.

Por fim, e por tudo isso, a esquerda ficou sem papel, nem marcou a posição política necessária nem interferiu no processo eleitoral, e ainda ficou devendo aos seus militantes uma explicação por, já lançada a candidatura de Luiza Erundina, haver ora optado por apoiar o candidato do PMDB, desidratado por seu correligionário Temer, ora por lançar mais uma anticandidatura.

Ao fim e ao cabo, com nossas dúvidas, nossas vacilações, nossos erros de avaliação, nossa ausência de estratégias, nosso apego às táticas como fatos isolados, a eleição do deputado Rodrigo Maia como presidente-tampão representou mais uma vitória da direita brasileira, passo importante na implementação de sua restauração conservadora, ansiada e frustrada ao longo de nada menos que quatro eleições presidenciais!
O próximo pilar político será, tudo o indica, fincado em agosto, quando da decisão sobre o impeachment no Senado Federal.

Fica a velha lição: quem não aprende com a experiência está condenado a repetir seus erros.
Bases dos EUA na Argentina – Luis Tibiletti, ex-Secretário de Segurança da Argentina e Secretário Acadêmico do CEE do Ministério da Defesa do governo Nestor Kischner, escreve-me para informar a inexistência de qualquer acordo visando a cessão de território argentino para instalação de bases militares dos EUA, objeto de comentário meu na última coluna. 
 

domingo, 17 de julho de 2016

por Ricardo Cavalcanti-Schiel
Em um lance inusitado e desprovido de outra motivação racional que não a tentativa de intimidação da mais antiga associação científica brasileira ― a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que há 63 anos, desde suas primeiras presidências, com Roquete Pinto e Darcy Ribeiro, posiciona-se sistematicamente em defesa dos povos indígenas ―, a CPI da Funai e do Incra, patrocinada pela bancada ruralista no Congresso, determinou a quebra de sigilo fiscal e bancário daquela associação.
Ontem a ABA encaminhou ao STF, MPF, PRG, AGU, OAB e Câmara Federal a manifestação da associação, em que reage ao contexto dos "atos até agora realizados pela CPI". Segundo a ABA, eles "revelam o intuito de criminalizar toda atividade de defesa dos direitos humanos em relação aos povos indígenas e quilombolas da sociedade nacional, em face das reiteradas e violentas ameaças que sobre eles pairam constantemente no contexto contemporâneo".
A ABA acrescenta ainda que "uma investigação isenta e republicana deveria estar constatando ― isto sim ― as dificuldades que enfrentam diversos órgãos públicos e associações civis em prover de recursos de defesa aquelas populações minoritárias, vulnerabilizadas e ameaçadas, no cumprimento dos preceitos democráticos da Constituição federal e dos acordos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro".
Além da ABA, iniciativas locais no âmbito acadêmico também começam a se manifestar. Hoje, o mais tradicional e conceituado programa de pós-graduação em antropologia do Brasil ― e atualmente considerado um dos mais importantes centros de pesquisa da sua área no mundo ―, o do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), solidarizou-se com a ABA, declarando que:
"Como antropólogos, não podemos deixar de nos pronunciar frente a essa clara tentativa de intimidação e cerceamento tanto de nossas atividades acadêmicas, quanto dos compromissos éticos que temos com as populações com as quais trabalhamos. Entendemos que a ação dirigida contra nossa Associação e outros organismos civis se insere em um quadro mais amplo de ameaça aos direitos das populações indígenas e quilombolas. Em lugar de fortalecer os direitos estabelecidos na Constituição Federal e defender sua plena implementação, a investigação promovida pela CPI demonstra estar tomando a direção contrária. Suas consequências, portanto, são nefastas para todos os que acreditamos na importância e urgência de trabalhar por uma sociedade mais plural e democrática".

sábado, 16 de julho de 2016

Por Marcio Pochmann
Na Revista do Brasil
Se entendida simplesmente por deterioração do interesse com o bem comum, a corrupção não deveria ser considerada como parte intrínseca à natureza humana, incapaz de ser superada. Há sociedades com mais ou menos sinais de corrupção – seja social, descrita, por exemplo, pela criminalidade e prostituição, seja no setor público por subornos, informações privilegiadas, desvios de recursos e outras formas.
A maior transparência na gestão pública, com regulação, fiscalização e monitoramento eficientes, bem como decentes controles políticos, sociais e culturais, tendem a assegurar menor risco à corrupção. Nas sociedades capitalistas, de modo geral, a centralidade do enriquecimento e consumo é difundida, tendo a vantagem de alguns sendo interposta sobre a desvantagem de outros.
É claro que para o pobre o consumo se coloca no primeiro momento enquanto atendimento das necessidades básicas, ao contrário dos segmentos de renda intermediária e ricos. Por conta disso, as desigualdades sociais no capitalismo implicam formas de corrupção de natureza distinta entre as sociedades.
Além disso, os fundamentos capitalistas assentados na existência de mercados competitivos e na propriedade privada dos meios de produção e, por consequência, o sistema de preços dos bens e serviços, tendem também a se contaminar pela corrupção. Isso porque a transformação das estruturas de mercados ao longo do tempo, de livre competição no passado para oligopolista nos dias de hoje, asfixia cada vez mais os mecanismos de controle da corrupção.
Com menos competidores, não apenas no espaço nacional, mas sobretudo pela ação das corporações transnacionais no plano global, a prática dos cartéis privados se generaliza consubstanciada pelas ligações perigosas com os partidos políticos, especialmente nos financiamentos das campanhas eleitorais. Inúmeros casos têm sido divulgados pelos meios de comunicação no mundo.
Com a propriedade privada dos meios de produção e a distribuição tão concentrada, aliada à estrutura oligopolizada dos mercados, a busca de vantagens competitivas avança para dentro dos orçamentos públicos como elemento diferenciador da corrupção moderna. Em decorrência, o sistema democrático de escolhas públicas ameaça perder consistência e credibilidade, tendo o poder econômico maior influência não apenas na determinação do resultado eleitoral, mas sobretudo na condução das políticas públicas.
Nas eleições, programas de governos são debatidos com a sociedade, porém após o resultado eleitoral deixam, muitas vezes, de ser aplicados, especialmente quando atentam contra os interesses principais do poder econômico dominante. Diante de um sistema econômico operado cada vez mais por poucas e gigantescas empresas de dimensão global, a corrupção pode ser vencida com mais Estado, não menos.
Certamente um Estado distinto do atual, corroído por lobbies e lógicas privadas de favorecimentos particulares, que o distanciam do bem comum. Com menos Estado, conforme pretende o receituário neoliberal, a economia política da corrupção tende a seguir intocável.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Carga rápida no crescimento, por André Araújo
Os dados sobre a queda no setor de serviços em maio são assustadores. Transportes caíram mais de 9% em relação a maio de 2015, cabeleireiros, lanchonetes, lavanderias... todos os setores de serviços caíram entre 6 e 9%, uma tragédia porque são setores que empregam muita gente.
Hoje estive em uma fábrica de móveis para escritório. Marca nobre. O faturamento necessário e que conseguiam até meados de 2014 era de R$ 3 milhões mensais. Este ano têm faturado em média R$ 300 mil por mês. Têm 200 empregados. Vão demitir todos e fechar. Essa é uma realidade entre firmas médias. Como disse o dono, quem vai comprar móveis de escritório se estão fechando andares inteiros de escritórios? Um terço dos clientes está na Lava Jato, estão se desintegrando, estão vendendo tudo, até mesas e cadeiras, não têm mercado para móveis novos.
O Brasil esta afundando numa recessão brutal nunca vista antes e persiste nos fatores que causaram essa recessão.
1. Política monetária restritiva, não só juros absurdos mas também pouco dinheiro em circulação. Ontem havia no Brasil R$ 208,8 bilhões de meio circulante físico em Reais para um PIB, em 2015, de R$5,9 trilhões, o que dá 3,53% do PIB. Nos EUA existe US$1,46 trilhões em circulação para um PIB de US$17,9 trilhões, o que dá 8,13%,. Portanto os EUA tem um meio circulante duas vezes e meia maior que o do Brasil. A pergunta é PORQUE o Brasil tem tão pouco dinheiro em circulação? Pior ainda, nível parado: em 2013 era de R$199,6 bilhões, um crescimento de 5% em três anos, muito abaixo da inflação. A falta de liquidez na economia é impressionante, irracional.
Falta de liquidez, falta de crédito, economia travada pela política monetária e só vai ficar pior com a política econômica minimalista, medíocre, de "trazer a inflação para o centro da meta", enquanto o problema real da economia não é a inflação, é a recessão. Pouca moeda em circulação, Real valorizado muito além da lógica, moeda forte e economia em ruínas. Como se pode, diante da realidade à vista de todos, propor tal política monetária insana?
2. Falta de um programa agressivo de estímulos ao investimento em infraestrutura, mais de 1.500 obras paralisadas, imensas carências em saneamento, moradia, ferrovias, prédios escolares em péssimo estado pelo Brasil todo.
Um Banco de Obras S.A. com R$1,6 trilhão de capital terminando obras e jogando pesado na infraestrutura, o desembolso é espaçado, a base produtiva tem enorme capacidade ociosa, enquanto há desemprego não haverá inflação na mão de obra, estímulo à economia produtiva (e não ao consumo) puxa a saída da recessão.
3. A Lava jato precisa encerrar seus trabalhos para permitir o início de uma nova fase de crescimento, que necessita de um clima de otimismo fundamental para uma retomada. Prisões anunciadas como troféus e desmantelamento de empresas grandes e tradicionais, não há processo de crescimento nesse clima.
Todo ciclo de crescimento exige ousadia. JK fez o Brasil crescer com audácia e correndo riscos. Amanuenses da austeridade, contadores de feijões, gente que conhece economia só pela tela do computador e que nunca pisou em um chão de fábrica ou em um pátio de transportadora não tem o faro fino, a sensibilidade para dar saltos na economia.
Presidente algum vai puxar o crescimento com planilheiros que não entusiasmam nem seu motorista, e que jamais irão transmitir aquela faísca essencial para criar um "clima" de entusiasmo para os empresários ousarem.
Crescimento não é obra do acaso, exige elementos psicológicos definidos, liderança, disponibilidade de moeda, crédito em abudância, pouca burocracia, apoio da máquina toda voltada para o desenvolvimento, como foram os 30 grupos de trabalho de JK, ambiente pró-negócios, campanhas no exterior para trazer investidores.
Sem uma concentração de vários fatores o Brasil não sai da crise.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Da Carta Maior
Por Saul Leblon
Quem precisa de projeto de desenvolvimento é o povo; a plutocracia já tem o seu: a taxa de juro mais elevada do mundo
Negros desarmados mortos por policiais brancos compõem um postal da identidade norte-americana.
Explosões de protestos contra a violência policial, como as deste final de semana, depois que dois negros foram assassinados nos EUA --um no Minnesota, terça, dia 5, e o outro 48 hs depois,  na Luisiana, quinta-feira--  desfrutam do mesmo estatuto.
São standarts da terra da Coca-cola, assim como as freeways, a CIA, Hollywood --e o protecionismo disfarçado de livre comércio.
Os dois casos ganharam singular evidencia graças a um fator que veio para ficar.
Imagens impressionantes das mortes colhidas em celulares e viralizadas nas redes sociais, emprestaram dramaticidade testemunhal aos crimes, gerando um apelo convocatório de protestos com poder catártico imprevisível.
Não por acaso, na noite da mesma quinta-feira, em meio a um protesto em Dallas, cinco policiais seriam assassinados por um ex- militar negro, ele também morto em seguida, explodido por um robô acionado por agentes da lei.
Manifestações em diferentes pontos do país, neste final de semana, levaram o presidente Obama apelar para que se evite uma nova escalada de choques raciais, no momento em que o país vive uma das sucessões presidenciais mais polarizadas da história.
Sugestivo desse apelo retórico que não sabe bem o que fazer com a essência do problema, temas explosivos como a exclusão social, o empobrecimento da classe média e o estreitamento das oportunidades para os fragilizados do sistema  foram capturados pela agenda da extrema direita. 
Por vias tortas, coube ao ultraconservadorismo trazer para o centro da política a dissolução do sonho americano, após quatro décadas de políticas neoliberais no coração do mundo capitalista.
Que essa encruzilhada se expresse pela boca de um bilionário assumidamente racista, como  Donald Trump, reforça a impotência do centro político para lidar novos e velhos conflitos sociais e raciais.
A sociedade mais rica plasmada pelas leis de mercado conseguiu eleger um presidente negro. 
Mas ele fracassou em transformar o simbolismo dessa vitória em uma era de maior convergência social e racial.
Obama trombou com as leis de mercado.
Mais precisamente, com as novas condições de enrijecimento social impostas pela concorrência global e a supremacia asfixiante do poder financeiro sobre os parlamentos, os partidos, a mídia, o Estado e a democracia. 
A engrenagem que lavou seus dois mandatos em um solvente de bom mocismo inócuo, alimenta agora a ressurgência da explosão racial nas ruas do país.
A novidade reside menos na reiteração do conflito e, sobretudo, no fracasso da panaceia que exacerbou o que prometia superar.
A anunciada redenção neoliberal iniciada com Reagan, e acelerada por Clinton,  implodiu até a zona de conforto da classe média norte-americana, lançando uma luz  pedagógica à disjuntiva enfrentada pela sociedade brasileira neste momento.  
Construir uma referência própria de desenvolvimento ordenada pela democracia social, ou resignar-se a uma réplica de segunda categoria da regressão social norte-americana, dispensando à maioria da população aqui, o limbo que os negros e pobres compartilham dramaticamente lá?
Desenvolvimento dependente ou a soberania da justiça social?
Não por acaso o discurso extremista, racista, xenófobo e protecionista vocalizado pelo bilionário Donald Trump capturou a ansiedade de 40% dos eleitores norte-americanos nesta corrida presidencial.
A economia do país caminha a duas velocidades. 
Festeja-se uma recuperação anêmica, cuja expansão anualizada abaixo de 2% mantem-se rigidamente distante do salto dos  4%, preconizado há anos pelos otimistas.
O consumo cresce, é verdade, o emprego também.
Mas um dos principais patrimônios dos EUA, a classe média afluente, derrete.
O paradoxo elucida a diferença entre a sociedade que aflora e aquela legada por Roosevelt, depois da guerra.
Os empregos são de baixa qualidade.
Os direitos –leia-se, a segurança social das famílias assalariadas—escasseiam.
A precariedade é a nova lei de ferro.
A curva de crescimento dos salários, comparativamente a dos lucros, mostra a relação mais baixa da história norte-americana.
Apenas um, em cada sete adultos sem formação superior está empregado atualmente na maior potencial capitalista da história.
Impera a anomia social irmã gêmea das explosões incontroláveis de revolta.
As taxas de sindicalização despencam na razão direta da expansão da ferrugem nos cinturões industriais falidos, que Trump promete resgatar com doses de protecionismo que implodiriam a ordem mundial.
No jornal Valor desta 2ª feira, o economista britânico Adair Turner, um moderado, mostra como o aparente bom senso da lógica neoliberal se traduz, na prática, em rupturas violentas da coesão econômica e social, gerando respostas aparentemente insensatas, mas revestidas de justificativa política.
Ocorrências como Trump  e o Brexit, no seu entender, demonstram o fracasso das elites em convencer os eleitores de que a livre circulação de capital, produtos e pessoas costuma ser boa para todos.
‘Na verdade, não é’, diz o britânico, ‘exceto se a liberação e a globalização forem acompanhadas de um equilíbrio na divisão da riqueza ampliada pelas novas práticas de mercado, que necessariamente produzem poucos vencedores e muitos perdedores.
‘No mundo inteiro houve muito pouco equilíbrio na divisão desse saldo’, adverte o economista.
Turner, repita-se, um moderado, não avança na análise, mas o fracasso que sublinha reitera a incompetência do mercado e das vacas sagradas da desregulação para ordenar uma sociedade convergente razoavelmente inclusiva.
Quem faz isso é a democracia, quando dotada de instrumentos para afrontar os impulsos socialmente destrutivos da lógica capitalista.
Um dado resume todos os demais: após quatro décadas de fastígio neoliberal nos EUA, pessoas em idade de trabalhar compõem agora a maioria do contingente dependente do vale-refeição para sobreviver.
Trata-se de uma ruptura de padrão.
A norma, depois da depressão dos anos 30, era uma clientela predominante feita de crianças e idosos.
Mas não é um ponto fora da curva:
-o governo dos EUA gasta atualmente US$ 80 bi  por ano com ajuda alimentar - o dobro do valor registrado há cinco anos;
- desde os anos 80, a dependência de ajuda para alimentação cresce mais entre os trabalhadores com alguma formação universitária --  sinal de que sob a égide  dos mercados desregulados, a  ex- classe média afluente não consegue sobreviver sem ajuda estatal;
- cerca  de 28% por cento das famílias que recebem vale-refeição são chefiadas por uma pessoa com alguma formação universitária;
- hoje o food stamps atende  um de cada sete norte- americanos;
- os salários baixos e a desigualdade  foram responsáveis por 13% da expansão recente do programa – contra  3,5%  entre 1980 e 2000;
- pesquisas relativas ao período de 1979 e 2005 (ciclo neoliberal anterior à crise de 2008) revelam que 90% dos lares norte-americanos viram sua renda cair nesse período; apenas 1% das famílias ascendeu à faixa superior a meio milhão de dólares;
- 21% dos menores norte-americanos vivem em condições de pobreza atualmente;
O fato de Obama, ao longo de dois mandatos,  não ter conseguido  reajustar o salário mínimo norte-americano --congelado há 17 anos e  20% menor em termos reais  do que o vigente no governo Reagan--   diz muito sobre a natureza de um sistema que gera poucos ganhadores e muitos perdedores, de que fala o britânico Turner. 
É nesse labirinto social claustrofóbico que os negros ocupam o corredor mais opressivo.
O desemprego nos EUA em torno de 5% (quase pleno emprego) lambe os dois dígitos entre os negros e hispânicos.
Negros formam 13% da população, mas representam mais de 40% da massa carcerária: um milhão, em um total de 2,5 milhões.
No ano passado, 30% das pessoas mortas por policiais nos EUA eram negras, quase três vezes a participação negra na demografia do país.
Nunca a desigualdade foi tão aguda. 
E jamais a probabilidade de que isso solape as bases da sociedade foi tão presente.
Não é Sanders quem está dizendo.
O desabafo é de autoria da contida presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, Janet Yellen.
Os abismos sociais no núcleo central do capitalismo atingiram o ponto em que, segundo a discreta Yellen, os americanos deveriam se perguntar se isso é compatível com os valores dos Estados Unidos.
‘A desigualdade de renda e riqueza estão nos maiores patamares dos últimos cem anos, muito acima da média desse período e provavelmente maior que os níveis de boa parte da história americana antes disso’, afirmou, repita-se, a presidenta do banco central norte-americano. 
Alguém imagina um quadro graúdo do Itaú, como o interventor do golpe no Banco Central, dizendo isso por aqui?
O descarrilamento social produzido pelo neoliberalismo na sociedade mais opulenta da terra espeta o carimbo da temeridade no coração da estratégia de golpista para o Brasil.
Não invalida o fato de que o país precisa reconstruir a sua máquina de desenvolvimento.
Deixa claro, no entanto, que essa não é obra a se terceirizar aos livres mercados, como percebeu tardiamente um Obama engessado em tibieza pessoal, mas não só nela.
Numa economia longamente descarnada de sua base industrial, desfibrada por taxas de sindicalização operária as mais baixas da história, a correlação de forças reservou pouca margem de manobra ao primeiro presidente negro da sua história.
O paradoxo da recuperação com desalento social não impediria a sua reeleição, mas o devolve à história como o Presidente que não conseguir estar à altura do seu tempo. 
Obama encerra seu ciclo à sombra de um bufão que melhor que ele consegue falar ao coração dos deserdados da esperança.
A sabotagem parlamentar mais obscurantista da história enfrentada pelo democrata encontra equivalente na barragem legislativa que paralisou Dilma no Brasil.
Uma aliança da escória com interesses plutocráticos descomprometidos da responsabilidade com a nação, e tão obscurantista quanto o Tea Party nos costumes, não hesitou em paralisar a economia e sacrificar a grande maioria da população para retornar ao poder sem o voto.
‘A economia precisa de um governo mais leve’, evoca a novilíngua  do jornalismo de arrocho.
Os conflitos raciais são a fumaça do vulcão que rumina no interior da sociedade mais rica da terra submetida a esse desígnio.
Em um país em que tudo ainda está por fazer, e suficientemente pobre para que erros históricos se transformem em tragédias definitivas, a terceirização do desenvolvimento aos mercados envolve um risco vulcânica ainda maior.
Devolver à democracia a prerrogativa de repactuar o passo seguinte da economia é a única apólice de seguro que resta à sociedade brasileira.
Não é um projeto que empolgue a riqueza financeira.
Esta já tem o seu país pronto: a taxa de juro real mais elevada do mundo.
O golpe visa justamente reforçar as muralhas em torno dessa soberania.
Raspar o tacho, ‘vender a mãe pátria’, como espetou o Papa Francisco na testa de seu conterrâneo, o presidente argentino amigo de Serra, Maurício Macri, é parte do arsenal bélico.
Quem precisa de projeto de desenvolvimento é o povo, os excluídos, os pobres e negros nos EUA, a vasta maioria da população no Brasil.
A resposta do golpe, ao contrário,  pressupõe um congelamento real de gastos sociais que encolherá a participação relativa da saúde, da educação, das aposentadorias e outros direitos na divisão da receita em anos vindouros.
O excedente subtraído ao bem-estar social, como já se disse neste espaço, será transferido ao bem-estar antissocial dos rentistas.
Um círculo de ferro pretende dobrar a resistência democrática sob o peso do desemprego e do desmonte da nação feito a toque de caixa.
Há um requisito: asfixiar o debate de uma agenda alternativa.
É preciso impedir que a resistência democrática seja portadora de um projeto mudancista que fale às ruas, às periferias, aos bairros pobres, às famílias assalariadas, à juventude, à classe média democrática, à inteligência nacional, à cultura e ao empresariado produtivo.
O medo desse efeito catalisador é indisfarçável.
A supressão truculenta da publicidade estatal a toda mídia progressista é um sintoma dele (http://www.cartamaior.com.br/pages/sejaparceiro/ ). A sofreguidão para se aprovar a farsa do impeachment, outra. A barganha obscena com o interesse estrangeiro sobre as riquezas nacionais –pré-sal à frente—outra.
Trata-se de criar fatos consumados,  espremer, tanger os movimentos sociais, as centrais, partidos e organizações populares, obrigando-os a pensar pequeno.
Obrigando-os a participar até o fim da farsa do impeachment.
Para desse modo obriga-los a admitir um futuro menor que o país.
Que caiba em um orçamento menor que a população.
Menor que as possibilidades e urgências da Nação.
Menor que a ponte necessária entre a resistência democrática difusa e a repactuação ampla do desenvolvimento, feita de prazos e metas críveis  negociadas com o conjunto da sociedade.
Se pensar pequeno, se aquiescer à farsa, a resistência democrática corre o risco de se abastardar e acordar um dia em um país dizimado chamado Brazil.
Cuja capital fica em Dallas.

domingo, 10 de julho de 2016

Serra e o servilismo na política externa
por Roberto Amaral
No discurso de transmissão do cargo de ministro das Relações Exteriores ao professor e empresário Celso Lafer (2001), aquele chanceler que se notabilizaria  por tirar os sapatos e as meias para ingressar nos EUA, o ministro Luiz Felipe Lampreia, resumindo a política externa do governo FHC (a dependência encantada), proclamou:

 "O Brasil não pode querer ser mais do que é".

Não se tratava, essa, de uma frase qualquer perdida no cipoal de um discurso protocolar, mas de síntese lapidar de como a classe dominante brasileira, alienada e colonizada – culturalmente, politicamente, ideologicamente – se vê a si mesma e como a partir dessa visão abastardada (o sempre presente 'complexo de vira-latas' diagnosticado por Nelson Rodrigues), vê o país e nosso papel no mundo. Ou, antes, nosso não-papel.

Lampreia falava como intelectual orgânico da classe dominante nativa, como falaria e agiria seu sucessor Celso Lafer e como fala agora José Serra.
Com aquela síntese o embaixador, recentemente falecido, exortava-nos à renúncia não só a qualquer política externa tentativamente independente – tradição que o Itamaraty vinha construindo desde Afonso Arinos-San Tiago Dantas –, mas mesmo de renunciar simplesmente a ter política própria, aspirar a algo no concerto das nações. Sem saber, Lampreia antecipava o que seria a não-política externa de seu correligionário José Serra.

O ministro Lampreia, todavia, não estava só, nem foi original em seu discurso dependentista, que vê a dependência não como tragédia a ser removida, mas como fatalismo transformado em momento de regozijo. Antes dele, Vicente Rao, servindo ao governo títere de Café Filho (agosto de 1954/novembro de 1955), declarara, sob os aplausos da grande imprensa brasileira:

"O Brasil está fadado a ser, por tempo indefinido, um satélite dos Estados Unidos".

O conflito dependência/independência vem de longe. Evidentemente, não podemos aspirar à autonomia, mesmo condicionada pelo entrecho internacional, ou à independência, à soberania e ao desenvolvimento, ou seja, a um projeto nacional, se aceitamos uma visão de Brasil e de seu lugar no mundo, segundo a qual nosso país "não pode querer ser mais do que é", pois "o importante é adaptar-se ao mainstream" e "ser convidado para sentar-se à mesa" de discussão, pois, quem sabe, nos servirão as sobras.

Essa visão estreita, conformista, subdesenvolvida é típica do intelectual orgânico do conservadorismo, travestido de modernidade e pragmatismo, portador daquele realismo de interesses que tende a inculcar no povo a ideia de que compor e adaptar-se é mais inteligente (prático, útil, rentável) do que lutar. É assim que as elites colonizadas passam às nossas populações – como científica, objetiva, prática e pragmática, isenta, benéfica e única – a ideologia do dominante.

A política externa brasileira, desde a redemocratização de 1946 até aqui, vem oscilando entre servilismo abjeto e tratativas de independência, estas principalmente a partir dos governos Jânio (1961) e Jango (1961-1964) cujo mais largo período de vigência foi vivido nos 12 anos de governo petista (2003-2015).

Esse período de política benfazeja foi interrompido pelo governo interino e a nomeação de José Serra para o Itamaraty, cuja política, por suas mãos, volta aos padrões dos tempos Collor-FHC, exemplarmente definidos por Chico Buarque de Holanda: "o Brasil que fala grosso com a Bolívia e fino com os EUA".  

Remontam aos anos 1950 os primeiros movimentos visando à constituição do que nos anos 1960 ficaria grafado como 'Política Externa Independente'. Se muito de sua formulação doutrinária pode ser atribuído ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros-ISEB (1955/1964), Hélio Jaguaribe e outros, a implantação é obra da meteórica presidência Jânio Quadros (1961), levada a cabo pelo seu ministro (MRE) Afonso Arinos, que, com San Tiago Dantas, dar-lhe-ia continuidade no governo João Goulart.

Não se trata, pois, a tratativa de uma política externa independente, de uma 'invenção ideológica do lulismo', mas de projeto longamente maturado pela sociedade brasileira.

Essa política, de priorização dos interesses nacionais, é abandonada após o golpe militar de 1964, quando impera a doutrina segundo a qual "o que é bom para os EUA é bom para o Brasil', nesses termos formulada pelo embaixador do Brasil em Washington, general Juraci Magalhães (1966-1967).

Tal política, por sua vez, começa a ser revertida, já sob a ditadura militar, logo ao tempo de Magalhães Pinto, ministro das Relações Exteriores. A autonomia cresce nas administrações Geisel (ministro Azeredo da Silveira) e Figueiredo (Saraiva Guerreiro). Geisel (1974-1979) chega a romper o acordo militar Brasil-EUA ao reagir às ameaças da Casa Branca, insatisfeita com o acordo nuclear firmado pelo Brasil com a Alemanha (1975), que previa transferência de tecnologia sensível ao Brasil.

Naquele ano, foi criado o ainda hoje claudicante Programa Nuclear Brasileiro, que previa a instalação de uma usina de enriquecimento de urânio, e várias centrais termonucleares, contra o que militavam e ainda militam os EUA.

A política externa Geisel-Azeredo da Silveira, que não agradou aos grandes meios de comunicação brasileiros, como igualmente e pelos mesmos motivos não agradaria a gestão Amorim, ficou conhecida pelo rótulo de 'pragmatismo responsável' e implicou, dentre outras inciativas, o reconhecimento diplomático brasileiro da República Popular da China e da independência dos países africanos lusófonos, em guerra de libertação nacional.

Esse Brasil foi o primeiro país do mundo a reconhecer a independência de Angola e o governo de Agostinho Neto, para o que muito concorreu a atuação do embaixador brasileiro Ovídio Mello.

Tal tradição que se vinha construindo, de uma política externa que priorizava os interesses nacionais e, por consequência, exigia de nosso país o exercício de um papel ativo, é, porém, congelada nos governos da 'Nova República', nomeadamente nas administrações Collor e FHC, para ser retomada pelo governo Lula, conduzida pela tríade Celso Amorim (ministro das Relações Exteriores), Samuel Pinheiro Guimarães (secretário-geral do MRE) e Marco Aurélio Garcia (assessor especial da Presidência da República).

Seu diferencial é representado por maiores iniciativas no plano internacional, onde o Brasil procura o espaço de ator.

Assim, o projeto de política externa independente simplesmente retomava seu leito natural. Mas após de 12 anos de política altiva e ativa nos termos em que a definiu o chanceler Amorim, contemplada de sucesso e consagrada pelo reconhecimento internacional, retornamos, com o governo interino e ilegítimo de Michel Temer, à alienação da dependência encantada.

Retornamos aos anos Collor-FHC e para esse papel deplorável ninguém mais capacitado do que o senador José Serra. E ele, com sua truculência, já disse a que veio: assumindo 'nossa irrelevância' (aquela que o colonizador inculca no colonizado), mais uma vez nos pomos a serviço da política dos EUA.

Seu discurso de posse – recheado de ideologismos em nome da negação da ideologia – é tão deplorável que lembra os textos do lamentável embaixador Rubens Barbosa e as lamúrias de Sérgio Amaral, eternamente inconformado com sua remoção da Embaixada do Brasil em Paris.

O novo chanceler parece incansável na faina de dividir e destruir o Mercosul (que absorve 80% de nossos produtos manufaturados) abrindo caminho para uma Alca de fato, quando, realizando os sonhos de Vicente Rao, teremos renunciado a toda e qualquer possibilidade de construir uma grande nação, um grande país, razoavelmente rico, minimamente justo e independente.

O sonho da Unasul será substituído por uma recuperada OEA, submissa como sempre aos interesses da geopolítica dos EUA, pois, para tal mister foi criada em 1948, em plena Guerra Fria, e a seu serviço.

Ao mesmo tempo em que lança farpas contra os governos de Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua – lembrando os piores editoriais do Estadão –, o novo chanceler chega ao cúmulo da inconveniência de deslocar-se a Montevidéu, levando FHC a tiracolo, para tentar impedir que o Uruguai passe a presidência pro tempore do Mercosul à Venezuela, tendo de ouvir de Tabaré Vasquez que as normas são acordadas para serem cumpridas.

Para essa nova fase de dependência encantada são incompatíveis iniciativas como a de nossa presença nos BRICS, como é inconcebível tentarmos exercer, sem o comando ou ao menos o placet da Casa Branca, qualquer posição destacada, ou de liderança regional, muito menos nossa aproximação com o hemisfério Sul.

Sintomático dos novos tempos é o silêncio do governo brasileiro ante a iminência de instalação de bases militares dos EUA na Argentina, uma das quais na nossa sensível tríplice fronteira.

É apenas o começo.