por Ricardo Cavalcanti-Schiel
Em um lance inusitado e desprovido de outra motivação racional que não a tentativa de intimidação da mais antiga associação científica brasileira ― a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que há 63 anos, desde suas primeiras presidências, com Roquete Pinto e Darcy Ribeiro, posiciona-se sistematicamente em defesa dos povos indígenas ―, a CPI da Funai e do Incra, patrocinada pela bancada ruralista no Congresso, determinou a quebra de sigilo fiscal e bancário daquela associação.
Ontem a ABA encaminhou ao STF, MPF, PRG, AGU, OAB e Câmara Federal a manifestação da associação, em que reage ao contexto dos "atos até agora realizados pela CPI". Segundo a ABA, eles "revelam o intuito de criminalizar toda atividade de defesa dos direitos humanos em relação aos povos indígenas e quilombolas da sociedade nacional, em face das reiteradas e violentas ameaças que sobre eles pairam constantemente no contexto contemporâneo".
A ABA acrescenta ainda que "uma investigação isenta e republicana deveria estar constatando ― isto sim ― as dificuldades que enfrentam diversos órgãos públicos e associações civis em prover de recursos de defesa aquelas populações minoritárias, vulnerabilizadas e ameaçadas, no cumprimento dos preceitos democráticos da Constituição federal e dos acordos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro".
Além da ABA, iniciativas locais no âmbito acadêmico também começam a se manifestar. Hoje, o mais tradicional e conceituado programa de pós-graduação em antropologia do Brasil ― e atualmente considerado um dos mais importantes centros de pesquisa da sua área no mundo ―, o do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), solidarizou-se com a ABA, declarando que:
"Como antropólogos, não podemos deixar de nos pronunciar frente a essa clara tentativa de intimidação e cerceamento tanto de nossas atividades acadêmicas, quanto dos compromissos éticos que temos com as populações com as quais trabalhamos. Entendemos que a ação dirigida contra nossa Associação e outros organismos civis se insere em um quadro mais amplo de ameaça aos direitos das populações indígenas e quilombolas. Em lugar de fortalecer os direitos estabelecidos na Constituição Federal e defender sua plena implementação, a investigação promovida pela CPI demonstra estar tomando a direção contrária. Suas consequências, portanto, são nefastas para todos os que acreditamos na importância e urgência de trabalhar por uma sociedade mais plural e democrática".
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