quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O abandono dos pequenos agricultores
por Rui Daher
em CartaCapital
Muitas vezes penso que a família Marinho tem uma estratégia genial. De tão pesados seus interesses financeiros, deixa algumas válvulas de honestidade em sua programação. É o caso, na TV, do Globo Rural.
Por um motivo ou outro, em mais de três décadas, o programa nunca deixou de olhar para a agropecuária vista assim do alto ou com a lupa, como tento fazer aqui nesta CartaCapital.  Ou a família proprietária interpretou mal quando Karl Marx se referiu à “idiotia rural” ou sabe que o repasse da linha editorial desonesta, que banca seus interesses, não precisa mais do que os noticiários.
No domingo 27, o programa apresentou matéria que me fez, imediatamente, correr ao armário e de lá tirar a AK-47 verbal, verborrágica, verborreica, incriminadora da idiotia, com que brinco.
Deixo aqui espaço para cada um usar o palavrão que quiser. Os meus seriam muito pesados e os editores não permitiriam. Recorro a Millôr Fernandes: “pensar livre é só pensar”.
Apresento-lhes a agricultora Luiza do Espírito Santo, que não lhe trouxe paz, embora sua vida justificasse pertencer à Santíssima Trindade, qualquer fosse sua colocação na genealogia cristã.
A reportagem, que recomendo, foi realizada no município de Paulistana, no estado do Piauí, e foca a miséria que trazem, quando concomitantes, uma seca de quatro anos e a falta de energia elétrica.
Como é mesmo? Quatro anos? Pensei serem mais de quatro séculos. Nascemos ouvindo isso e vivemos esperançosos de soluções que não passaram de remendos. Iniciativas públicas e privadas sempre olharam para a região na espera que o Seu Divino fizesse o sertão virar mar.
Ao mesmo tempo, a reportagem acerta e se equivoca quando ressalta a seca e a falta de energia elétrica como motivos daquela miséria. É claro que também, mas essa realidade é a de muitos Brasis secos ou não, com ou sem energia elétrica.
Em Andanças Capitais, nem mesmo preciso ir longe, em busca dos grotões da pobreza extrema ou dos mais baixos IDH, como em Paulistana, para ver o abandono em que vivem agricultores pequenos e pobres. Seja lá qual for a roça, o trabalho é duro e no final resta-lhes darem “Graças a Deus”. Assim salvam o descalabro de sistemas econômico, político e social podres. Se Deus pudesse, já os teria gratificado.
Auge dramático, mas educativo. Perguntada, Dona Luíza diz como faz para viver: “quando dá, trabalho na roça, quando não do cartão, o Bolsa Família”. Só? Espanta-se o repórter.
Sim, só. Agora é com vocês. Não ousem criticar-me por ter sempre apoiado o tal “assistencialismo”. Penso, existo e vivo a denunciar, até o limite de meu não-poder e de minha pouca força, os imbecis que dizem serem eles populistas, descartando a realidade social do País.
Dedico-lhes “Cálice”. Em rimas com as palavras labuta, escuta, bruta, Milton Nascimento e Chico Buarque sugerem que reflitam: “De que me vale ser filho da santa, melhor seria ser filho da outra”.
Assim como nas redes sociais, ao se posicionar contra o golpe, Chico Buarque foi dito escroto, se depois de conhecerem Dona Luiza vocês continuarem achando-a, beneficiária de 100 reais por mês, vagabunda, preguiçosa, e que vive com seus três filhos de favores do governo, são vocês os escrotos. Quantas vezes ouvi: “deviam ensiná-la a pescar, e não lhe dar o peixe de graça”.
Ora, ora, seus sacripantas, fariseus, pensam o quê? Que o Brasil é o 1% de cashmere amarrado sobre a camisa-polo e SUV entregue aos manobristas dos restaurantes de luxo (mau gosto) e caríssimos (gourmets da exposição)?
Não foi, não é, nunca será. Famílias Espírito Santo nem sempre são santas, mas também pombas transmissoras de miséria e doenças. No porvir, abutres revoando sobre os luxos de uns e a ignorância de outros.
À esquerda e direita, continuaremos construindo um País de poucas casas-grandes e milhões de senzalas com ou sem energia elétrica, que isso não resolve tudo. Melhora, afinal Thomas Alva Edison (1847-1931) inventou a lâmpada elétrica no século 19 e os brasileiros de Paulistana, no Piauí, dois séculos depois, ainda não têm acesso a ela.
Ah, mas o governo ... TNC. Fora a propina nas licitações, o que mais fez o empresariado depois que o governo instituiu o Luz para Todos, em novembro de 2003, lançado pelo Decreto 4.873, com o desafio de levar acesso à energia elétrica, gratuitamente, para mais de 10 milhões de pessoas do meio rural, até o ano de 2008?
Coisa nenhuma. Juntaram-se o roto e o rasgado para posterga-lo até 2010, 2014 e, agora, 2018. Na primeira etapa, levou luz elétrica a 60% das residências. Depois veio o aperto fiscal e as prioridades foram outras. Falta muito. A ninguém ocorreu tirar uns tostões do rentismo e dar à luz crianças menos miseráveis.
Não é tudo o que Dona Luíza do Espírito Santo precisa, mas daria para ela continuar pobre e acreditar em Deus.

terça-feira, 29 de novembro de 2016



No Diário do Centro do Mundo
Joaquim de Carvalho

Dallagnol comprou apartamentos construídos para o Minha Casa Minha Vida
O procurador da república Deltan Dallagnol é conhecido por sua atuação como chefe da Operação Lava Jato e pela sua campanha contra a corrupção, que o tem levado a reuniões em grandes veículos de comunicação e a igrejas, principalmente evangélicas – é membro da Batista do Bacacheri, em Curitiba.
Esta é a face conhecida do procurador Dallagnol. Mas tem outra, a de investidor em imóveis. Segundo registro do Cartório de Imóveis de Ponta Grossa, em fevereiro do ano passado, Dallagnol comprou duas unidades no condomínio Le Village Pitangui, construído pela construtora FMM.
Para fazer a construção, a FMM recorreu a financiamento da Caixa Econômica Federal destinado ao Programa Minha Casa, Minha Vida. Mas os compradores não precisavam ser, necessariamente, pessoas de baixa renda.
Dallagnol pagou R$ 76 mil por um apartamento, o 104 do bloco 7, e 80 mil reais em outro, o 302 do bloco 8. Nas duas compras, uma escritura foi assinada em 22 de agosto de agosto de 2013 e outra, de rerratificação, em 20 de fevereiro do ano passado.
As escrituras foram assinadas pelo dono da construtora, Fernando Mehl Mathias, como vendedor, e por Deltan Dallagnol e a esposa, que é advogada, como compradores.
Dallagnol é natural de Pato Branco, no interior do Paraná. Nenhum dos apartamentos comprados em Ponta Grossa foi para moradia própria. Segundo o endereço fornecido ao cartório para a escritura, Dallagnol reside num bairro de classe média da capital paranaense.
Na internet, há o anúncio de venda de um apartamento no mesmo condomínio que o dele em Curitiba. O preço é R$ 895 mil. Tem 130 metros quadrados, com três suítes, cinco banheiros e duas vagas na garagem.
Muito diferente dos seus apartamentos de Ponta Grossa, padrão Minha Casa, Minha Vida: 55 metros quadrados de área privativa, num condomínio com 29 blocos de quatro andares, com quatro apartamentos por andar. Uma vaga na garagem, em princípio descoberta.
O Le Village Pitangui de Ponta Grossa tem ainda três quadras de esportes, três salões de festas e três quiosques com churrasqueira – isso para atender os 464 apartamentos. A taxa de condomínio é R$ 210, já incluída a conta da água, que é coletiva.
Procurei a construtora FMM, que fez o condomínio. O chefe dos corretores disse que todos os apartamentos do Le Village Pitangui foram vendidos. Quem quiser comprar agora tem que procurador investidores como Dallagnol.
No caso dele, os apartamentos estão sendo vendidos a R$ 135 mil cada – diferença de 59 mil reais em uma unidade (77,6%) em relação ao que ele pagou e de 55 mil na outra unidade (68,7%).
Uma corretora de Ponta Grossa disse que muitos apartamentos do condomínio ficaram nas mãos de investidores – “acho que a maioria”. Ou seja, quem tinha dinheiro para pagar à vista ou em poucas parcelas, quando o condomínio foi lançado, fez um excelente negócio, ao contrário de quem agora está nas mãos dos investidores.
Os investidores pagam barato esperando pela valorização ou colocam o apartamento para alugar – os do procurador Dallagnol nunca foram ocupados e, segundo uma corretora, ele não tem interesse no aluguel, em torno de R$ 600. Conversei com ela sem dizer o nome do procurador, e ela se referiu ao proprietário também sem dizer o nome dele.
Comprar apartamento destinado preferencialmente ao programa Minha Casa, Minha Vida não é ilegal, mesmo quem tem altos rendimentos. Em outubro, os vencimentos totais brutos de Deltan Dallagnol foram de R$ 35.607,28, segundo o Portal da Transparência do Ministério Público Federal.
Os vencimentos líquidos do procurador foram de R$ 22.657,61, mas neste ano houve um mês – abril –,  em que ele recebeu líquidos R$ 67.024,07, com “indenização” e “outras remunerações retroativas/temporárias”, acima do teto constitucional.
Quem compra apartamentos habilitados para o Minha Casa, Minha Vida tira a oportunidade de quem procura conseguir um imóvel com financiamento com taxa de juros subsidiada – máximo de 8,16% ao ano. Na mão do investidor, caso de Deltan Dallagnol, o comprador terá que pagar à vista ou recorrer ao financiamento imobiliário regular – com taxa de 12% ao ano.
“Podemos dizer que ele fez um excelente negócio. A valorização foi muito maior do que a maior parte dos investimentos. Mas não cometeu nenhuma ilegalidade”, diz um advogado, especialista em Direito Imobiliário, que não quer ter o nome divulgado por temer represália.
A ex-secretária nacional de Habitação no governo Dilma Rousseff, Inês Magalhães, disse que, durante a regulamentação do programa Minha Casa, Minha Vida, houve preocupação de vetar o duplo subsídio.
“O imóvel que é financiado uma vez recebe o subsídio, mas, se o imóvel for vendido, o segundo comprador não poderá ter o financiamento com taxa subsidiada. Isso nós evitamos, mas não pudemos impedir que quem tem dinheiro compre sem financiamento e ganhe com a especulação imobiliária”, disse Inês Magalhães.
O procurador Dallagnol comprou como investimento, apostando na valorização de um imóvel popular (veja entrevista dele abaixo), mas, como não recorreu a financiamento, não houve meio legal de impedir que ele (e outros investidores) fizesse isso.
“Impedir que quem tem dinheiro compre é interferir nas regras de mercado. Mas esta é uma discussão que temos de fazer: quem tem dinheiro pode comprar imóvel destinado ao Minha Casa, Minha Vida?”
Inês não quis entrar no mérito ético da compra dos imóveis por parte do procurador: “Hoje, nós estamos sendo vítimas de julgamentos morais, numa campanha que tem à frente alguns procuradores. Eu não me sinto à vontade para fazer o mesmo. Mas que temos de discutir essa questão da especulação imobiliária, à luz da política habitacional para o País, isso temos.”
Dallagnol, na sua campanha em favor do projeto das dez medidas contra a corrupção – propostas idealizadas por ele e outros procuradores da Lava-Jatou — já esteve em grandes jornais e igrejas.
Em fevereiro deste ano, em entrevista para o canal do YouTube da Igreja Batista Atitude Central da Barra, do Rio de Janeiro, foi questionado sobre a razão de “trazer” o tema para debate dentro da igreja. Dallagnol respondeu:
“Esse processo de transformação envolve todos os atores da sociedade, e a Igreja, em especial, tem um papel muito particular nisso, porque a Igreja é uma instituição ou um grupo de pessoas que amam a Deus, mas que tem um mote central de amor ao próximo, de amor à sociedade.”
A apresentadora ainda pergunta sobre o que as pessoas podem fazer para participar do combate à corrupção:
“Em primeiro lugar, devemos deixar de praticar as pequenas corrupções do nosso dia a dia, que acabam gerando uma tolerância com a grande corrupção.”
Em seguida, Dallagnol cobra “atitude, nós precisamos agir” e pede que os telespectadores assinem a proposta das dez medidas contra a corrupção – esta que está sendo agora votada pelo Congresso Nacional.
*****
Procurei a assessoria de imprensa da Procuradoria da República em Curitiba e falei sobre esta reportagem. Pedi para falar com o procurador Dallagnol e fui orientado a enviar um e-mail com perguntas, que o procurador respondeu:
1) O senhor costuma fazer investimentos em imóveis?
Adquiri, para fins de investimento, os dois apartamentos localizados em Ponta Grossa, com recursos oriundos de salários. Todos estão declarados em Imposto de Renda e foram pagos todos os tributos e taxas atinentes.
2) Como tomou conhecimento de que havia essa oportunidade de negócios em Ponta Grossa?
Funcionário da construtora FMM Engenharia, em Curitiba, ofereceu a possibilidade de aquisição dos apartamentos.
3) Construções destinadas ao Programa Minha Casa, Minha Vida são viabilizadas com dinheiro barato, através da Caixa Econômica Federal. Comprar apartamentos destinados a famílias com renda máxima de R$ 6.500,00 e depois revendê-los com um ganho superior a 60% em um ano e meio não seria uma prática questionável do ponto de vista ético? (não é um juízo de valor, é só uma pergunta).
O programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) funciona com quatro faixas (faixa 1, faixa 1,5, faixa 2 e faixa 3). Dentre essas faixas, apenas a primeira oferece empreendimentosexclusivamente voltados para famílias de baixa renda. As demais faixas oferecem linhas de crédito para pessoas que atendam aos requisitos do programa. Repetindo: a primeira faixa oferece empreendimentos exclusivos enquanto as demais oferecem financiamentos para a compra de imóveis – mesmo em empreendimentos não exclusivos do programa – por pessoas que atendam os requisitos. O Le Village Pigangui é um empreendimento não exclusivo do programa. Assim, os imóveis comprados estavam disponíveis para aquisição por qualquer pessoa, independentemente de atender os requisitos do programa MCMV. Os apartamentos que adquiri foram comprados com recursos próprios, à vista, declarados em imposto de renda e sem qualquer financiamento. Não obtive financiamento do program MCMV ou de qualquer outro banco, pois comprei à vista.
Os apartamentos foram quitados em agosto de 2012, tendo sido sempre declarados em imposto de renda, mas a construtora só pôde realizar a transferência via escritura pública e o consequente registro mais recentemente. O dinheiro investido nos apartamentos, caso tivesse sido investido em títulos do Tesouro Direto, do Governo Federal, atualizados pela SELIC, resultaria em valor muito próximo ao valor pelo qual os apartamentos foram anunciados para venda. O valor de aquisição de um dos apartamentos, com a variação da SELIC no período (que seria similar à variação de investimento em banco) e somado aos custos de transferência, resulta em R$ 127 mil. O valor de aquisição do outro dos apartamentos, fazendo-se a mesma conta, é de R$ 134 mil.
4) Fique à vontade para fazer outras observações.
Caso sejam usadas as respostas, peço que sejam disponibilizadas na íntegra e na mesma página em que forem utilizadas.

Moro proíbe Cunha de inquirir Temer sobre Petrobras, Geddel, Moreira Franco; veja as perguntas permitidas e as vetadas

28 de novembro de 2016 às 20h14

  
Moro e temer
 Da Redação do Viomundo
O presidente Michel Temer (PMDB-SP) vai depor como testemunha no processo contra o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na Operação Lava Jato.
Na sexta-feira (25/11),  a defesa do ex-presidente da Câmara dos Deputados protocolou na Justiça Federal 41 perguntas a Temer
Hoje, porém, o juiz Sérgio Moro indeferiu “perguntas incômodas”, observou Mônica Bérgamo.
Em sua coluna na Folha, a jornalista publicou:
O juiz Sergio Moro indeferiu, na manhã desta segunda (28), 21 de um total de 41 perguntas feitas por escrito pelo ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) a Michel Temer.
O presidente da República é testemunha de defesa de Cunha.  Ele responderá aos questionamentos também por escrito.
Cunha chega a perguntar se Temer recebeu Jorge Zelada, ex-diretor da Petrobras envolvido em corrupção, em sua própria residência, em São Paulo, e se teve conhecimento de reunião de fornecedores da Petrobras também em seu próprio escritório, em São Paulo, “com vistas à doação de campanha para as eleições de 2010″.
Em outra questão, pergunta qual é a relação do presidente “com o sr. José Yunes”, um dos melhores amigos de Temer, e se ele “recebeu alguma contribuição de campanha” para alguma eleição de Temer.
Em caso positivo, diz Cunha, “as contribuições foram realizadas de forma oficial ou não declarada?”.
O ex-parlamentar questiona ainda se Temer “indicou o nome do sr. Wellington Moreira Franco para a vice-presidência do Fundo de Governo e Loterias da Caixa Econômica Federal”.
Moro afirmou em seu despacho que as perguntas de Cunha mereciam “censura”, já que “não há qualquer notícia do envolvimento do Exmo. Sr. Presidente da República nos crimes que constituem objeto desta ação penal”.
E indeferiu as questões.
Em matéria no Paraná Portal, Fernando Garcel e Angelo Sfair atentam:
Entre as perguntas descartadas por Moro estão questões relacionadas ao conhecimento do presidente sobre os crimes cometidos na Petrobras. O magistrado também impediu a questão sobre a indicação de alguns ministros do governo Temer, como a nomeação de Geddel Vieira Lima.
Sérgio Moro também considerou inapropriada a citação de trecho de depoimentos de Nestor Cerveró.
Colaborador das investigações, o ex-diretor da Área Internacional da Petrobras afirma que procurou o então deputado Temer para pedir apoio político, na tentativa de manter o cargo na estatal. 
Moro afirma que “não há qualquer referência de que a busca por tal apoio envolveu algo de ilícito”.
Em seu despacho, Moro afirma (na íntegra, aqui): 
Cunha
Abaixo a lista tanto das perguntas permitidas quanto das censuradas por Moro. As vetadas estão circundadas por fio alaranjarado.
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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Advogados de Lula relatam perseguição política e ONU pede esclarecimentos

O Comitê de Direitos Humanos da ONU informou ter registrado a carta de atualização do Comunicado feito ao órgão pelo ex-Presidente Luiz Inacio Lula da Silva em 28/7/2016. Na condição de advogados de Lula, juntamente com o especialista em direitos humanos Geoffrey Robertson, fomos também informados do novo prazo dado ao governo brasileiro - 27/01/2017 - para os esclarecimentos pedidos.

O recebimento desse novo comunicado da ONU coincide com as primeiras audiências realizadas na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, que bem ilustraram a ausência de imparcialidade na condução do julgamento de Lula, como assegura o Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU, confirmado pelo Brasil em 1992. O juiz Sergio Moro revelou profundo desprezo pela atuação dos defensores do ex-Presidente nesses atos, evidenciando suas posições preconcebidas sobre o caso.

Embora as 11 testemunhas de acusação ouvidas tenham afastado qualquer participação de Lula no recebimento de vantagens indevidas e em relação a qualquer relação entre o ex-Presidente e o triplex do Guaruja, Moro afirmou que a defesa era "retórica" e desprovida de argumentos.

Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins
CONGRESSO EM NOTAS
No.44, 27/11/2016
MEDIDAS CONTRA CORRUPÇÃO: EXCEÇÃO LEGALIZADA.
Foram aprovadas em comissão e estão prestes a ser votadas em Plenário as dez medidas contra a corrupção (PL 4850/216). Mais grave do que a anistia ao caixa dois é a legalização das medidas de exceção que está em vias de ocorrer. Como aponta o portal Justificando, “a cada relatório que passa na Câmara, muda-se por completo as alterações (sic) no sistema punitivo brasileiro e são introduzidas matérias que nunca foram debatidas”. É o caso da institucionalização da plea bargain , em que o réu – normalmente uma pessoa negra e pobre – é forçado a assumir a culpa para ter uma pena menor do que seria a imposta pelo juiz, “para não enfrentar o processo comandado por uma Magistratura que quer se ver livre de julgar”. É também o caso da criação de uma “’Comissão de análise de denúncias de corrupção’, que não fazem parte do Poder Judiciário, mas tem poder de investigar denúncias sem o conhecimento do denunciado, podendo, inclusive, ‘tomar as medidas cabíveis’” – uma espécie de recriação do SNI. Há, ainda, restrição severa à prescrição de crimes, teste de integridade, ampliação excessiva do rol de crimes hediondos, permissão de provas ilícitas obtidas de boa-fé, etc. Em suma, o legislativo está desmontando o Estado de Direito brasileiro a toque de caixa.
MEDIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO: INICIATIVA. A proposta, de 12 Procuradores da República, foi apresentada formalmente por membros da bancada carismática/evangélica e da bala – as assinaturas não foram suficientes para um projeto de iniciativa popular. Como aponta o Subprocurador-Geral da República Eugênio Aragão, o que o MPF quer é um projeto de “interesse corporativo”, que expande as competências do Ministério Público, criando obstáculos à defesa. De fato, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, criou uma força-tarefa de 40 procuradores para fazer lobby no Congresso. Em voto em separado, o Deputado Paulo Teixeira lembrou que a Presidenta democraticamente eleita Dilma Rousseff apresentou ao Congresso propostas de regulamentação da Lei Anticorrupção, criminalização do caixa dois, ação para extinção da posse e propriedade de bens que procedam de práticas criminais, etc, mas estas não foram adiante.
MEDIDAS CONTRA CORRUPÇÃO: ANISTIA AO CAIXA DOIS. Pegando carona no projeto do MPF, o Presidente da Câmara e os líderes dos maiores partidos (PMDB, PSDB, PT, DEM) tentam anistiar o caixa dois. Diante da polêmica sobre o assunto, Rodrigo Maia (DEM/RJ) encerrou a sessão, mas fez um discurso duro contra a interferência indevida entre os poderes – em resposta a uma nota divulgada pelo juiz Sérgio Moro contra a anistia. O PSOL propôs que a votação fosse nominal (registrando a posição de cada deputado) e não simbólica, mas o requerimento foi rejeitado. Apenas PHS, PPS, PDT, PV e Rede encaminharam para que as votações fossem nominais. 27 dos 58 Deputados do Partido dos Trabalhadores se manifestaram contra a anistia.
MEDIDAS CONTRA CORRUPÇÃO: PROTEÇÃO ÀS CASTAS. As medidas excluem a previsão de crime de responsabilidade de procuradores e juízes, produto da pressão de Deltan Dallagnol. Tal exclusão foi objeto de polêmica, mas dez membros da comissão foram trocados para assegurar a aprovação do texto. Chegou a constar em uma das versões do relator Deputado Onyx Lorenzoni (DEM/RS), mas foi retirada posteriormente, a provisão de que os procedimentos contra agentes políticos poderiam durar no máximo seis meses – e depois deveriam ser arquivados. Como se pode constatar, uma e outra medida atentam contra o Estado de Direito ao pretenderem criar privilégios para membros de corporações estatais já titulares de muitas proteções e excepcionalidades.
ABUSO DE AUTORIDADE. A proposta teve urgência aprovada. Atacado pela grande mídia como iniciativa para “abafar a Lava Jato”, o projeto contra o abuso de autoridade (PLS 280/2016) é uma tentativa de estancar o estado de exceção criado pelo exercício de poder ilimitado de procuradores e juízes. Leia detalhes sobre o projeto nesta matéria do GGN. Uma listagem dos abusos previstos encontra-se neste infográfico, onde destacamos a possibilidade de promover prisões ilegais, promover constrangimentos e humilhações, franquear a exposição ilegal na mídia, legalizar ameaças a potenciais depoentes e constranger o direito de defesa.
IMPECHMENT DE TEMER/GEDEL. A oposição irá apresentar pedido de impeachment de Michel Temer, a partir das revelações feitas por Marcelo Calero sobre a pressão para liberação de empreendimento imobiliário em região histórica de Salvador. A previsão é a do artigo 7° da Lei do Impeachment: “servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua”.
BLINDAGEM DE GEDDEL NA CÂMARA.  O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) protocolou em 10 de outubro projeto (PDC 540/2016) para sustar norma que permitia ao Iphan embargar obras. A data é a mesma em que o nome do parlamentar aparece na agenda de Geddel Vieira Lima para uma audiência, segundo o Painel da Folha. Seis requerimentos de convocação de Geddel para prestar esclarecimentos foram rejeitados pela base do governo na Comissão de Cultura.
EMENDA CLAUDIA CRUZ. O Senador Romero Jucá (PMDB/RR) conseguiu emplacar a “emenda Claudia Cruz”, que autorizaria familiares de agentes públicos a repatriar recursos do exterior. A oposição, liderada por Humberto Costa (PT/PE), recorreu à CCJ do Senado.
CPI INCRA FUNAI. Foi aprovado o plano de trabalho da CPI do Incra e da FUNAI, investida da bancada ruralista contra as demarcações e a reforma agrária. Parlamentares do PCdoB, PT, PSOL, PSB e PDT protocolaram mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, porque a CPI não tem objeto determinado, como estabelece a Constituição. Essa é uma continuidade da CPI sobre o mesmo tema instalada em 2015. Para o deputado Nilto Tatto (PT-SP), “A nova CPI é um desejo apenas de ruralistas, pois a comissão anterior terminou sem apresentar nada. Foram gastos mais de R$ 180 mil em passagens, diárias e alimentação para não apresentar um relatório. Por isso, entendemos que esta nova CPI deve ser anulada. Eles só querem sucatear ainda mais a Funai e o Incra, que são os órgãos responsáveis pela implementação das políticas públicas para essas populações”, referindo-se a indígenas e quilombolas. Povos indígenas e comunidades tradicionais foram impedidos de acompanhar a sessão da CPO, e foram reprimidos pela Polícia Legislativa com gás de pimenta.
O jurista Temer e os conceitos de privado e público
Longe dos olhares protetores, ternos e apaixonados dos entrevistadores do Roda Viva, a coletiva de hoje comprova que Temer é um hipossuficiente.
É humilhante para o país – principalmente sabendo que na coletiva apareceram correspondentes internacionais – que um presidente, pretensamente dotado de saber jurídico, trate como mero conflito entre Ministros um caso clássico de advocacia administrativa.
Para um país que, após o golpe, passou a ser tratado como uma republiqueta latino-americana, sem segurança jurídica, a fala de Temer rebaixa ainda mais a imagem do país.
O fato concreto é que seu principal Ministro, Secretário Executivo Geddel Vieira Lima, pressionou um Ministro da Cultura, em escalão inferior na hierarquia do governo, para quebrar o galho de um edifício do qual ele seria um feliz proprietário – quase certamente como taxa de sucesso, caso conseguisse liberar a obra.
Acossado, o Ministro da Cultura procura o presidente para relatar a pressão. Qualquer mandatário minimamente preparado se daria conta de que havia um crime em curso, convenceria o Ministro pressionado a não pedir demissão e demitiria incontinenti o Ministro que pressionou. Ou, pelo menos, acabaria com a discussão ordenando a Geddel que parasse com as pressões.
Simples assim.
Em vez disso, Temer tentou transferir o processo para outra instância, a AGU (Advocacia Geral da União), para encontrar uma saída para seu Secretário de Governo.
Em qualquer país civilizado, com discernimento mínimo sobre certo e errado, legal e ilegal, público e privado, os princípios abaixo são axiomas inquestionáveis:
Se um Ministro luta por um projeto no qual ele tem interesses pessoais, sua motivação é privada, mesmo que seja um assunto pertinente a sua área.
Se o Ministro interfere no tema, que sequer tem a ver com sua área, não se trata de disputa entre Ministros, mas de tentativa de advocacia administrativa, tráfico de influência, corrupção explícita.
Se o Presidente interfere em favor do Ministro amigo, induzindo a transferir a questão para outra área, comete crime.
Se o Ministro-Chefe da Casa Civil Eliseu Padilha interfere, ele também comete tráfico de influência.
Não há diferença entre ordenar e sugerir, quando a conversa se dá entre um Presidente da República e seu Ministro, ou entre qualquer chefia e seu subordinado.
A incapacidade de Temer de dizer não ao seu escudeiro, mostra uma fraqueza de caráter indesculpável, uma falta de autoridade ampla.
É por aí que se entende a influência sobre ele de políticos primários, como Geddel, de grandes raposas, como Eduardo Cunha, de pequenas raposas, como Eliseu Padilha, e de grandes autoritários, como José Serra.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Alberto Youssef inocenta Lula

Doleiro é a nona testemunha de acusação do MPF-PR a falar em processo contra Lula e é a nona a dizer que não sabe de nada que incrimine o ex-presidente
O doleiro Alberto Youssef disse, em depoimento nesta sexta-feira (25) na Justiça Federal do Paraná, que não conhece pessoalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que jamais tratou com políticos que não fossem do PP sobre valores oriundos de contratos na diretoria de Abastecimento da Petrobras e eventuais fraudes ou desvios envolvidos nessas contratações.
O doleiro falou à Justiça na condição de testemunha de acusação do MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná), em processo em que os procuradores acusam Lula de ser o "dono oculto" de um apartamento no Guarujá. Apesar disso, Youssef não ter nenhuma informação sobre o imóvel, nem nunca ouviu falar de nenhuma informação de propina ou vantagem indevida ao ex-presidente da República ligada ou não ao apartamento.
Perguntado pelos procuradores, Youssef disse que apenas uma vez ouviu a voz de Lula ao telefone. Foi em uma conversa feita com o viva voz ligado. Era uma uma conversa entre José Janene (PP) e Aldo Rebelo (PC do B), sendo que Lula estava ao lado de Rebelo, sobre a demissão de um servidor do ministério da Saúde pelo então ministro Humberto Costa. De acordo com o que contou Youssef, Janene estava irritado pelo fato de o funcionário ter sido demitido sem ter a chance de pedir demissão. O pepista teria dito um palavrão, e Lula interveio para que não ofendesse outras pessoas. Isso foi tudo que conseguiu dizer sobre Lula a testemunha de acusação.
O doleiro se negou a responder sobre acordos de delação assinados em países estrangeiros. Ele é a sexta testemunha arrolada pelo Ministério Público que se recusa a responder sobre negociações com autoridades estrangeiras, sempre com a anuência do juiz de primeira instância que preside as sessões, Sérgio Moro.
A bancada petista rachou. O PT tem 58 deputados e o grupo majoritário – chamado Construindo um Novo Brasil (CNB) – é favorável à anistia ao caixa 2. Mas um grupo de 26 deputados divulgou um manifesto (leia aqui a íntegra) de repúdio à anistia.
A votação do projeto das 10 medidas contra a corrupção foi adiada nesta 5ª feira (24.nov). Deputados de vários partidos articulavam a votação de uma emenda que anistiasse os crimes de caixa 2 realizados no passado. A maior parte era da base aliada ao governo de Michel Temer.
Alguns petistas pediam a liberação de bancada. Os 26 que assinaram o documento contra a anistia são membros do Muda PT, união de grupos mais à esquerda dentro do partido. O dissenso pode ser a gota d’água para uma diáspora da legenda.
A vice-líder do partido na Câmara, deputada Maria do Rosário (RS), é de uma das correntes que integra o grupo Muda PT. Segundo ela, há um descontentamento desses 26 deputados com decisões internas.
“Não só a anistia ao caixa 2, mas muito tem acontecido no PT que deixa essa parte da bancada descontente e faz com que pense nisso [deixar a legenda]”, afirmou. “Mas ainda há muito a se perder [ao sair do PT]. O partido ainda tem uma base social forte”, disse.
Caso esses 26 deputados deixem a legenda, a bancada ficará com 32 cadeiras. Seria o menor número desde 1986, há 30 anos, na 2ª eleição disputada pelo partido, quando elegeu 16 deputados.
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Na 1ª eleição do ex-presidente Lula, o partido teve seu auge de eleitos: 91. Em 2006 e 2014, pleitos próximos a escândalos de corrupção envolvendo a legenda, a bancada teve queda: 83 e 69 deputados, respectivamente.
Desde as eleições de 2014, a bancada já perdeu 11 deputados. Somados aos 26 que ameaçam a debandada agora, poderia significar um encolhimento de mais da metade da bancada eleita em 2014.

do UOL

Xadrez do golpe no golpe

A delação do ex-Ministro da Cultura Marcelo Caleró deflagra o primeiro passo da operação golpe no golpe.
Ontem, em Brasília, me relataram conversas de Eliseu Padilha em 2012, com um empresário conterrâneo, adiantando a estratégia de sua turma. Apoiariam Dilma em 2014 e no dia seguinte começariam a batalhar pelo impeachment.
O PSDB foi a reboque. Mas controlando o STF (Supremo Tribunal Federal) e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça)  através da Ministra Carmen Lúcia, e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), através de Gilmar Mendes, e a PGR (Procuradoria Geral da República) através de Rodrigo Janot, era questão de tempo para adiantar o golpe no golpe.
Ele veio com Marcelo Calero. Não se trata apenas de um diplomata que saiu do nada para o MinC. Trata-se de Marcelo Caleró, 4560, candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro em 2010, pelo PSDB.
Bastará agora ir fervendo o caldeirão até virar o ano. Virando o ano, o TSE resolve a questão e a Câmara partirá para eleger um presidente pela via indireta.
Amanhã desdobraremos mais esse Xadrez.

Tomazo Garzia Neto: Enquanto China e Coreia apoiam setor naval com dinheiro público, Brasil discute rever lei do conteúdo local!

24 de novembro de 2016 às 08h20

  
Da Redação
O setor naval está em crise em todo o mundo. Primeiro, por causa da retração econômica generalizada. Depois, por causa da queda do preço de petróleo, com o adiamento ou a suspensão de planos e projetos de investimento para buscar petróleo em alto mar.
No Brasil, a crise foi agravada pelas consequências da Operação Lava Jato, que aprofundaram as dificuldades para conseguir crédito.
No setor de engenharia de projetos, no qual o Brasil é autossuficiente, a crise implicou em cerca de 5 mil demissões, de acordo com o engenheiro Tomazo Garzia Neto, presidente da Projemar. Ele participou, no Rio, do evento promovido pelo Clube de Engenharia para debater a Petrobras e o pré-sal.
Em sua fala, Tomazo menciona a Iesa, do Grupo Inepar, a UTC, a Sete Brasil e a própria Odebrecht — todas atingidas direta ou indiretamente pelas investigações e pela megapublicidade das ações da Lava Jato.
O que chama a atenção na palestra de Tomazo é a diferença com que os governos enfrentam a situação. Na Coreia, segundo ele, o governo pretende encomendar 250 navios a estaleiros locais e investir U$ 1 bi. China, Japão, França e Singapura também atuam para reforçar ou salvar o que sobrou do setor.
Enquanto isso, diz ele, no Brasil o debate é sobre a redução da exigência de conteúdo local nas encomendas da Petrobras. Em busca de garantir lucros dos acionistas acima de tudo, a própria estatal decidiu fazer grandes encomendas no Exterior.
O grande risco é que todo o saber desenvolvido por empresas locais, antes e durante a descoberta do pré-sal, agora seja simplesmente transferido para empresas que gerem lucros e empregos fora do Brasil.
Não é por acaso que Tomazo inicia sua palestra com a famosa frase de Ivan Lessa: “A cada quinze anos, o Brasil esquece os últimos 15 anos”.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Embate entre Moro e os advogados de Lula
O super-juiz se acredita acima da lei.


SÃO PAULO - Os advogados de Luiz Inácio Lula da Silva voltaram contestar o juiz Sérgio Moro na abertura da audiência desta quinta-feira, na qual foi ouvida como testemunha de acusação do ex-presidente o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, um dos delatores da Lava-Jato. Moro havia consignado que o depoimento de Cerveró ficaria para esta quinta-feira porque a defesa havia levantado "inúmeros incidentes", atrasando a audiência marcada para a tarde de quarta-feira, dia 23, quando o ex-executivo da estatal seria ouvido.Os advogados de Lula quiseram registrar na ata que a defesa não levantou "incidentes", mas questões pertinentes e jurídicas sobre a condução da própria audiência e a condição das testemunhas ouvidas.
Moro retrucou:
— Na opinião do juízo permanece como incidentes... atrasou a audiência.
— Estávamos aqui para ouvir a testemunha, vossa excelência é que aparentemente tinha compromisso — afirmou um dos advogados de Lula.
— A defesa tumultou a audiência, como tem tumultuado as outras audiências — respondeu Moro.
— O direito de defesa está sendo visto pelo senhor como tal — retrucou o advogado.
Outro advogado de Lula interveio para afirmar que Cerveró não deveria ser ouvido na condição de testemunha, pois assinou acordo de delação premiada e tem interesse em manter as vantagens obtidas por meio dele.
— Cerveró tem interesse e não tem isenção para depor na condição de testemunha, assinou acordo de delação. Está evidente, Dr. Moro, que o Ministério Público Federal traz as testemunhas que fizeram acordo de colaboração com o evidente objetivo de validar acordos nulos, porque prestados sob a coação da prisão. Prisão é coação e, para essas testemunhas, é tortura. Sem voluntariedade, não há validade. Ela (a testemunha) comparece sem liberdade de declaração, ela tem que reproduzir ipsis literis (nos mesmos termos) as declarações do acordo sob pena de não perder as vantagens. É suspeita de parcialidade e indigna de fé — afirmou.
Moro afirmou que a afirmação da defesa de Lula afronta a lei e que o acordo de Cerveró foi feito com a Procuradoria Geral da República e homologado pelo Supremo Tribunal Federal.
Um dos advogados quis interromper, mas Moro impediu:
— Estou falando, o senhor respeite. Não lhe dei a palavra novamente.
E continuou:
— Além de não ter procedência, as afirmações são ofensivas ao Supremo Tribunal Federal, que teve o zelo de verificar se o acordo se fazia com voluntariedade, com contato direto de juízes auxiliares com os colaboradores. É fora do contexto e não tem a menor procedência — afirmou.

Moro registrou o contradito da defesa, mas afirmou que não retirava a tomada de compromisso e iniciou o depoimento de Cerveró.
Nestor Cerveró deveria ter sido ouvido na tarde de quarta-feira, na sequência de outros depoentes. A audiência foi longa, atrasou e o depoimento dele foi remarcado para 11 horas desta quinta-feira.
Na segunda-feira, 21, Moro e os advogados de Lula já tinham discutido. Os defensores reclamaram de ter o trabalho cerceado pelo magistrado, que, por sua vez, os acusou de tentarem tumultuar o processo. Na terça-feira, a defesa apresentou a Moro reclamação por escrito sobre a audiência. Para os advogados de Lula, o juiz não obedeceu o artigo 212 do Código de Processo Penal ao permitir que o Ministério Público Federal fizesse perguntas às testemunhas que iam além do objeto da denúncia.


do G1
por Janio de Freitas
O enredo em que se inclui a ação audaciosa e impune de Geddel Vieira Lima não tem a simplicidade de um golpe a mais de tráfico de influência, como é tratado. Se não está no início, Michel Temer está no meio de um encadeamento de atos merecedores de mais do que uma nova anotação na folha corrida de Geddel.
Entre os primeiros atos de pretensa organização do seu governo, Temer decidiu extinguir o Ministério da Cultura, ao qual se ligava o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan. Uma secretaria, de preferência pendurada na Presidência da República, substituiria o ministério. A explicação para o rebaixamento foi a redução de gasto. Inconvincente, porque o próprio Temer, surpreendido pela reação de intelectuais e artistas, dizia serem mantidos na secretaria todos os programas e funções do ministério. Logo, também os gastos significativos.
As críticas venceram. Temer recuou, emitindo medida provisória de recriação do ministério. Nela, porém, uma farpa intrometia a criação da Secretaria Nacional de Patrimônio Histórico. A exemplo das demais secretarias, aninhada na Presidência. A finalidade desse órgão foi captada pelo repórter Evandro Éboli ("O Globo") com a deputada Mara Gabrilli, relatora da MP: "Mergulhei para entender a importância dessa secretaria [Mara ouviu muita gente]. E vi que a importância dela era tirar a importância do Iphan" –o responsável, entre muitos fins, por julgar a relação entre o patrimônio ambiental e empreendimentos (oficiais ou privados) que possam prejudicá-lo. Caso da edificação defendida pela advocacia administrativa de Geddel Vieira Lima.
A deputada retirou da MP a criação da secretaria que ia muito além da suspeição de finalidade. Ficou porém, indelével, a autoria de Michel Temer na sequência de atos pouco explicados e nada justificáveis, referentes a decisões sempre representativas de alto valor financeiro, além de outros valores. Inalcançados os objetivos dos atos de Temer, Geddel viu-se na contingência de pressionar o então ministro Marcelo Calero, para obter-lhe a licença da edificação negada pelo Iphan.
Nesta altura, cabe um recuo no enredo, para registrar dois outros atos inexplicados. O Instituto do Patrimônio na Bahia é regido pelos mesmos princípios e fins do Iphan central, mas cedera a licença. O prefeito de Salvador, ACM Neto, com tanta responsabilidade pelo patrimônio ambiental da cidade quanto o Iphan, também autorizou a edificação prejudicial. Em gravação telefônica do presidente da OAS, Léo Pinheiro, ficou a comprovação de visita em que Geddel obteve concessão de ACM Neto. Mais de uma. Fatos que mereceriam ser investigados.
Tanto ou mais do que eles, conviria uma investigação da Polícia Federal da "compra" de apartamento alegada por Geddel, como razão do seu interesse no gabarito extraordinário do prédio. São dados importantes nos casos de advocacia administrativa, em que não são raras retribuições em imóvel ou outros bens, se houver êxito da manobra no governo para o privilégio pretendido. Investigar não só por se tratar de Geddel com seu histórico particular, mas por muitos acreditarem que o Brasil pós-Lava Jato não é mais o mesmo.
Na Câmara, Geddel já se livrou, com apoio do PSDB, do depoimento sugerido mais em seu favor do que contra. Suas lágrimas sensibilizaram os líderes. Geddel, aliás, é um caso de lacrimoso bem sucedido. Como integrante dos "Anões do Orçamento", o grupo de baixinhos que deturpava o Orçamento do país em favor dos próprios bolsos, escapou da cassação por passar uma noite inteira chorando e implorando a Luís Eduardo Magalhães, seu adversário, que conseguisse excluí-lo da lista de punições em montagem naquelas horas. Hoje é uma pessoa rica, para a qual Antonio Carlos Magalhães criou o bordão lembrado por determinadas informações: "Geddel foi às compras". O patrimônio subira.
Calero duvidou da idoneidade de Geddel. Michel Temer, não. Levou-o para a Presidência da República sabendo muito bem a quem entregava uma boa fatia do poder. Se aí não for o início do enredo, Michel Temer está ainda mais atrás.

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Do Jornal GGN:
Muito barulho por muito que está em jogo para a sociedade brasileira

A presença, terça feira, de Deltan Dallagnol na Comissão Especial que examina o projeto de lei relativo às "10 Medidas" proposto pelo Ministério Público Federal (MPF) com uso populista do instrumento de iniciativa popular, teve algo de grotesco. Estava o procurador cercado de militantes do sedizente "Movimento Brasil Livre" (mais conhecido como a turma do Quim Cataguiri, que esquece de ir às ruas para pedir a cabeça de Geddel Vieira Lima), a regozijar-se com sua popularidade, sob fortes holofotes da mídia.

Ingressei no MPF em 1987, época em que buscávamos nossa inserção na sociedade civil, mais ouvindo do que falando. Colegas participaram do Primeiro Encontro dos Povos da Floresta no Acre, outros se juntaram à Ação pela Cidadania liderada pelo saudoso Senador Severo Gomes e mais outros se articulavam com o movimento indigenista. Ninguém tentava impor agendas, buscávamos discretamente identificar demandas e usávamos nossas atribuições para vir em seu apoio.

Nosso perfil institucional era baixo. E entendíamos que era importante mantê-lo assim, para não desviar de nossos propósitos, na luta por um Brasil mais respeitador de direitos. Foi assim que a sociedade foi reconhecendo, aos poucos, a importância do ministério público nas agendas de direitos humanos, individuais e coletivos. De uma relação de desconfiança (não são evidentes virtudes de um órgão de estado vinculado à repressão), foi-se solidificando uma profícua parceria.

Na constituinte de 1987-1988, fomos festejados com entusiasmo por muitos parlamentares identificados com o esforço de democratização das relações sociais e logramos ser enormemente fortalecidos no nosso estatuto constitucional. Agora éramos erigidos à condição de instituição defensora da democracia e dos direitos fundamentais. Nunca houve na história do Brasil galardão maior para o ministério público. Mas, também, nunca tínhamos recebido responsabilidade mais grave do que essa e corresponder-lhe seria missão delicada. É mais fácil perder a confiança do que conquistá-la. Manter o baixo perfil, fugir do personalismo, cultivar autocontenção e ter mais ouvidos do que boca seriam condições fundamentais para preservar nosso papel no estado brasileiro.

Esse modelo de ministério público prevaleceu, pode-se se dizer a grosso modo, até o impeachment do presidente Collor de Mello. A visibilidade enorme que o lado punitivista das funções ministeriais recebeu então na mídia reforçou muito o prestígio da atuação em matéria criminal. Aliado a isso, atraiu muitos jovens que se miravam no exemplo dos procuradores sérios e "incorrompíveis". Esse perfil de jovem foi a clientela de inúmeros concursos desde então, com raras exceções, é claro.

Com o passar dos anos, assistimos ao crescimento da atuação criminal sobre a tutela coletiva. Cada vez mais, procuradores enfrentavam administradores e políticos, seja na persecução de crimes financeiros ou contra a administração, seja na propositura de ações de improbidade.

O modelo mais punitivista do que resolutivo da atuação do ministério público foi cristalizando mentalidade moralista na instituição, vendo-se, muitos procuradores, como vocacionados a esgrimir a espada afiada da justiça. E, convenhamos, se dá Ibope, mais fácil é agir pelo viés da culpa, do que pelo viés da solução de problemas.

Paralelamente, o poder de fogo do ministério público lhe conferiu muito prestígio numa sociedade bombardeada por notícias interesseiras de malfeitos dos outros. Esse poder de fogo foi correspondido com o crescimento dos ganhos da categoria. Logo se verificou que, quanto mais risco se produzia, mais fácil a administração cedia aos reclamos de aumento de subsídios. Procuradores não precisaram jamais fazer greve, sempre foram atendidos com toda pompa em gabinetes parlamentares e governamentais.

Criou-se um ciclo vicioso na instituição, em que objetivos corporativos foram se mesclando com fins institucionais. A Força Tarefa da chamada Operação Lava Jato é o exemplo mais eloquente disso. Trata-se de iniciativa de jovens procuradores da república, embevecidos com seu poder de fogo e muito cúpidos em aparecer na mídia para posarem de bons moços, enfim, o "lado do bem". Esse marketing é essencial para alavancar a corporação para patamares mais altos de prestígio social e de reconhecimento como ativo essencial do estado, merecedor de maior investimento orçamentário.

Não é à toa que propostas de "combate" ao mal vêm acompanhadas de sugestões de incremento de meios financeiros através da apropriação de parte dos recursos desviados por ações criminosas, com escopo de destiná-la ao orçamento do ministério público. Por isso, também, a reação da Procuradoria-Geral da República à PEC 241 (PEC 55 no Senado) não foi de desafiar sua constitucionalidade por conta da inviabilização de direitos fundamentais e, sim, de fazê-lo por restringir sua iniciativa orçamentária: quando o pirão é pouco, o meu primeiro.

As chamadas "10 Medidas" são mais do mesmo: uma tentativa de sacrificar garantias fundamentais em nome do "combate" à corrupção. Como é feia essa expressão "combate", pois pressupõe uma "guerra", em que "os criminosos" são os "inimigos" - assim como qualquer um que ouse se opor a essa empreitada (esses são os "desonestos", na visão estreita do Procurador-Geral da República).

Desonesta é a iniciativa em si. Tomando forma de "iniciativa popular", dela nada tem. As propostas foram elaboradas por um seleto grupinho de procuradores vinculados à Operação Lava Jato, sem maior discussão interna. Foram abraçadas pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (órgão da cúpula institucional) e pelo próprio Procurador-Geral da República. O marketing das medidas foi feito no sítio oficial do MPF na rede mundial de computadores e vários veículos de serviço foram envelopados com a publicidade das medidas Brasil afora. Tudo com recursos públicos.

Colher 2.000.000 de assinaturas foi a parte mais fácil com esse apoio de campanha publicitária oficial e com o induzimento permanente, na opinião pública, de que o mal maior a "combater" no Brasil é a corrupção. O MPF é ator que carrega a maior responsabilidade pela disseminação da obsessão nacional pelo tema da corrupção, que conseguiu empurrar para o fundo do palco a luta por direitos, a luta pela inclusão, a luta contra a desigualdade social, esta sim, o maior problema brasileiro.

E o MPF não é um ator desinteressado nesse "combate" que estimula. Dele depende hoje a intangibilidade de seu perfil institucional (e corporativo) vigente, pois muitos outros atores políticos já se deram conta da disfuncionalidade desse "monstro" (apud Ministro José Paulo Sepulveda Pertence, procurador-geral à época da constituinte) em que o ministério público se transformou ao longo das últimas duas décadas. E só mantendo aceso o fogo do moralismo punitivista conseguem, os procuradores da república, afastar, hoje, qualquer iniciativa de redução de seu status e de mudança do regime de atuação do órgão.

O uso indevido da iniciativa popular como forma de apresentação das "10 Medidas" configura, em verdade, profunda deslealdade para com o legislativo. Quer-se submetê-lo à pressão do clamor das ruas, ferindo o princípio do convívio harmônico entre os poderes. O MPF teria meios mais idôneos para colocar em debate parlamentar propostas de controle da corrupção. Tem o Procurador-Geral da República iniciativa legislativa no que toca à atuação da instituição. Tem, ele, também, acesso permanente aos chefes de poderes para fazer suas propostas dentro de um quadro de cooperação. Então para quê essa iniciativa popular travestida? É porque a instituição ministerial não tem confiança e sabe que dela também deixou de gozar, na relação com os demais poderes, dada sua reiterada atuação conflitiva, com finalidade de reforçar sua musculatura reivindicativa.

Chegou a hora da verdade, quando a Câmara dos Deputados está a discutir o relatório do deputado Onyx Lorenzoni sobre as medidas. A presença de Deltan Dallagnol nesse teatro não significa nada de bom. É mais uma desaforada "pressãozinha" sobre a comissão especial, não tendo o membro do MPF sequer escrúpulos de se mostrar rodeado pelo que há de pior no cenário político brasileiro: os militantes celerados e seletivos do MBL, verdadeira "Sturmabteilung" (SA) formada pela oposição ao governo legítimo de Dilma Rousseff, para desestabilizá-lo e criar um ambiente de comoção social no País.

As medidas propostas, aliás, se coadunam bem com esse espírito de "Sturmabteilung". Reforça-se na ordem jurídica brasileira o direito penal da pessoa, em contraposição ao direito penal dos fatos. Essa visão fascista da função punitiva do estado pressupõe que há pessoas mais ou menos inclinadas ao crime. E as que revelam essa inclinação não merecem outra coisa que serem expurgadas da comunidade sadia do povo: "ausgemerzt aus der gesunden Volksgemeinschaft", no melhor jargão nacional-socialista. Cria-se, assim, a figura essencial do inimigo do povo, bode expiatório necessário para mobilizar o ódio cego da coletividade e torná-la servil aos que querem conduzi-la para fora do "lamaçal" da política parlamentar e partidária. O que sobra depois é somente um líder "moral" autoproclamado que pretenda governar contra os direitos e sepultar a própria política.

Apenas para exemplificar, examinemos algumas das propostas, sem esforço de exauri-las, dados os naturais limites deste artigo.

Uma das medidas pretende tornar obrigatórios, no serviço público, os chamados "testes de integridade", verdadeiro ataque à dignidade humana. Servidores devem se submeter a situações simuladas, sem seu conhecimento, de tentativa de corrupção. Se o servidor falhar e aceitar a ilusória propina, será afastado do serviço público. Lembra-me a prática escravocrata de madames que querem testar a honestidade de suas criadas domésticas. Colocam um anel de ouro sobre a mesa para incitar a empregada ao furto e uma câmera escondida. Flagrada no "crime", a mesma é dispensada por justa causa! Ocorre que nenhum juiz do trabalho consciente sacramentaria essa prática degradante. E por que deveríamos tolera-lá no serviço público? Parece-me que o estado deve dar exemplo de integridade na relação de trabalho e não se portar como um escravocrata.

Outra medida trata da convalidação de prova ilícita colhida de "boa fé". Como em várias outras propostas, cuida-se de enfraquecer a defesa e de "turbinar" a acusação, de certa "meganhização" da persecução penal.

É importante lembrar que garantias processuais existem para estabelecer um contrapeso ao desproporcional poder do estado na contenda contra cidadãos individuais. Falar em paridade de armas no processo penal é um despropósito. A assimetria entre acusação e defesa é tamanha, que se impõe reforçar os direitos do imputado. A acusação, no Brasil, senta ao lado do juiz. Nos tribunais, ao lado do presidente. Com ele cochicha e depois participa do lanchinho dos magistrados, numa relação marcada por tapinhas nas costas. Os advogados não gozam desse privilégio. Submetem-se a horas de chá de cadeira, são muitas vezes recebidos sem qualquer interesse ou gentileza do magistrado, sobem à tribuna para defender seus constituintes e expõem suas teses orais enquanto os magistrados ficam ostensivamente batendo papo entre si.

Chega a ser um escárnio à cidadania querer, nesse contexto, facilitar ainda mais o trabalho da acusação. Antes de mais nada, cumpriria tirar o acusador do lado do juiz, fazê-lo subir à tribuna para se expor ao contraditório real de teses e vedar-lhe a frequência anti-republicana aos lanchinhos com tapinhas nas costas.

Os poderes investigatórios da acusação são quase ilimitados e frequentemente se nega à defesa o acesso pleno aos elementos de convicção colhidos. O mínimo que se deve exigir que esses elementos sejam arrecadados num quadro de indiscutível legalidade. Convalidar prova ilícita é abrir a caixa de Pandora para mais abuso, mais autoritarismo e menos direitos. Desequilibra fundamentalmente a relação processual.

O direito brasileiro, desde o processo contra Collor de Mello, no Supremo Tribunal Federal, se guia, na validação da prova, pelo princípio da árvore envenenada, de origem norte-americana. Todas as provas derivadas de prova ilícita são nulas, como a prova ilícita em si. É curioso que o ministério público em sua travestida iniciativa popular, se ampara, em algumas das medidas propostas, no direito comparado norte-americano, mas só no que facilita a acusação. Quando se tem instituto da mesma origem que protege os direitos da defesa, quer-se eliminá-lo na experiência brasileira. A esse tipo de oportunismo jurídico pode-se chamar de "law shopping" e consiste em se servir a gosto do vasto cardápio de institutos encontradiços no direito comparado, fora de seu contexto e isolados de seu sistema de compensações. O direito norte-americano pode dar enormes poderes às autoridades persecutórias, mas impõe-lhes gravames correspondentes. Optar por trazer ao direito brasileiro os poderes excepcionais sem esses gravames leva a uma situação absurda de desprezo a direitos e garantias processuais.

Nessa mesma linha também está a tentativa de se acabar com a prescrição retroativa. Cria-se com essa medida enorme zona de conforto para a acusação. A prescrição retroativa, aquela que extingue a punibilidade a partir da pena aplicada pelo juiz no caso concreto, incidindo sobre o prazo excessivo entre o fato e a denúncia ou entre esta e a condenação, foi estabelecida pela reforma do Código Penal de 1984. A intenção era claramente a de obrigar a acusação e o juízo criminal a agir com maior celeridade e eficiência, mormente num País onde a vasta maioria dos encarcerados está a aguardar ainda pelo início do processo ou por seu desfecho, isto é, não contam com uma sentença condenatória. A se por fim a esse tipo de prescrição, a tendência será o enorme aumento do número de detentos sem sentença no País e a maior demora na atuação da justiça criminal, tornando-a um cágado de ineficiência, mas, claro escondido por detrás do direito de o ministério público se haver com maior lentidão em detrimento da segurança jurídica dos imputados.

Só esses exemplos mostram a que vieram as "10 Medidas": tornar mais abusado quem abusa de nossos direitos. Sim, porque no Brasil, para ser acusado e preso, basta estar no lugar errado, na hora errada. Quem não deve, faz bem em temer tanto quanto quem deve, porque se você não deve, o ministério público pode dar um jeito de vir a dever.

Os procuradores da república são tudo menos salvadores duma sociedade corrompida. Não há razão para festejar Deltan Dallagnol ao se dispor, este, a colocar contra a parede o legislativo. O parlamento pode não ser santo (e de fato não é, como se constatou ao longo do golpe parlamentar contra a presidenta legítima e como se continua a constatar com a recente iniciativa de se auto-anistiarem, os parlamentares, por seus malfeitos no trato com recursos públicos), mas é nosso único instrumento para deter o crescimento da arbitrariedade policial-judicial-midiática no neste País e conter o leviatã do ministério público, que não cabe em si de tanto poder que acumulou ao longo dos anos de Força Tarefa da Operação Lava Jato e de omissões da cúpula do judiciário em por limites ao apetite populista de seus protagonistas.