Como vivem os moradores de cidade vice-campeã em cortes do Bolsa Família
A agente educacional Lara Denise Heckler, 42 anos, tem uma vida modesta: é merendeira temporária na Escola Estadual Padre Werner, em Nova Petrópolis, desde março de 2014. Ali, ganha um salário bruto de R$ 1.540, cria os dois filhos, de oito e 12 anos, sozinha, não recebe pensão alimentícia, mora de aluguel na cidade onde nasceu, Picada Café, a 90 quilômetros de Porto Alegre, e até outubro pagava o turno inverso das crianças na escola do município – sem o qual não poderia trabalhar – com os R$ 70 mensais que recebia do programa Bolsa Família.
Com os descontos legais, o vencimento da merendeira baixa para R$ 1.333 em média. A situação é agravada porque há nove meses o governo estadual atrasa o pagamento dos salários do funcionalismo devido à crise financeira do Rio Grande do Sul. O resultado é que Lara tem dois empréstimos junto ao Banco do Estado, contraídos para saldar despesas cotidianas. A luta na Justiça para o pagamento de pensão alimentícia pelo ex-marido se arrasta há três anos.
Para o governo federal, entretanto, Lara é um número: 12516530325. O Cadastro Único da merendeira, registrado desde 2014 pela prefeitura de Picada Café e atualizado pela última vez em fevereiro deste ano, foi bloqueado na última segunda-feira (7) pelo MDSA (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário) porque está incompatível com as regras do programa federal.
Dividida pelas três pessoas da família, a renda per capita líquida de Lara e dos dois filhos é de R$ 444. Acima, portanto, dos R$ 170 exigidos pelo programa para a concessão do benefício a famílias com crianças menores de 17 anos.
Lara e a assistente social de Picada Café, Cáthia Noller, criticaram o bloqueio do benefício anunciado pelo governo. "Crio meus dois filhos sozinha. Pago R$ 300 de aluguel, mais uma quantia parecida de água e luz. Pode parecer pouco [o benefício], mas vai fazer muita falta se não recebermos", diz a merendeira. "No cadastro da prefeitura, a situação da Lara é regular. Não sabemos por que o benefício dela foi enquadrado nesse bloqueio", afirmou a assistente social.
Picada Café, que tem 5.000 habitantes, foi a segunda cidade com maior índice de cortes e bloqueios em contratos do Bolsa Família em todo o país – o que não significa que haja uma enxurrada de benefícios. Pelo contrário: são apenas 14 contratos no município, dois quais quatro foram cortados e dois, cancelados. Isso dá um percentual de 43% sobre o total, muito superior à média brasileira de 8% de benefícios suspensos.
Lara concorda que haja rigor na distribuição dos benefícios, mas reclama de que não foi comunicada sobre a necessidade de recadastramento e tampouco informada sobre o pente-fino que seria realizado pelo ministério.
Quem está ganhando indevidamente tem que ser cortado. Mas eu não tenho nada, eu preciso do benefício"
Lara Denise Heckler, merendeira e beneficiária do Bolsa Família
Entre os beneficiários cortados, segundo a prefeitura, há idosos que não têm renda nenhuma.
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