‘Perdemos capacidade de gerar previsão do sistema político’, afirma Avritzer
lilian Milena
do blog luis nassif ggn
Crise do sistema democrático no Brasil comprometeu previsibilidade das eleições e do próprio rumo do país, ponderá cientista político


Jornal GGN – O quadro de instabilidade política no Brasil chegou a tal ponto que os analistas mais preparados perderam completamente a capacidade de gerar previsibilidade sobre os resultados da próxima eleição em 2018 e, mais do que isso, em que condições se dará o novo pleito. A avaliação é do professor Leonardo Avritzer, durante sua participação na segunda rodada do Ciclo Pensando a Democracia, a República e o Estado de Direito no Brasil, realizada nessa segunda (24), em São Paulo.
O atual coordenador do Projeto Democracia da Fafich-UFMG levantou o que chamou de cinco motivos pelos quais defende que, desde 2013, o país vive um estado de crise do sistema democrático.
O primeiro deles foi a oposição não ter aceitado o resultado das eleições de 2014, e uma das evidências foi a entrevista que o senador Aécio Neves concedeu ao jornal O Globo com o título “Eu fui derrotado por uma organização criminosa”, no início de novembro daquele ano.
“Não existe uma construção democrática sólida, se não existe aceitação do resultado eleitoral, e sem a aceitação do resultado eleitoral o que houve foi a perda completa da capacidade de gerar previsibilidade no nosso sistema político democrático”, ponderou Avritzer.
Para o professor, não foi por acaso que a entrevista de Aécio ocorreu no jornal O Globo e, ainda, algumas semanas antes da 11ª fase da Operação Lava Jato, batizada de "A Origem", realizada de forma bastante ruidosa, quando a Polícia Federal cumpriu 32 mandatos de prisão em seis estados e no Distrito Federal.
Fator Eduardo Cunha
O segundo elemento de instabilidade indicado por Avritzer foi o “fenômeno Eduardo Cunha”, considerado pelo cientista político o ponto mais alto de um processo de distorção da representatividade do sistema democrático brasileiro, ao lembrar que o ex-presidente da Câmara dos Deputado não se destacou apenas pelos atos de corrupção, mas também pelo conjunto de negociações fisiológicas que dirigiu junto ao sistema financeiro e, ainda, por tornar a Casa legislativa uma das peças chaves na escaladas da crise enfrentada no país.
“O que Eduardo Cunha faz é levar a um certo paradoxismo as formas de financiamento ilegal, em seguida utilizar o próprio parlamento como uma forma de arrecadação ilegal de recursos e, em terceiro lugar, decidir eleições [de vereadores e prefeitos] contestadas em diversos lugares do Brasil, de maneira a recortar ou reconstruir a representação no Congresso Nacional, de uma forma tal que a governabilidade se tornou impossível no caso da ex-presidente Dilma.
Judiciário e Mídia
A relação entre o Judiciário e a Mídia na cobertura dos casos de corrupção é observada por Avritzer como o terceiro fator central da crise política brasileira, responsável pela desestabilização dos processos eleitorais que ocorreram desde 2014.
“Essa força [criada a partir da relação entre esses dois atores] significa que o Poder Judiciário se arvora na capacidade de rever resultados eleitorais”. Em outras palavras, com o apoio da imprensa, setores do judiciário aumentam sua influência e capacidade de domínio sobre os demais poderes podendo, por exemplo, alterar resultados eleitorais, mesmo que isso signifique tomar decisões que ferem a legislação do país.
Interferência do STF
O quarto elemento desestabilizador da república do Brasil tem sido a atuação do Supremo Tribunal Federal no Poder Legislativo. Um exemplo importante, lembrando por Avritzer, foi quando o Congresso Nacional protocolou naquela Casa um mandato de segurança que questionava a tramitação do pacote das dez medidas de combate à corrupção, criada por procuradores do Ministério Público Federal que, aproveitando a repercussão da Operação Lava Jato, conseguiu angariar dois milhões de assinaturas para fazer entrar a proposta na Câmara dos Deputados.
Na ocasião, o Ministro do STF, Luiz Fux respondeu aos parlamentares extinguindo o processo no Supremo, dando vitória aos MPF. “Se o problema é de construção de um sistema político democrático com elementos de previsibilidade, essa liminar do Ministro Fux, no final do ano passado, é mais um elemento de imprevisibilidade”, concluiu Avritzer.
Redes sociais
O quinto e último fator central desestabilizador da democracia brasileira é o aprofundamento da intolerância, fenômeno verificado na “maneira como a democracia repercute nas redes sociais”, explicou o professor. E um dos trabalhos mais recentes sobre o tema está no livro do cientista-político norte-americano Cass R. Sunstein, chamado #Republic: Divided Democracy in the Age of Social Media
“O problema de como as redes sociais se tornaram gueto das próprias elaborações e concepções políticas é um problema que, na verdade, acentua todos os outros que estão colocados nesta conjuntura”, reforçou Avritzer. Segundo ele, uma das questões fundamentais da obra de Sunstein, e que pode ser aplicada na experiência do Brasil, é que a formação da opinião pública na internet acontece por meio de subgrupos que não enfrentam o debate político com outros subgrupos.
“Uma característica das redes sociais que, na verdade, está reverberando em relação à própria formação de opinião pública”, salientou o docente da UFMG, lembrando em seguida um dos conceitos famosos do pensador liberal Stuart Mill ao afirmar que a construção da política democrática só é possível quando os indivíduos ouvem as ideias diferentes das que eles defendem.
A série de palestras do Ciclo Pensando a Democracia, a República e o Estado de Direito no Brasil continuará nos próximos meses em encontros alternados que vão acontecer em Belo Horizonte, todas as primeiras segundas-feiras do mês, no auditório do BDMG, e em São Paulo nas últimas segundas-feiras do mês, no Teatro Aliança Francesa, com transmissão ao vivo do Jornal GGN dos encontros que ocorrerão na capital paulista. Clique aqui para mais informações.
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