segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A política econômica e social do golpe
A PEC 241 rebaixa apenas gastos públicos não financeiros, e altera radicalmente a orientação política econômica e social. Tal como o AI-1 da ditadura, de 52 anos atrás, com a limitação dos gastos públicos
Tal como em 1964, os golpistas de 2016 também não se satisfizeram com a retirada arbitrária do presidente eleito democraticamente. Essa foi apenas a primeira parte, necessária para que a implantação de uma nova política econômica e social se tornasse possível, pois pelo voto isso dificilmente ocorreria.
Logo no início da ditadura civil-militar (1964-1985), alguns democratas descontentes com o governo de João Goulart declararam apoio ao golpe, imaginando tratar-se apenas de pontual e circunstancial limpeza política, capaz de permitir a imediata sequência do regime democrático. Ledo engano: concomitantemente com a imposição do Ato Institucional (AI) número 1, a política econômica e social antidemocrática foi sendo implementada, tendo como objetivo imediato o estabelecimento do teto dos gastos públicos.
Pode parecer coincidência, mas não é. Os golpistas de 2016, tão logo se estabeleceram, buscaram passar da retórica à prática, lançando os primeiros passos da nova política econômica e social antidemocrática.
Este é justamente o caso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 que trata do teto para os gastos públicos, mas sem mexer nas enormes despesas financeiras que alicerçam o rentismo no Brasil. Se confirmada, a PEC 241 não apenas colocará o rebaixamento dos gastos públicos não financeiros, como o social, mas alterará profundamente a orientação da política econômica e social, assim com o AI-1 da ditadura realizou há 52 anos, com a limitação dos gastos públicos.
Dessa forma, tende a haver a liquidação da base da economia social assentada nos grandes complexos do Estado de bem-estar social, especialmente no âmbito da seguridade social (saúde, previdência e assistência social) e educação, que se mostram favoráveis ao avanço do gasto social relativo ao PIB. Atualmente, por exemplo, o gasto social agregado se aproxima ao equivalente a 23% do PIB, quase 10 pontos percentuais a mais do que o verificado em 1985 (13,5%).
Em síntese, constata-se que de cada R$ 4 gastos no país, um vincula-se diretamente à economia social. Se for contabilizado também o seu efeito multiplicador, pode-se estimar que quase a metade de toda a produção de riqueza nacional se encontra relacionada direta e indiretamente com a dinâmica da economia social.
De maneira geral, registra-se também que o rendimento das famílias depende, em média, de quase 1/5 das transferências monetárias derivadas das políticas previdenciárias e assistenciais da seguridade social brasileira. Antes da Constituição Federal de 1988, as famílias não chegavam a deter, em média, 10% dos seus rendimentos com transferências monetárias. Enquanto na base da pirâmide social, o peso das transferências monetárias no rendimento das famílias cresceu 4,1 vezes em quase três décadas (de 7% para 29%), no cume aumentou 2,4 vezes (de 8% para 19%).
A aprovação da Emenda Constitucional 241 eleva a instabilidade, com a ruptura do acordo político de 1988, e dissolve parcela significativa do dinamismo possível da produção pela economia social. Mas ao contrário dos golpistas de 1964, os atuais não dispõem de soluções possíveis para reativar o conjunto das atividades econômicas e sociais do país.
Ao contrário, tende-se a assistir a prevalência da incapacidade de crescimento econômico, lançando a sociedade à convivência com a trajetória da regressão inimaginável dos indicadores sociais e econômicos.
* Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Por Pablo Ortellado
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A Associação Nacional dos Jornais entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para estender a restrição a participação estrangeira na comunicação social aos portais de Internet. O alvo são os sites estrangeiros que tem feito bom jornalismo por aqui: BBC Brasil, El País Brasil e The Intercept. O argumento utilizado é apenas cínico: impedir que a seleção e filtro das notícias passe por estrangeiros, o que geraria viés e interferência.
Ultimamente, entre os estrangeiros e as 7 famílias que controlam a imprensa nacional, estamos muito melhor servidos pelos estrangeiros que tem conseguido escapar do jogo de poder local e oferecer cobertura séria e balanceada da nossa vida política. Sem BBC e El País, vamos ter que novamente escolher entre os Frias, os Marinhos, os Mesquitas, os Saad e os Civita e suas reportagens editorializadas apoiando sempre as políticas econômicas mais liberais e os grupos políticos da direita e da centro-direita.
ANJ vai ao STF para que portais de notícia sigam mesmas leis que jornais
Do Conjur
Portais de notícia são empresas jornalísticas e devem ser regulados pela mesma legislação que rege jornais e revistas impressos. É o que defende a Associação Nacional de Jornais (ANJ), que ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.613) com pedido para que o Supremo Tribunal Federal dê interpretação conforme a Constituição a dispositivos da Lei 10.610/2002.
A lei dispõe sobre a participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. O foco da ADI é a expressão “empresas jornalísticas”, contida nos artigos 2º, 3º, 4º e 5º da lei. “A intenção é esclarecer que não abrange apenas pessoas jurídicas que produzam publicações impressas e periódicas, mas toda e qualquer organização econômica que produza, veicule e divulgue notícias voltadas ao público brasileiro, por qualquer meio de comunicação, impresso ou digital”, afirma a ANJ.
Segundo a associação, a manifestação do STF se faz necessária para afastar interpretações no sentido de que sites de notícias hospedados na internet, apesar de produzirem, veicularem e divulgarem notícias, não poderiam ser conceituadas como empresas jornalísticas, e a expressão abarcaria apenas a imprensa tradicional (jornais e revistas de papel). “Os adeptos desse entendimento afirmam haver a necessidade de lei específica para o enquadramento dos sítios de notícias da internet”, afirma.
A ANJ sustenta que a interpretação dos dispositivos questionados que exclui os portais da regulação da atividade jornalística contraria o sentido e o alcance do artigo 222 da Constituição da República, que, a seu ver, integra o núcleo do marco regulatório da Comunicação Social. A restrição à participação estrangeira no setor, segundo a entidade, teve por objetivo “garantir que a informação produzida para brasileiros passasse por seleção e filtro de brasileiros”.
Houve, conforme alega, “uma opção constitucional por estabelecer uma espécie de alinhamento societário e editorial com vista à formação da opinião pública nacional”. Nesse contexto, “admitir que empresas jornalísticas que atuem na internet não precisem respeitar as regras constitucionalmente aplicáveis exclusivamente em razão do meio utilizado frustraria, de forma cabal, a finalidade da norma constitucional”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF. 
Por Fernando Brito, no Tijolaço:
O povo do Rio foi tolo ou nós é que o abandonamos?

A apuração vai revelando uma vitória muito mais folgada do que os institutos de pesquisa haviam previsto para Marcello Crivella e ainda muito maior do que, na esquerda, em algum momentos muitos chegamos a sonhar.

O mapa aí em cima, mais do que qualquer discurso, explica para qualquer um que queira ver: faltou povo à candidatura Freixo.

Porque a Igreja Universal ou mesmo a soma de todas as denominações evangélicas não tem os 75% que o candidato Crivella obteve na Zona Oeste e o quase isso que teve na Zona da Leopoldina.

Lá, só se entra com sentido histórico ou com política e a Freixo, infelizmente, faltaram ambas.

Não (só) por culpa do PSOL ou dele, Freixo, a quem não conheço pessoalmente e não tenho razão alguma para duvidar das boas intenções, nem do talento que possui.

Mas, essencialmente, por alguns fatores que sua campanha conteve e que, em minha opinião, lhe foram fatais.

O primeiro deles foi a negação da política, acreditando nesta bobagem de que engrossar o coro da criminalização da política possa ter alguma serventia à esquerda.

Os criminosos da política vão muito bem, obrigado, e isso só “cola” na mídia quando atinge a esquerda.

O segundo erro é desconhecer que há uma história, que se assenta na memória profunda das comunidades, que não lhes soma negarem. O povão da periferia do Rio de Janeiro já foi Vargas, foi Brizola, foi Lula e ainda é. Se não é, seu pai é, seu avô é, a sua memória o chama para ser.

O terceiro erro explica os dois primeiros: aceitar a ideologia dominante e achar que vai pegar “carona” no discurso uníssono dos meios de comunicação. Pensar que a campanha da Globo contra Crivella era a chave da possibilidade de vitória.

Não: a Globo é imitada, repetida, assistida.

Mas não é amada e menos ainda tem a confiança do povão. E com toda a razão.

Tudo que a Globo disse ao povo que era bom, foi ruim. Tudo o que ela disse que era ruim, o povão sentiu como seu.

Faltou povo na candidatura “popular” ou faltou “popular” na campanha da esquerda?

Politicamente correto sei que sobrou.

E ele não resolve a política real.

Quem quer lutar ao lado do povo não pode achar que ele é um todo e que só nós somos, perdão pela apropriação bíblica, o caminho, a verdade e a vida.

Ps. É bom frisar: a Globo perdeu a eleição onde acha ser seu quintal.
Odebrecht diz que caixa dois para Serra foi pago em conta na Suíça
A Odebrecht apontou à Lava Jato dois nomes como sendo os operadores de R$ 23 milhões repassados pela empreiteira via caixa dois à campanha presidencial de José Serra, hoje chanceler, na eleição de 2010.
A empresa afirmou ainda que parte do dinheiro foi transferida por meio de uma conta na Suíça.
O acerto do recurso no exterior, segundo a Odebrecht, foi feito com o ex-deputado federal Ronaldo Cezar Coelho (ex-PSDB e hoje no PSD), que integrou a coordenação política da campanha de Serra.
O caixa dois operado no Brasil, de acordo com os relatos, foi negociado com o também ex-deputado federal Márcio Fortes (PSDB-RJ), próximo de Serra.
Os repasses foram mencionados por dois executivos da Odebrecht nas negociações de acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, e a força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba.
Um deles é Pedro Novis, presidente do conglomerado de 2002 a 2009 e atual membro do conselho administrativo da holding Odebrecht S.A. O outro é o diretor Carlos Armando Paschoal, conhecido como CAP, que atuava no contato junto a políticos de São Paulo e na negociação de doações para campanhas eleitorais.
Ambos integram o grupo de 80 funcionários (executivos e empregados de menor expressão) que negociam a delação. Mais de 40 deles, incluindo Novis e Paschoal, já estão com os termos definidos, incluindo penas e multas a serem pagas. Falta apenas a assinatura dos acordos, prevista para ocorrer em meados de novembro.
Folha revelou em agosto que executivos da Odebrecht haviam relatado à Lava Jato o pagamento de R$ 23 milhões (R$ 34,5 milhões, corrigidos pela inflação) por meio de caixa dois para a campanha de Serra em 2010, quando ele perdeu para a petista Dilma Rousseff.
Foi a primeira menção ao nome do político tucano na investigação que apura esquema de desvio de recursos na Petrobras.
Para corroborar os fatos relatados, a Odebrecht promete entregar aos investigadores comprovantes de depósitos feitos na conta no exterior e também no Brasil.
Segundo informações do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a empreiteira doou oficialmente em 2010 R$ 2,4 milhões para o Comitê Financeiro Nacional da campanha do PSDB à Presidência da República (R$ 3,6 milhões em valores corrigidos).
Os executivos disseram aos procuradores que o valor do caixa dois foi acertado com a direção nacional do PSDB, que depois teria distribuído parte dos R$ 23 milhões a outras candidaturas.
Segundo a Folha apurou, os executivos afirmaram também que o pagamento de caixa dois não estava vinculado a nenhuma contrapartida.
Pedro Novis e José Serra são amigos de longa data. O tucano é chamado de “vizinho” em documentos internos da empreiteira por já ter sido vizinho do executivo. O ministro também era identificado como “careca” em algumas ocasiões.
O nome de Serra é um dos que apareceram na lista de políticos encontrada na casa do presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, o BJ, preso durante a 23ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Acarajé, em fevereiro deste ano.
Benedicto Júnior também está entre os delatores e fechou o foco de sua colaboração com os investigadores.
Os depoimentos dos funcionários da Odebrecht começarão após a assinatura dos acordos de delação.
Depois de finalizados, o material será encaminhado ao relator da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Teori Zavascki, para homologação.
OPERADORES
Atualmente filiado ao PSD, o empresário Ronaldo Cezar Coelho foi um dos fundadores do PSDB nos anos 80, tendo presidido o partido no Rio de Janeiro.
Durante os mais de 20 anos em que permaneceu na sigla, elegeu-se deputado federal pelo Estado, despontando como um dos políticos mais ricos da Câmara.
É amigo de José Serra e chegou a emprestar seu avião particular para o tucano usar durante a eleição de 2010.
Devido ao bom trânsito no mercado financeiro, teria atuado também como “tesoureiro informal”, segundo participantes do comitê eleitoral.
Já Márcio Fortes é conhecido como homem forte de arrecadação entre o tucanato por causa da boa relação que mantém com empresários.
Ele atuou nessa área em campanhas de Fernando Henrique Cardoso à Presidência, na década de 1990, na campanha de 2010 de Serra e na de 2014 de Aécio Neves, todos do PSDB.
OUTRO LADO
Procurado para se manifestar sobre as informações dadas pela Odebrecht à Lava Jato, o ministro de Relações Exteriores, José Serra (PSDB), disse, por meio de sua assessoria, que “não vai se pronunciar sobre supostos vazamentos de supostas delações relativas a doações feitas ao partido em suas campanhas”.
“E reitera que não cometeu irregularidades”, afirmou.
O empresário Ronaldo Cezar Coelho declarou que não comentará o assunto até ter acesso aos relatos feitos pelos executivos da empreiteira que citam o seu nome.
Por meio de seu advogado, o criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Cezar Coelho afirmou que participou da coordenação política da campanha de José Serra à Presidência, em 2010, na qual o tucano foi derrotado pela afilhada política do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff (PT).
No entanto, Cezar Coelho negou que tenha feito arrecadação para o tucano.
“Como fundador do PSDB, Ronaldo Cezar Coelho participou de todas as campanhas presidenciais da sigla”, disse Mariz de Oliveira.
Em agosto, quando a Folha publicou que a Odebrecht relatou o pagamento de R$ 23 milhões via caixa dois, José Serra disse que a campanha de 2010 foi conduzida de acordo com a legislação eleitoral em vigor.
Afirmou ainda que as finanças de sua disputa ao Palácio do Planalto foram todas de responsabilidade do seu partido, o PSDB, e que ninguém foi autorizado a falar em seu nome.
“A minha campanha foi conduzida na forma da lei e, no que diz respeito às finanças, era de responsabilidade do partido”, escreveu em nota na época.
A reportagem tentou contato com o ex-deputado Márcio Fortes por meio de telefone celular e de sua empresa, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.
A Odebrecht afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não irá se manifestar sobre a reportagem.
Desde que a empresa passou a negociar acordos de colaboração premiada e leniência (espécie de delação da pessoa jurídica), em março deste ano, ela deixou de se pronunciar publicamente sobre fatos investigados na Lava Jato ou que serão relatados por seu funcionários.
A expectativa de envolvidos nas negociações é que a assinatura dos acordos de delação ocorram em meados de novembro e a homologação deles seja realizada até o final do ano.
Nas conversas preliminares da Lava Jato com a Odebrecht, além de Serra, vários políticos foram mencionados, entre eles o presidente Michel Temer, os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, governadores e parlamentares. Todos os citados negam a prática de irregularidades.

domingo, 30 de outubro de 2016

por Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo, em 30/10/2016
O confronto entre Judiciário e Congresso está destinado a agravar-se, sem que pareça possível levar a algo positivo, de qualquer ponto de vista. O incidente que incluiu Renan Calheiros não foi ocasional, fez parte da tensão entre as duas instituições. Mas não é a causa do agravamento previsível e ameaçador.
Nos dias que precediam o incidente, Sergio Moro deu várias estocadas no Congresso. Como sempre, não falou só por si. Chegou mesmo a um mal disfarçado ultimato. Não foi em entrevista ligeira, pouco pensada. Foi na Assembleia Legislativa do Paraná que concitou o Congresso a “mostrar de que lado se encontra nesta questão” –a corrupção.
Quatro dias antes, Moro dirigia-se a juízes e servidores do Paraná ao dizer que, se aprovado o projeto contra abuso de autoridade (não só de magistrados), a decisão do Congresso “vai ser um atentado à independência da magistratura”.
Tidas mais como provocações do que defesa de ideias, as investidas de Moro têm exacerbado irritações, no Congresso, a ponto do senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB a serviço de Temer como líder do governo, dizer que “Moro se considera o superego da República”.
O juiz de primeira instância que se sobrepôs ao Supremo Tribunal Federal e ordenou a ação policial no Senado agiu, no mínimo, sob influência da autovalorização que juízes e procuradores fazem, no caso combinada com o desprestígio do Congresso.
Fez útil demonstração para aferir-se o ponto em que está a desarmonia funcional e institucional de Judiciário e Congresso. Como antecipado pela própria presidente do Supremo, com a reafirmação do radicalismo corporativo exposto, para muitos pasmos, já no discurso de posse.
É nesse ambiente que os congressistas estão para injetar dois excitantes poderosos. São os processos de votação, com as discussões preliminares e emendas, do projeto contra abuso de autoridade, proposto pelo Senado; e do projeto de pretensas medidas de combate à corrupção, de iniciativa da Lava Jato e complacente com abusos de autoritarismo.
Moro dá a entender que pode admitir alguma emenda nos dez pontos originários do seu grupo. Mas Deltan Dalagnol dá o tom da exigência beligerante: as dez medidas devem ser “aprovadas em sua totalidade”. Explica: “Para trazer para o Brasil o que existe em países que são os berços da democracia mundial”. Mas não explicou o que é isso –democracia mundial.
Democracia alguma tem leis que permitam práticas abusivas de policiais, procuradores e juízes se feitas com “boas intenções”, como quer o projeto da Lava Jato. Muitas “democracias” têm CIA, M-15, M-16, Mossad; outros têm NKVDs variados.
Por aqui já tivemos DOI-Codi, SNI, esquadrões da morte oficializados. Todos esses na criminalidade inconfessa como parte da hipocrisia “democrática”, e não de imoralidade legal.
Tudo indica que os dois projetos recebam emendas que lhes excluam fugas ostensivas e autoritarismos covardes. Para obter o que quer, porém, a Lava Jato não pôde evitar alguma perda de controle das delações. E isso muda a divisão de forças na Câmara e no Senado, em vários aspectos. Um deles, referente ao Judiciário, à Lava Jato e a determinadas legislações. A propósito, já se leu ou viu que Romero Jucá fez escola com sua convocação para “acabar com essa sangria” de tantas delações.
De outra parte, tudo indica que os contrariados pelas emendas, frustrados nesse capítulo dos seus planos tão pouco ou nada brasileiros, adotem formas de acirrar as tensões e os enfrentamentos, como réplica ao Congresso. E o façam de acordo com as liberdades extremadas e as prepotências que se permitem.
Perspectivas, portanto, que não fogem à regra do Brasil atual. Quando o que é dado como favorável é infundado.

sábado, 29 de outubro de 2016

Movimento Brasil Agora
A FIESP vai ao governo contra a lei do conteúdo nacional
por J. Carlos de Assis
A FIESP foi ao governo que elegeu para lhe propor (ordenar?) a redução de 70 para 40% do percentual de conteúdo nacional em equipamentos importados para a indústria, essencialmente  a de petróleo, a única que ainda cresce nesse momento de crise. É uma inacreditável manifestação de entreguismo por parte desse vendilhão da pátria, chamado Paulo Skaf, que comanda a maior central de patifarias na área industrial em defesa de interesses próprios que faz prevalecerem, por exemplo, sobre os interesses dos trabalhadores ameaçado pelo desemprego ou já sofrendo suas consequências.
A lei do conteúdo nacional é principalmente uma lei de proteção do emprego e da tecnologia nacional. Todos os países do mundo, quando ainda em processo de desenvolvimento, recorreram a alguma forma de proteção da indústria interna. É o óbvio. Sem proteção a empresa nacional é liquidada pela concorrência de empresas estrangeiras em condições tecnológicas mais avançadas. E sem proteção da empresa, desaparece o emprego, razão essencial para uma política industrial de proteção.
Acontece que o senhor Paulo Skaf, que se apoderou e se mantém por meios escusos na presidência da Fiesp, está longe de ser um industrial verdadeiro. Todo mundo em São Paulo sabe que ele não tem indústria, como é também o caso do presidente da Firjan, no Rio. É um vigarista. Elegeu-se e continua se elegendo presidente da entidade recorrendo à manipulação de eleitores fantasmas. Estes últimos são sindicatos de gaveta, cujas empesas desapareceram por muito tempo mas que são preservadas para as manobras eleitorais. Por exemplo, sindicatos de padeiros tem o mesmo peso, na Fiesp, que a indústria automobilística.
Tudo isso teria importância relativa se o senhor Skaf não tivesse sentado em cima de um caixa anual de R$ 3,8 bilhões de dinheiro público que ele gasta com total de e desenvoltura, comprando a grande imprensa. É dinheiro acima do que dispõem a esmagadora maioria dos ministérios. As pessoas pensam que é dinheiro de origem empresarial, mas não é. A quase totalidade é dinheiro do Sesi e do Senai, que o vigarista usa, por exemplo, para pagar deputados em projetos de seu interesse, invariavelmente contra o povo. Agora mesmo a Fiesp, o Sesi e o Senai assinaram anúncio de R$ 15 milhões nos jornais em defesa da sórdida PEC-241, que virou PEC-55 no Senado.
É inacreditável, mas o senhor Skaf não cuidou sequer de esconder a origem pública do dinheiro usado para promover uma lei antes de ser aprovada. No caso do impeachment, ele foi mais discreto. Promoveu uma reunião em São Paulo para juntar R$ 700 milhões a fim de comprar deputados em favor do sim naquela deplorável votação na Câmara, mas apenas os presentes ao encontro e os seus beneficiários (entre os quais meu informante) souberam de suas intenções. Como os industriais reagem às manobras do senhor Skaf? A maioria se conforma porque sabe que o caixa manipulado pelo senhor Skaf é muito poderoso.
Entretanto, que dizer dos órgãos púbicos, da Promotoria, da Justiça? Como o senhor Skaf não é do PT, mas simpatizante do PSDB, goza de uma certa carta de alforria para fazer o que bem entende com o dinheiro do Sesi e do Senai, inclusive comprar deputados. E que dizer dos parlamentares da oposição? Ah, este estão de tal forma esmagados pelo rolo compressor  das pautas-bomba no Congresso que acham que não vale a pena cuidar de um tema menor como o do esbulho do Sesi. A imprensa não comprada, naturalmente, ignora essa situação porque não pertence à esfera discriminatória do juiz Sergio Moro. Enquanto isso la nave va!
 *   *   *
Já dei notícia da criação do Movimento Brasil Agora, que reúne personalidades indignadas da sociedade civil com o processo atual de degradação das instituições republicanas e, em parte, da própria sociedade. Pois bem, nosso foco é 2018. Chegando lá vamos acertar as contas com gente como Paulo Skaf, sem falar na canalha que ocupa ilegitimamente postos de mando na superestrutura da República. Acho que teremos muitos aliados nessa luta.
J. Carlos de Assis - Economista,  professor, doutor pela Coppe/UFRJ.



do Blog do Sakamoto
Governo discute cobrar INSS de aposentados, mas protege ricos de taxação
por Leonardo Sakamoto
Se a equipe responsável por desenhar a Reforma da Previdência confirmar que o governo federal deve propor a possibilidade de cobrança de contribuição ao INSS de todos os aposentados, teremos algumas comprovações – isso, é claro, se ainda restar um país depois dos protestos causados pela aprovação dessa medida.
Primeiro, ficará comprovado que o governo Michel Temer acha que desiguais, ricos e pobres, devem ser tratados de forma desigual. Não como deveria ser, com os trabalhadores sendo mais protegidos pelo Estado por sua condição de vulnerabilidade econômica e social. Mas com as pessoas que dependem do INSS mensalmente para sobreviver, ou seja, a camada mais pobre da sociedade, tendo que voltar a contribuir com a Previdência para ajudar nas contas do país.
Enquanto isso, o governo evita discutir a taxação de dividendos recebidos de empresas (como acontecia antigamente e como é feito em todo o mundo), a fazer uma alteração decente na tabela do Imposto de Renda (criando novas alíquotas para cobrar mais de quem ganha muito e isentando a maior parte da classe média), a regulamentar um imposto sobre grandes fortunas e aumentar a taxação de grandes heranças (seguindo o modelo norte-americano ou europeu).
Isso poderia ajudar o caixa da Previdência e serviria como política de redistribuição ao mesmo tempo, o que é sempre bem vindo em um país concentrador de riqueza como o Brasil. Mostraria também que somos uma democracia de verdade, com o chicote estalando no lombo de ricos e pobres.
Segundo, mostrará que o governo utiliza-se de malabarismos semânticos e lógicos para tentar justificar o injustificável. Segundo os estudos em curso, trazidos à tona em matéria da Folha de S.Paulo, deste sábado (29), o trabalhador que recebe bruto um salário mínimo quando está na ativa sofre o desconto do INSS. Então, pela lógica da equipe de Temer, ele deveria ser continuar sendo descontados e receber o mesmo valor quando aposentado e não o valor cheio.
Não importa que os gastos extras com saúde de uma pessoa idosa sejam maiores que de uma pessoa jovem e saudável. Não importa que a pessoa não receba mais FGTS ou tenha acesso a benefícios dos trabalhadores da ativa. O que importa é o cálculo nominal, frio e desumanizado. O valor de R$ 70,40 pode não representar nada para governantes e magistrados que discutem hoje a redução de direitos. Mas para quem recebe uma merreca de aposentadoria de R$ 880,00 pode ser a diferença em ter dignidade ou não.
Por fim, o governo Michel Temer, com esses estudos e balões de ensaio, segue mostrando que acha que o Brasil é um grande escritório com ar condicionado.
Um dos objetivos da Reforma da Previdência é manter os trabalhadores no mercado de trabalho. Usa para isso a justificativa que a expectativa de vida aumentou, a população mais jovem diminuiu e é necessário alterar as leis para garantir que aposentadorias continuem sendo pagas – o que não discordo de uma maneira geral.
Para isso, querem uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria. Aí reside o problema. Normalmente quem defende a imposição dessa idade somos nós, jornalistas, cientistas sociais, economistas, administradores públicos e privados, advogados, políticos. Pessoas que não costumam carregar sacos de cimento nas costas durante toda uma jornada de trabalho, cortar mais de 12 toneladas de cana de açúcar diariamente, queimar-se ao produzir carradas de carvão vegetal para abastecer siderúrgicas e limpar pastos ou colher frutas sob um sol escaldante. Afinal de contas, o que são 65 anos para nós, que trabalhamos em atividades que nos exigem muito mais intelectualmente?
Diante da incapacidade de se colocar no lugar do outro, do trabalhador e da trabalhadora que dependem de sua força física para ganhar o pão, no campo e na cidade, esquecemos que seus corpos se degradam a uma velocidade muito maior que a dos nossos. E a menos que tenham tirado a sorte grande na loteria da genética, eles tendem a ter uma vida mais curta (e sofrida) que a nossa. Aos 14 anos, muitos deles já estavam na luta e nem sempre apenas como aprendizes, como manda a lei. Às vezes, começaram no batente até antes, aos 12, dez ou menos.
O ideal seria, antes de fazer uma Reforma da Previdência Social, garantirmos a qualidade do trabalho, melhorando o salário e a formação de quem vende sua força física, proporcionando a eles e elas qualidade de vida – seja através do desenvolvimento da tecnologia, seja através da adoção de limites mais rigorosos para a exploração do trabalho. O que tende a aumentar, é claro, a produtividade.
Mas como isso está longe de acontecer, o governo deveria estar discutindo o estabelecimento de um regime diferenciado para determinadas categorias nessa reforma para proteger os trabalhadores que se esfolam fisicamente durante sua vida economicamente útil. O que não seria algo simples, claro, pois em algumas delas os profissionais são levados aos limites e aposentados não por danos físicos, mas psicológicos, chegando aos 60 sem condições de desfrutar o merecido descanso.
É claro que o Brasil precisa alterar os parâmetros de sua Previdência Social e mesmo atualizar a CLT. O país está mais velho e isso deve ser levado em consideração para os que, agora, ingresso no mercado de trabalho. Mas a reforma da Previdência que vem sendo desenhada por Michel Temer sob a benção de Henrique Meirelles ignora que há milhões de trabalhadores que começaram cedo na labuta e, exauridos de força, mal estão chegando vivos a essa idade.
Portanto, é um caso de delinquência política e social que vem sendo aplaudido por setores e grupos para os quais R$ 70,40 significa apenas o preço da caipiroska no almoço de sábado.


 

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

por Conceição Lemes
Na última segunda-feira (24/10), em menos de 24 horas o juiz Sérgio Moro, os procuradores da Lava Jato e os delegados da Polícia Federal (PF) receberam estocadas de quem provavelmente não esperavam.
Primeiro, de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitor (TSE).
Em entrevista à Folha de S. Paulo, ao ser questionado sobre as reações do Judiciário, inclusive de Moro e dos procuradores da Lava Jato, contrao projeto de lei  do senador Renan Calheiros (PMDB/AL), que endurece as punições para autoridades que cometem abuso de poder, Gilmar foi contundente:
Parece que eles imaginam que devam ter licença para cometer abusos! O projeto é de 2009 e não trata exclusivamente de juízes e de procuradores, mas sim de todas as autoridades: delegados, membros de CPIs, deputados. Tanto que a maior resistência à proposta partiu de delegados de Polícia Civil na época. Por isso o projeto ficou tanto tempo arquivado.
Agora, nós temos que partir de uma premissa clara: a definição de Estado de Direito é a de que não há soberanos. Juízes e promotores não são diferentes de todas as outras autoridades e devem responder pelos seus atos”.
“(…) a Lava Jato tem sido um grande instrumento de combate à corrupção. Ela colocou as entranhas do sistema político e econômico-financeiro à mostra, tornando imperativas uma série de reformas.
Agora, daí a dizer que nós temos que canonizar todas as práticas ou decisões do juiz Moro e dos procuradores vai uma longa distância.
É preciso escrutinar as decisões e criticar métodos que levam a abusos”.
Na segunda-feira à tarde, foi a vez do senador Renan Calheiros, presidente do Congresso Nacional:
“A Lava Jato é sagrada, ela significará sempre avanços para o país, mas não significa dizer que não podemos comentar seus excessos, e comentar excessos não significa conspiração”
Foi durante coletiva de imprensa, onde anunciou que ingressaria no STF com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), em razão da Operação Métis no Senado, deflagrada na sexta-feira (21/10) pela PF.
Na ocasião, quatro policiais do Senado foram presos. A operação foi autorizada pelo juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília.
Segundo Renan, o objetivo da ADPF é definir “claramente” a competência dos poderes:
A submissão ao modelo democrático não implica em comportamentos passivos diante de excessos cometidos por outros poderes. Pedimos para fixarmos claramente os limites dos poderes, porque um juizeco de primeira instância não pode a qualquer momento atentar contra um poder. Mandado de busca e apreensão no Senado só pode se fazer por decisão do Supremo Tribunal Federal”.
“Mais do que nunca é preciso defender os valores democráticos. Esse é meu dever. É por isso que estou repelindo essa invasão [a operação da PF], da mesma forma que repeli todos abusos praticados contra o Senado Federal sob a minha presidência”.
“A nossa trincheira tem sido sempre a mesma: a justiça, o processo legal. Sem temer esses arreganhos, truculências, intimidação. Eu tenho ódio e nojo de métodos fascistas, por isso cabe a mim repeli-los”.
 A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, reagiu:
“Todas as vezes que um juiz é agredido, eu e cada um de nós juízes é agredido. E não há a menor necessidade de, numa convivência democrática, livre e harmônica, haver qualquer tipo de questionamento que não seja nos estreitos limites da constitucionalidade e da legalidade”.
Há muito tempo especialistas denunciam os abusos da Lava Jato e a exacerbação do Estado policial no País.
A novidade é o fato de as elas terem partido de Gilmar Mendes e Renan Calheiros.
patrick marianoDaí esta entrevista com Patrick Mariano, severo crítico do Estado policial brasileiro. Ele é mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB).
Viomundo — No início da semana, em menos de 24 horas, o ministro Gilmar Mendes e o senador Renan Calheiros se insurgiram contra os abusos praticados pela PF, Ministério Público e Judiciário brasileiro. Gilmar, citando especificamente os procuradores da Lava Jato. Renan, a ação da PF no Senado, prendendo quatro policiais legislativos.  O que achou do diagnóstico do ministro? 
Patrick Mariano — A lucidez dele é efêmera. De repente, tem um insight e se dá conta de que existe um Estado policial. Em outros momentos se cala diante do arbítrio ou contribui para que ele prevaleça. Geralmente, sua lucidez está ligada à proteção da sua classe social e daqueles com os quais compartilha afinidades ideológicas. Mas alguns pontos do diagnóstico dele estão corretos.
Viomundo — O que destaca?
Patrick Mariano – Primeiro, a crítica ao absurdo que é servidores públicos, como o são os juízes, procuradores e delegados da Lava Jato, se colocarem contra o projeto que pune o abuso de autoridade.
Ser contra o projeto é quase uma confissão da prática de crime. Se você examinar as ilegalidades dessa operação, tanto de método quanto de concepção, talvez seja possível entender a resistência. A Lava Jato é uma fonte inesgotável de arbitrariedades.
O segundo ponto que destaco é a crítica às prisões preventivas da operação, todas ilegais.
Viomundo — Por que ilegais?
Patrick Mariano — Porque buscam atender a outra finalidade que não resguardar o processo penal.
Viomundo — Por que estão contra o projeto?
Patrick Mariano –Talvez justamente porque pratiquem abusos e ilegalidades reiteradas.
Viomundo — Daria pra exemplificar algumas ilegalidades, arbitrariedades? 
Patrick Mariano –São tantas que passaríamos horas conversando. Mas destaco a jurisdição universal que parece ter Sérgio Moro. Ele julga fatos que não são de sua competência. Determina prisões ilegais e conduções coercitivas para satisfazer a chamada “opinião pública” ou publicada, como diz o advogado criminalista Nilo Batista.
O ato de ilegalmente determinar a interceptação telefônica da presidenta da República, Dilma Rousseff, e, depois, divulgar esse conteúdo para a Rede Globo, sem ter competência para tanto, fala por si.
Viomundo – Até censura a um colunista da Folha o juiz Moro já tentou…
Patrick Mariano — Sim, pois é. Ao invés de responder racionalmente ao artigo do físico e professor Rogério César de Cerqueira Leite, Moro preferiu questionar a publicação, como se tivesse investido de poderes de um soberano. Até estranhei a reação dele. Imaginei que Savonarola fosse um exemplo intelectual, uma referência de método empregado na operação.
 Viomundo — O Renan ingressou no STF com uma ADPF por conta da operação da PF no Senado. O que acha?
Patrick Mariano – Se nós vivêssemos num momento de respeito à Constituição e de segurança jurídica, isso não seria necessário. Mas como não estamos, acho bastante importante. Servirá para questionar possível violação, a separação entre os poderes e a autoridade do juiz de primeiro grau que determinou a ação.
 Viomundo — O juiz que expediu o mandado para a PF prender os policiais legislativos poderia legalmente fazer isso ou extrapolou?
 Patrick Mariano — Os policiais legislativos agiram de ofício? Não, cumpriam ordens de senadores. Bom, o juiz resolveu somente investigar a conduta desses servidores e não a dos senadores, não é estranho?
Foi um passa-moleque na competência do Supremo Tribunal Federal.
Ao que tudo indica fazer varreduras está dentro da competência da Polícia Legislativa — eu acho um erro tremendo a ampliação do poder desses grupos — mas está lá.
Então, na verdade, foi uma ação provocadora da PF e do juiz de primeiro grau para questionar a autoridade do Senado. Para amedrontar e demonstrar poder.
Viomundo — Provocação ao Senado a troco de quê?
Patrick Mariano — Para exibir poder, criminalizar o exercício da política e amedrontar o Poder Legislativo. Há muito tempo a Polícia Federal se tornou um partido político. Agora, os procuradores da República querem legislar e juízes de primeiro grau desafiam, sem receio, a autoridade dos tribunais.
Viomundo — Não seria uma provocação também ao próprio STF?
Patrick Mariano –Sem dúvida. Aliás, juízes de primeiro grau impediram nomeações de ministros por parte do Presidente da República e o STF nada fez. Penso que o STF se tornou mera franquia de uma Vara Federal. Não resguarda a Constituição e assiste impassível à retirada da sua autoridade por juízes de primeiro grau. 
Viomundo — O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que a PF estava correta, foi dentro da legalidade. E aí?
Patrick Mariano — O ministro da Justiça se tornou um mero porta-voz da Polícia Federal sem curso de Jornalismo nem media training.
Viomundo — A defesa que a ministra Cármem Lúcia fez do “juizeco” procede? 
Patrick Mariano –Digamos que a manifestação da ministra não está à altura do cargo que ocupa. Ora, como presidente do STF e diante de reiterados ataques ao STF e à Constituição da República de 1988, ela deveria ter outra postura. O cargo exige que aja no sentido de defender a autoridade do tribunal e não só criticar, assim como determinar a apuração de abusos de autoridade praticados por juízes.
Viomundo — Está dizendo que a Constituição e o STF estão sendo atacados e ela tem ficado quieta? 
 Patrick Mariano — Quieta não, é pior do que isso. Ela tem aquiescido e batido palmas, como fazem aqueles colunistas da Globo News naqueles debates de fim de tarde.
Viomundo — Que ataques o Supremo tem sofrido? 
Patrick Mariano — Juízes de primeiro grau agem e decidem como se fossem ministros do STF, ou seja, violam regras básicas de competência. Isso gera um quadro de completa insegurança jurídica.
Viomundo — É impressão minha ou os juízes estão se achando deuses, estão acima de tudo e todos, portanto não passíveis de críticas? 
Patrick Mariano – Infelizmente, a estrutura do Poder Judiciário brasileiro ainda não se adaptou ao regime democrático. Possui práticas quase monárquicas. Até pouco tempo as sessões das provas orais dos concursos de juízes eram secretas e são vários os relatos de candidatos e candidatas reprovados por machismo e idiossincrasias de desembargadores.
Não há transparência nos gastos, muitos juízes recebem acima do teto do funcionalismo e quando praticam crimes têm como pena a aposentadoria com vencimento integral.
Viomundo — Por que só agora  Gilmar e Renan estão chiando, considerando que os abusos vem sendo cometidos há um bom tempo? 
Patrick Mariano — Lembra um pouco a situação do morador de bairro alto diante de uma enchente. O rio começa a subir, mas até então as casas alagadas estão distantes.
Enquanto as vítimas do Estado policial eram petistas, foi conveniente se calar diante do arbítrio. O ledo engano de Gilmar e Renan é que o Estado policial não tem limites, uma vez instaurado não há como conter. As próximas vítimas podem até ser eles.
Aliás, em alguns casos o ministro Gilmar até incentivou esse estado de coisas, como quando impediu a posse do ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil. Ou seja, penso que acordaram um pouco tarde demais.
Viomundo — Daria para sinalizar a partir de quando esses abusos começaram a ocorrer?
Patrick Mariano — São vários fatores. A criminalização da política foi estimulada pela grande mídia, executada por atores do judiciário, Ministério Público e Polícia Federal e se tornou um instrumento, talvez o principal, de partidos que queriam “retirar do poder” o PT.
Basta lembrar a ação penal 470, o chamado mensalão, e programas como CQC e o colunismo do ódio. Junto com isso, a inocência da gestão petista, que permitiu a ampliação legislativa do Estado policial sem qualquer contraponto crítico.
E, por fim, a ascensão política de jovens procuradores e juízes fabricados do dia para a noite, como personalidades públicas, porque se tornaram verdugos de inimigos políticos. O problema é que soltaram um monstro e agora não sabem como colocar de volta na jaula.
Viomundo — Você diz: “inocência da gestão petista que permitiu a ampliação legislativa do Estado policial sem qualquer contraponto crítico”. Explique melhor.
Patrick Mariano — A gestão da presidenta Dilma foi responsável por não impedir o avanço legislativo do Estado policial. Muitas vezes foi até indutor da aprovação de leis de claro conteúdo protofascista e que permitem o arbítrio estatal, como a lei de organizações criminosas.
Viomundo — O PT apostou no republicanismo, que foi usado pelas corporações pra gestar o ovo da serpente?
Patrick Mariano — Sem ter tido qualquer projeto para o sistema de justiça, agora o PT é vítima de leis autoritárias que ajudou a criar. É uma triste ironia. Mistura de arrogância com inocência quanto à luta de classes e quanto ao papel do Estado.
Viomundo — Isso aconteceu tanto nos governos Lula e Dilma? Pelo o que eu li, foi o Tarso Genro, por exemplo, que descentralizou a inteligência da PF, permitindo que, em cada se estado, ela fizesse o que bem quisesse.
Patrick Mariano — As gestões do PT no Ministério da Justiça foram muitos ruins e refletem a falta de uma visão estratégica para o sistema de justiça, com exceção do ministro Eugênio Aragão que, infelizmente, ficou pouco tempo. Tarso ainda foi firme na questão do Cesare Battisti, de resto as atuações foram pífias e patéticas.
Viomundo — Nós estamos vendo um aumento da criminalização dos movimentos sociais. Isso faz parte do Estado policial?
 Patrick Mariano – Para os assim chamados debaixo — as classes mais pobres e os movimentos de cidadania e reivindicatórios — o Estado policial chegou há décadas. Mas os efeitos da sua ampliação nos últimos anos serão ainda mais nefastos.
A decisão do STF de desrespeitar o princípio constitucional da presunção de inocência fará com que os números do encarceramento em massa sejam ainda mais absurdos. Assim como a desastrosa política de gestão judiciária que restringiu enormemente a eficácia do habeas corpus.
Com o avanço de políticas neoliberais haverá protesto social e, para refreá-lo, o direito penal, ampliado pela equivocada gestão petista, servirá como instrumento poderoso.
Viomundo – Está se referindo à decisão do STF que possibilita a prisão em segunda instância?
Patrick Mariano — Sim, um horror aquele julgamento. Ali houve uma opção clara da Corte Suprema pelo punitivismo e pelo encarceramento em massa em total desrespeito à Constituição que assegura, sem limitações, a presunção de inocência.
Patrick Mariano — Como acabou eficácia do habeas corpus?!
 Patrick Mariano — Por uma desastrosa decisão de gestão judiciária limitaram — e muito — o habeas corpus, instrumento histórico de defesa do cidadão contra o arbítrio estatal.
Viomundo — O que significa a ampliação do direito penal na gestão do PT?
Patrick Mariano – No poder, a esquerda não se deu conta de que a sua luta histórica é pela ampliação dos direitos e das garantias individuais. Flertou com o populismo penal e, agora, paga um trágico preço.
Patrick Mariano — Em que medida a lei antiterrorismo da presidenta Dilma está contribuindo para isso?
Patrick Mariana — É mais um equívoco legislativo tremendo. Centenas de organizações da sociedade civil pediram ao governo que retirasse esse projeto. Em vão. A lei foi aprovada cheia de erros e com artigos inconstitucionais. Na verdade, é mais um instrumento punitivo nas mãos de poder político.
Viomundo — Quais as consequências?
Patrick Mariano –Mais repressão.
Viomundo — O que a sociedade deve fazer?
Patrick Mariano — Os movimentos populares precisam se organizar cada vez mais. Além disso, denunciar e exercer a solidariedade. E, claro, refletir e procurar entender porque parte da esquerda, mesmo diante de inúmeros avisos, não se deu conta de que sua luta histórica é pela efetivação e ampliação dos direitos e não pelo seu sufocamento.
PS: Ontem, quarta-feira (26/10), após essa entrevista, houve a divulgação de que ONU aceitou a petição do ex-presidente Lula que denuncia as ilegalidades do sistema de justiça praticadas em seu desfavor e de sua família. Por isso, fiz hoje mais esta pergunta a Patrick Mariano:
Qual o significado ou possíveis reflexos da aceitação da denúncia do ex-presidente Lula pela ONU, evocando pactos e decisões das cortes internacionais?
Patrick Mariano — Se o sistema de justiça brasileiro não tem sido capaz de garantir os direitos e garantias fundamentais dos seus cidadãos, resta o pedido de proteção aos fóruns e organismos internacionais. Se consideramos que vivemos em um Estado policial, os efeitos são semelhantes às cartas que denunciavam a tortura na época da ditadura. Isso é importante porque fura a bolha e o conluio que existe entre a grande mídia brasileira e a inquisição de juízes e procuradores.
da Carta Capital
O golpe será televisionado
por Sergio Lirio
Reconcentração de verbas publicitárias na mídia tradicional, perseguição às vozes dissonantes, desmonte da tevê pública... Temer paga a conta
"Uma luz no fim do túnel”, decreta o editorial de O Estado de S. Paulo da terça-feira 11, dia seguinte à aprovação na Câmara dos Deputados da emenda constitucional que limita os gastos em saúde e educação.
“Piso para o futuro”, proclamava o editorial da Folha de S.Paulo do dia anterior, em defesa da mesma emenda.
“Pós-impeachment destrava negócios e atrai estrangeiros”, comemora a manchete da sexta-feira 14 do Valor Econômico.
“Gasolina deve cair mais e ajudar na redução de juros”, prevê O Globo em sua manchete do sábado 15.
O esforço dos meios de comunicação tradicionais para emular um ambiente positivo na política e na economia é perceptível a olhos nus, basta trafegar pelas páginas de jornais ou dedicar algum tempo ao noticiário na tevê e no rádio.
É possível, no entanto, demonstrá-lo de maneira mais cabal. Um levantamento do site Manchetômetro, sistema de monitoramento das notícias publicadas nos principais diários do Brasil gerenciado pelo Laboratório de Mídia e Esfera Pública, ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, transformou em gráfico a inflexão da cobertura dos temas econômicos após o impeachment de Dilma Rousseff.

Conforme se vê à página 23, as menções negativas despencaram a partir de abril deste ano, após atingir picos entre agosto de 2015 e fevereiro último, auge da campanha em favor da deposição da presidenta eleita.
Outros dois gráficos complementam a interpretação do comportamento da mídia: predominam no caso de Michel Temer as citações interpretadas pelo laboratório como neutras, enquanto no caso de Dilma Rousseff as referências negativas superam em muito aquelas positivas ou neutras. Da mesma forma, o pico acontece no período mais intenso da operação para removê-la da Presidência da República.
Criador do Manchetômetro, o professor João Feres Jr. diz não ter dúvidas sobre o papel dos meios de comunicação no processo de derrubada da presidenta: “A mídia trabalhou ativamente pelo impeachment”. Feres Jr. destaca a “escalada brutal” das menções negativas à presidenta e à economia após as eleições de 2014. Segundo ele, o tom anti-Dilma prevaleceu até quando os temas eram controversos e exigiam, por sua natureza, uma postura mais equilibrada do jornalismo.
“Certas delações premiadas e a condução coercitiva do Lula foram tratadas como se encerrassem verdades absolutas. O mesmo não se viu, para citar um caso, em relação ao Aécio Neves. Apesar de o nome do senador ter sido mencionado ao menos seis vezes por delatores da Lava Jato, o total de menções negativas a ele nem se compara.”
Feres Jr. não usa o termo, mas se o Manchetômetro captou uma espécie de “jornalismo de guerra” contra Dilma Rousseff, é previsível a mudança de humor dos meios de comunicação após a vitória consumada. Diante de propostas e medidas de “ajuste fiscal” muito parecidas, a má vontade transmutou-se em benevolência. Os indicadores econômicos, diga-se, não mudaram de forma substancial, ao contrário, continuam a piorar e desautorizam a euforia estampada nos jornais.

O desemprego beira os 12%, o Produto Interno Bruto caiu 0,9 em agosto e 5,6% em doze meses, o País tornou-se um pária nas relações internacionais, o que tende a afastar investidores estrangeiros, o número de falências é recorde, os juros continuam escandalosos e o teto de gastos celebrados em editoriais vai representar, segundo cálculos diversos, uma redução de quase 700 bilhões de reais nos investimentos em saúde e educação ao longo dos próximos 20 anos.
Quiçá a “luz no fim do túnel” seja uma autorreferência. Nenhum outro setor teve suas demandas atendidas com tanta rapidez pelo novo governo. Os primeiros atos de Temer trataram de reconcentrar os investimentos publicitários federais nos maiores veículos, boicotar quem tem um posicionamento crítico, CartaCapital incluída, e desmontar o sistema público de radiodifusão concebido no segundo mandato de Lula.
O jornalista Miguel do Rosário publicou em seu blog, O Cafezinho, os mais recentes dados oficiais de gastos publicitários do governo e das estatais. Surpresas? Nada. Entre maio e agosto, a TV Globo, que engolfa cerca de 60% dos anúncios no segmento, recebeu 24,4% a mais do governo federal do que em igual período do ano passado. O aumento do repasse para a Abril, que edita Veja, foi de 624,3%. A Folha de S.Paulo e seu portal UOLembolsaram 78,1% a mais. A Band, 1.129,4%.
Quando se comparam períodos mais longos (de janeiro a agosto), aparecem informações curiosas como a extraordinária expansão de 3.759,4% nos repasses à revista Caras, de fofocas e celebridades. Tal desempenho talvez explique a súbita decisão da Editora Abril, que em recente reestruturação havia se livrado da publicação, de recolocar o título em seu portfólio.
Não há informações sobre a IstoÉ. A revista está, no entanto, recheada de anúncios federais, embora sua circulação não seja mais auditada pelo IVC, principal órgão de verificação do mercado editorial. Ou seja, a União investe na publicação, embora não possua mais um dado confiável e público a respeito do número de leitores da revista.

Apesar do estado de calamidade da economia e da urgência de medidas para melhorar a situação fiscal do País, as primeiras decisões de Temer, ainda na fase de interinidade, visaram o setor de comunicação. No dia seguinte ao afastamento temporário de Dilma Rousseff pelo Senado, o governo cancelou um patrocínio de 100 mil reais da Caixa Econômica Federal para um seminário de blogueiros independentes (então acusados de “dilmistas”) em Belo Horizonte.
Após a remoção definitiva da presidenta, as coisas só pioraram. Por ordem da Secretaria de Comunicação, controlada pelo ministro Eliseu Padilha, foram cancelados os contratos com sites e blogs progressistas (petistas, segundo o novo governo) no valor de 11 milhões de reais, quantia irrisória diante dos gastos bilionários em publicidade estatal nos veículos tradicionais.
O governo justificou a decisão com o argumento de que os anúncios federais devem ser publicados em produtores de notícia e não em espaços de opinião. A Secom também foi orientada a excluir CartaCapital de qualquer programação de mídia. A ordem tem sido cumprida à risca desde então.
Coincidência ou não, na mesma época o presidente da Associação de Mídias Evangélicas, Orli Rodrigues, afirmou que Temer havia prometido premiar as emissoras religiosas com publicidade estatal. O assunto mereceu uma cobertura especial de O Globo e não se sabe se a promessa foi ou será cumprida (em consequência da rixa com a Igreja Universal, proprietária da Record, os Marinho têm restrições a esse tipo de iniciativa).
Além de cortar a publicidade de quem critica explicitamente o processo de impeachment, Temer promoveu o desmonte da tevê pública. Por meio de uma Medida Provisória, destituiu o jornalista Ricardo Melo da presidência da Empresa Brasileira de Comunicação, eleito para um mandato de quatro ano, e instalou em seu lugar Laerte Rímoli, apaniguado do ex-deputado Eduardo Cunha, preso na quarta-feira 19 pela Operação Lava Jato.

A MP ainda extinguiu o Conselho Curador, criado justamente para garantir o caráter público e não estatal da EBC. “O governo agiu para enterrar de vez qualquer possibilidade de fortalecimento de um projeto de tevê pública”, afirma Venício Lima, um dos principais estudiosos de mídia do Brasil, atualmente pesquisador sênior do Centro de Estudos Republicanos da Universidade Federal de Minas Gerais.
A EBC sempre foi tratada pelos meios de comunicação privados como um arroubo “bolivariano” e doutrinário dos governos petistas, mas é justamente sob a administração de Rímoli que se acumulam denúncias de intervenção no conteúdo.
Funcionários da empresa, sob anonimato, relatam frequentes casos de censura interna. Na cobertura da aprovação da PEC do teto de gastos, entrevistas com parlamentares e especialistas contrários à medida teriam sido proibidas ou desestimuladas. Não seria o único caso. Segundo esses relatos, a EBC é, hoje, literalmente, uma tevê “chapa branca”.
Durante seminário em São Paulo no fim de setembro, o uruguaio Edison Lanza, relator para a liberdade de expressão da Organização dos Estados Americanos, declarou-se preocupado com a intervenção na EBC, a tentativa de calar as vozes discordantes e a repressão aos protestos contra Temer. “A falta de políticas para a pluralidade midiática no Brasil é um problema grave para a democracia e para o próprio sistema de comunicação”, afirmou. “Não existe democracia consolidada sem liberdade de expressão.”
Presidente do Barão de Itararé, centro de estudos da mídia alternativa mantido por blogueiros independentes, Altamiro Borges recorre a uma brincadeira para resumir o momento: “O governo Temer não tem as preocupações republicanas do PT. Com a turma do PMDB, a conversa é outra. O objetivo é sufocar quem os critica”.
Entenda-se o contexto das “preocupações republicanas” petistas descritas por Borges. Constantemente acusados de alimentar com dinheiro público meios de comunicação “simpáticos às suas causas”, os governos de Lula e Dilma Rousseff oscilaram em suas políticas de comunicação.

Salvo exceções, foram reações espasmódicas à conjuntura, desconectadas de qualquer estratégia para ampliar e garantir a pluralidade de informação. No segundo mandato de Lula, quando o jornalista Franklin Martins chefiava a Secom, foram adotados critérios técnicos que ampliaram e regionalizaram a distribuição das verbas publicitárias.
A quantidade de meios de comunicação agraciados com publicidade estatal sextuplicaram: de cerca de 300 durante o governo Fernando Henrique Cardoso para quase 2 mil, o que melhorou a eficiência da comunicação do governo e, embora de maneira tímida, estimulou alguma diversidade de opinião. Os sucessores de Martins no governo Dilma abandonaram, no entanto, essa orientação e voltaram a reconcentrar os recursos nos oligopólios.
Resultado: apesar das acusações dos adversários políticos e da mídia hegemônica, o PT reproduziu ao longo de seus 13 anos no poder a lógica dos investimentos de governos anteriores, como se percebe no gráfico à página 22.
Entre 2003 e 2014, a Globo recebeu mais de 6 bilhões de reais em anúncios. CartaCapital, 61 milhões, média de 2 milhões por ano. “A Dilma manteve anúncios naqueles meios de comunicação que ela chamou de criminosos. Os principais veículos, alimentados com dinheiro público, apostaram o tempo todo na desestabilização do governo”, ressalta Borges.
Trata-se de um cacoete do PT, diga-se. Ou um misto de arrogância e ingenuidade. No primeiro mandato de Lula, o senador peemedebista Roberto Requião defendeu a criação de uma rede pública de comunicação, que só sairia do papel seis anos depois, e ouviu do então ministro José Dirceu: “Para quê? Já temos a Globo”.
Dirceu hoje mofa na cadeia e não contou com nenhum beneplácito da família Marinho. Antonio Palocci organizou uma operação de salvamento da mesma Globo por meio do BNDES quando ocupava o Ministério da Fazenda. Atualmente faz companhia a Dirceu em Curitiba.
E Dilma, sempre que confrontada com a tese da necessidade de combater o oligopólio midiático, saía-se com o argumento batido do poder do “controle remoto”, o poder de escolha do consumidor, como se existisse uma gama heterodoxa de opções. Acabou destituída sem ter conseguido explicar para a maioria dos eleitores que seu afastamento atropelou os preceitos constitucionais.
Nenhum outro agrupamento partidário, lembra Borges, atuou ou atua na comunicação pública com a preocupação de parecer isento e transparente. Sob comando do PSDB há duas décadas, o estado de São Paulo, dono do segundo maior orçamento publicitário da República, não parece se abalar com as acusações de favorecer a “mídia simpática” a seu projeto de poder.

Segundo levantamento da jornalista Conceição Leme, entre 2003 e 2014, o Estado gastou sem licitação 155,5 milhões de reais em assinaturas dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo e das revistas VejaÉpoca e IstoÉ. As edições foram enviadas a bibliotecas públicas e escolas sob o pretexto de serem “fontes de boa informação e educação”.
Não foram os únicos contemplados. Em cinco anos, o governador Geraldo Alckmin aplicou 4,5 milhões de reais em publicações do futuro prefeito da capital João Doria, seu correligionário. Doria edita, entre outras, a fundamental revista Caviar Lifestyle.
O governo Temer não destoa da tendência na América do Sul a partir da derrota de governos ditos de esquerda. Na Argentina, o presidente Mauricio Macri igualmente fez questão de pagar um tributo à mídia ao assumir. Entre as primeiras decisões de Macri figura o desmonte da lei de meios aprovada no último mandato de Cristina Kirchner.
Detalhe: a legislação kirchnerista promoveu uma reforma radical do setor, nunca pensada no Brasil. A “ley de medios” forçou a desconcentração dos oligopólios, obrigou o Grupo Clarín a se desfazer de uma série de empresas e  transferiu para a tevê pública o controle da transmissão dos jogos de futebol.
Aqui, a influência da Globo sobre a CBF e os clubes não só distorce a concorrência no mercado de tevê. Ela está na raiz dos escândalos de corrupção investigados dentro e fora do País (a maior parte da propina paga a dirigentes da Fifa saiu da negociação dos direitos televisivos dos torneios internacionais).
Embora pontualmente se registrem recuos em favor de interesses privados nas sólidas legislações de comunicação criadas no século XX na maioria das nações, nada se assemelha à realidade brasileira. Os Estados Unidos, o mais liberal dos países desenvolvidos, mantêm de pé regras centenárias que impedem a concentração da mídia, entre elas, a proibição de um grupo deter em uma mesma área concessões de rádio e tevê e editar jornais ou revistas.
Não existe conglomerado de mídia no planeta com tanto poder concentrado quanto a Globo, destino de 60% da verba publicitária total, associada nos estados a grupos políticos poderosos e dona dos maiores veículos em praticamente todos os segmentos. No México, outro exemplo de forte concentração, a Televisa ao menos disputa espaço com a TV Azteca.
Leis e recomendações continuam a ser produzidas no exterior para evitar a formação de monopólios. Após o escândalo dos grampos ilegais divulgados pelo “falecido” News of the World, do tycoon Rupert Murdoch, o Reino Unido aprovou uma dura legislação de direito de resposta e punição aos crimes cometidos por jornalistas.

O relatório do juiz Brian Leveson, indicado para analisar o episódio e sugerir medidas ao Parlamento, propôs uma nova lei de imprensa e a criação de um órgão fiscalizador. O diagnóstico de Leveson se aplicaria perfeitamente ao Brasil: “Setores da mídia agiram como se seu próprio código de conduta não existisse... desprezo significativo e negligente em relação à verdade factual”.
O Banco Mundial recomenda a adoção de critérios de distribuição de anúncios públicos que estimulem a pluralidade de opiniões. Uma comissão da União Europeia fez sugestões semelhantes aos associados: reservar uma parte dos investimentos para veículos menores e comunitários, capazes de contemplar a diversidade de pensamento existente na sociedade.
Países como a França e a Itália tomam decisões de investimentos públicos baseadas não só em critérios de audiência. Relevância e pluralidade são levados em conta. E a concentração é proibida e desestimulada em praticamente toda a Europa.
No Brasil, caminha-se na direção contrária. Enquanto o Executivo recria o “bolsa-mídia”, a base aliada do governo Temer no Congresso parece disposta a reduzir a liberdade de expressão na internet. O alvo é o Marco Civil aprovado durante o mandato de Dilma Rousseff.
Um projeto em tramitação pretende autorizar o bloqueio e a retirada de conteúdos da rede e ao mesmo tempo atender ao lobby das operadoras de telefonia para limitar o acesso de dados por meio da banda larga.
Em outras palavras, o projeto cria internautas de primeira e segunda classe. “Se depender do Temer e companhia”, avalia Borges, “viveremos um período de censura e obscurantismonas áreas de comunicação e cultura. São ações típicas de governos autoritários.” 

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

 É ilógico que o Congresso fique sujeito a um juiz de 1ª instância, e não ao STF
O esbravejar de associações de juízes e de procuradores contra um protesto do presidente do Senado não é, apenas, mais uma das tantas manifestações de corporativismo com que tais categorias se privilegiam. A reação desproporcional teve também a finalidade de depressa encobrir, com o barulho exaltado, uma ordem judicial vista como abusiva. É dar as costas à democracia.
Nem por ser quem é, Renan Calheiros está impedido de ter, vez ou outra, atitudes corretas. Se a forma como o faça for descabida, e no caso foi, não é o sentido da atitude que deve pagar. Mesmo porque, se falarmos em democracia, defender a soberania relativa do Congresso é tão democrático quanto invadi-lo policialmente não é.
Ainda não consta, embora não falte muito, que os cidadãos –quaisquer cidadãos –tenham perdido o direito de verificar se seus telefonemas, sua correspondência, sua casa e trabalho, enfim, sua intimidade, estão sendo violados. Mesmo a ordem judicial para a violação não cassa tal direito, pois se é desconhecida do vigiado. E não só por ordem judicial há violações à intimidade. É só constatá-lo nos anúncios de detetives particulares e seu instrumental de violações remuneradas.
É inesquecível o caso criado por Gilmar Mendes quando, gravado em telefonema no seu gabinete, acusou Lula de instaurar o estado policial. Um escarcéu. Nelson Jobim foi à Câmara, com prospectos de uma aparelhagem que o Exército comprara e, a seu ver, era a usada para gravar Mendes.
Logo se viu que Jobim só mostrara o que era, de fato, uma propaganda na internet. E a gravação foi feita pelo próprio amigo telefônico a quem o ministro do Supremo pedira, para sua enteada, um emprego boca-rica no Senado.
Gravadores clandestinos do SNI foram encontrados por “varreduras” em muitos gabinetes da ditadura. Fernando Henrique foi gravado manipulando a “privatização” da Vale.
Depois que Eduardo Cunha deixou a presidência da Telerj, evidências de gravações clandestinas tornaram-se epidêmicas no Rio. Até que foi descoberta, perto de uma instalação da FAB no centro, uma central onde foram presos um ex-técnico da Telerj e um sargento. Na Barra da Tijuca, foi localizada uma central chefiada por um coronel. Em São Paulo, usar apelidos e metáforas era frequente em muitos círculos. Nunca deixou de sê-lo por completo, mas mudou: agora é o permanente.
A insegurança no país, pela bandidagem ou pelos novos poderes, torna as “varreduras” aconselháveis: hoje, até a palavra amigo é associada a crime.
Fazer “varredura” é ilegal? Não. Ou sim, desde que direitos, vários, ficaram à mercê do que pretenda um procurador ou um juiz das novas forças – poucos, ainda bem. A conclusão deles, de que “as ‘varreduras’ nas casas de três senadores e de um ex-presidente eram obstrução à Lava Jato”, carece de sentido. Ninguém está obrigado a se sujeitar à hipótese de que esteja com suas conversas sob gravação. Impedir de ter a intimidade violada clandestinamente não é obstrução ilegal. Além disso, nem houve obstrução prática, por falta do que fosse obstruível.
Grampo ilegal foi posto na cela de Alberto Youssef por policiais federais, em Curitiba. Alguns dos que faziam campanha nas redes contra Dilma e o PT e pró-Aécio, o que hoje se pode ver como uma das primeiras evidências da missão político-ideológica que tinham. Têm. Mas a gravação clandestina e a propaganda ficaram nisso mesmo: certas ilegalidades são mais legais do que a lei, a depender do policial, procurador ou juiz que as cometa.
Como disse a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, “cada vez que um juiz é agredido, eu e cada um de nós juízes é agredido”. Sem ressalvas. Logo, não importa o que o juiz faça. Calheiros fez pequena agressão verbal ao juiz de primeira instância que mandou a PF apreender equipamentos do Senados e prender quatro da Polícia Legislativa.
Se um congressista só pode ser processado e julgado pelo Supremo, no mínimo é ilógico que o próprio Congresso fique sujeito a um juiz de primeira instância, e não a decisões do Supremo. Ainda mais se a ordem é de que a Polícia Federal, dependência do Executivo, arrebate bens patrimoniais do Poder Legislativo.

O que parece estar ocorrendo na América Latina é a substituição da farda pela toga”
“O que temos hoje no Brasil e na América Latina de um modo geral é a existência de um estado de exceção que governa com violência os territórios ocupados pela pobreza e onde o Judiciário funciona como instrumento de legitimação de processos de impeachment e de perseguição de adversários políticos. Essas medidas de exceção interrompem a democracia em alguns países e, em outros, mantêm um sistema de justiça voltado ao combate a um determinado inimigo, que é apresentado como bandido. A figura do bandido, em geral, é identificada com a pobreza”.
A avaliação é de Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional e de Teoria do Direito da PUC-SP, que esteve em Porto Alegre na última semana participando de um debate com a professora de Filosofia, Marcia Tiburi, sobre autoritarismo e fascismo no século XXI.
Autor do livro “Autoritarismo e golpes na América Latina – Breve ensaio sobre a jurisdição e a exceção”, Pedro Serrano sustenta, em entrevista ao Sul21, que o sistema de justiça está substituindo o papel que os militares desempenhavam na interrupção de democracias na América Latina.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assinala Serrano, fez uma declaração formal da exceção, dizendo que a Lava Jato estava lidando com questões de caráter excepcional e que, portanto, não deveria se submeter às normas gerais, ou seja, à lei e à Constituição.
Para o professor da PUC-SP, essa foi uma declaração de suspensão da ordem jurídica em nome do combate a um suposto inimigo. “O que parece estar ocorrendo na América Latina é a substituição da farda pela toga”.
Sul21: Como nasceu a pesquisa que deu origem ao seu mais recente livro, “Autoritarismo e Golpes na América Latina: Breve ensaio sobre a jurisdição e a exceção”?
Pedro Estevam Serrano: O objeto fundamental dessa pesquisa foi identificar como são implementadas, na América Latina, medidas de exceção dentro da democracia. Eu comecei a lidar com o tema do estado de exceção em 2007. Antes disso, já me interessava o tema do Judiciário e da jurisdição em relação a esse tema da exceção.
Apesar de vir da área do Direito Constitucional, estou trabalhando hoje, no Mestrado da PUC-SP, com Teoria da Decisão Jurídica. Pesquisando sobre esse tema, deparei-me com a possibilidade de a exceção ocorrer em uma decisão judicial. Neste caso, teríamos uma decisão judicial que, a título de aplicar o Direito, suspenderia o mesmo em nome do combate a um determinado inimigo.
Sul21Em 2007, você já vislumbrava algum vestígio de medidas de exceção no Brasil?
Pedro Estevam Serrano: Não. Era um interesse mais teórico mesmo relacionado a uma leitura que Agamben e Benjamin fazem do conceito de exceção a partir da obra de Carl Schmitt. Com o surgimento do Estado Moderno, após a Idade Média, e da centralização do poder político no Estado, surge com força o conceito de soberania.
Jean Bodin foi o primeiro autor a tratar isso de forma mais articulada e consistente, razão pela qual, muitos o consideram o fundador da ciência política. Bodin entende a soberania como um poder absoluto dos reis, que estabelece uma relação de servidão entre Estado e pessoa, com caráter eterno.
A partir das revoluções Francesa e Americana ocorre a secularização do conceito de pessoa. Até então, ela era revestida de um caráter teológico, onde afirmava-se que todos somos filhos do mesmo Pai e, por isso, dotados de uma certa igualdade. As revoluções burguesas secularizam essa noção, trazendo para cada ser humano, pelo simples fato de ser humano, certa proteção jurídico-política, um conjunto de direitos mínimos reconhecidos pelo simples fato de alguém ser humano.
O pensamento autoritário, pré-iluminista, não deixa de existir por conta disso e passa a propor outra forma de soberania absoluta, que consiste em dizer mais ou menos o seguinte: em épocas de paz e tranquilidade, é correto ter esse sistema de direitos como forma de governança social, mas, quando há a ameaça de um inimigo, ou um cataclismo natural, pode ser necessário afastar o Direito para garantir a sobrevivência do Estado e da sociedade.
A Constituição de Weimar, de 1919, chamava isso de estado de exceção. Até então, esse tema era pensado principalmente no âmbito da guerra, do conflito entre estados. O inimigo era, fundamentalmente, outro Estado que poderia atacar o meu Estado. Esse elemento está presente em todas as constituições contemporâneas, inclusive a brasileira que prevê estado de sítio e estado de defesa.
Carl Schmitt trouxe essa noção do regime jurídico da guerra para o plano interno, para a relação entre Estado e pessoa, criando essa figura da soberania absoluto a título de atender uma demanda de segurança da sociedade.]
O Estado nazista acaba se tornando o grande paradigma desse modelo. Hitler assumiu o poder em 1933. Três meses depois, ocorre o incêndio do Reichstag. Hitler acusa os comunistas de terem provocado o incêndio e, para combater esse inimigo, declara o estado de exceção, suspendendo os direitos. É interessante notar que, durante a ditadura hitlerista, a Constituição de Weimar não deixou de vigir. Hitler não negou a Constituição. Ele simplesmente suspendeu seus direitos fundamentais.
Sul21Isso foi feito por meio de qual instrumento?
Pedro Serrano: Por meio de um ato legal, uma espécie de decreto, aprovado pelo Parlamento. Isso fornece certo paradigma para o que vão ser as ditaduras no século XX. Elas serão governos de exceção, ou seja, ocuparão o poder com uma estrutura de soberania absoluta, numa relação de servidão com a população em geral, suspendendo os direitos de todos, a título de combater o inimigo. Isso foi feito sempre acompanhado do discurso da provisoriedade.
A ditadura brasileira e outras ditaduras latino-americanas apresentam, todas elas, esse discurso. Segundo ele, a ditadura duraria pouco tempo, até que o inimigo fosse derrotado. Depois disso, retornaria a normalidade democrática.
Nestes governos de exceção, ocorre a suspensão de direitos, em algum nível, de toda a sociedade. O direito à livre expressão nas ditaduras latino-americanas foi suspenso de plano para toda a sociedade. Se alguém fosse identificado como inimigo, passava a ter o seu direito à integridade física e à própria vida suspenso. O inimigo, neste caso, não era identificado com nenhuma etnia ou num grupo social específico. O comunista podia ser branco, negro, pobre ou rico.
Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, ganhou força a ideia de que era preciso ter um discurso universal democrático. A esquerda passou a adotar a democracia como um valor estratégico e a direita conservadora também passou a ter um discurso democrático.
Segundo a linha de pensamento desenvolvida por Agamben, a partir daí, ao invés de termos governos de exceção, passamos a ter medidas de exceção no interior da democracia.
Um exemplo disso é o Patriot Act, aprovado nos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro de 2001. É uma lei que autoriza o uso da tortura, que suspende, portanto, todo o direito à integridade física, para combater um inimigo muito bem localizado numa etnia e numa religião: a muçulmana.
A sociedade como um todo manteve o uso de seus direitos. Em um primeiro momento, a medida de exceção atingiu mais especificamente um grupo da sociedade. Depois passou a atingir outros setores também. O mesmo se deu com as leis antiterroristas na Europa.
Então, no interior de regimes democráticos ocidentais passaram a ocorrer medidas de exceção. Aqui na América Latina, a conclusão a que cheguei a partir da pesquisa que realizei em Honduras, Paraguai e na Venezuela é que o agente da exceção – aquele que a sociedade, ou aquilo que chamo de ralé, atribui a função de instaurar a exceção – é o sistema de justiça, ou direta ou indiretamente apoiando alguma medida do parlamento.
Essas medidas de exceção têm sido produzidas em dois sentidos: interromper a democracia em alguns países e, em outros, manter um sistema de justiça voltado ao combate a um determinado inimigo, que é apresentado como bandido. A figura do bandido, em geral, é identificada com a pobreza.
Isso faz com que tenhamos um estado de exceção permanente, vivendo em conjunto com o estado democrático de direito, que governa os territórios ocupados pela pobreza através de, no caso brasileiro, uma força de ocupação territorial que é a PM.
A PM não é uma polícia. Ela é armada e estruturada como uma força de ocupação territorial. Você vai em qualquer região de periferia de uma grande cidade e tem a sensação de estar em um território ocupado onde não se pode mais circular em determinados horários e onde há restrições ao livre pensamento em determinadas situações.
Se você é suspeito, pode ser torturado e morto. Em resumo, é um território onde toda a população que vive nele está sujeita a uma exceção permanente.
Agora, mesmo nos territórios governados pelo Estado de Direito, o que tem se observado na América Latina é a produção de medidas de exceção para perseguir oponentes políticos, o que se aplica também a Venezuela.
Sul21Na sua avaliação, esse é um fenômeno novo ou é a expressão de uma tendência mais antiga na América Latina? A relação do Judiciário brasileiro com o golpe de 1964 não guarda semelhança com o que estamos ver acontecer agora?
Pedro Serrano: A figura da medida de exceção é antiga, não só na América Latina, como na história humana. A presença desse tipo de medidas em regimes democráticos não é nova. O que ocorre hoje é que ela passa a ser estruturante, passa a ser um modo para produzir autoritarismos na democracia.
O Judiciário sempre teve um papel conservador, exercendo uma certa tutela dos interesses das elites em praticamente todos os países do mundo. O que é interessante, no caso da América Latina, é que ele passa a ter um papel novo na sua história, assumindo a condição de uma espécie de poder moderador, um controlador da democracia para garantir que ela não extravase seus limites. Esse tipo de mecanismo de controle sempre existiu na história humana. 
A Constituição não nasce com a ideia que temos dela hoje, como um documento que traz o que há de melhor numa sociedade estabelecido na forma de direitos.
As constituições americana e francesa foram formas de controle dos avanços da revolução.
Logo que ocorreu a independência dos Estados Unidos, houve a produção de legislações em seus estados membros, antigas colônias, em benefício de pequenos produtores, pequenos agricultores, devedores. A elite americana entrou em pânico e produz uma Constituição pra conter esse ímpeto e centralizar mais o poder.
Na França foi pior ainda. Só podia votar quem tivesse patrimônio ou renda. Acho que é por isso que Marx vai falar na democracia burguesa. Era isso mesmo. A classe trabalhadora não votava.
Hoje nós temos a introdução de algumas medidas concretas como forma de contenção da democracia na América Latina, amparadas pelo Judiciário ou praticadas por ele.
Em Honduras, em 2009, a decisão de afastar o presidente Manuel Zelaya foi do Judiciário. O presidente foi afastado do cargo por uma ordem judicial, mas essa ordem foi executada pelo Exército e não pela Polícia como deveria ser. Como se tratava de uma ordem liminar, eles deveria ter apresentado o preso ao juiz.
Ao invés disso, as forças armadas expulsaram Zelaya do país, contrariando um dispositivo expresso da Constituição que proíbe a expulsão de hondurenhos do país e impedindo o direito de defesa dele. Essas medidas são tão agressivas à Constituição que, depois que o mandato de Zelaya acaba, a Suprema Corte reconhece a ilegalidade e anula aquela ordem. Mas aí já tinha terminado o mandato.
No Paraguai, em 2012, a situação chega a ser pior. Quando da cassação do presidente Fernando Lugo, foram dadas duas horas aos advogados para conhecerem os documentos, a acusação e produzirem a defesa, algo materialmente impossível de se fazer.
Os advogados foram à sala constitucional da Suprema Corte e obtiveram a seguinte resposta: como o processo de impeachment não é um processo criminal, Lugo não teria os mesmos direitos de defesa de um processo criminal. O impeachment seria semelhante a um processo administrativo. Eu pesquisei qual o processo administrativo mais simples no Paraguai. É a multa de trânsito. No caso de receber uma multa no Paraguai, você tem direito a 5 dias de defesa e de dez dias de recurso.
Ou seja, é mais fácil você se defender de uma multa de trânsito lá do que defender um mandato popular.
Sul21: Naquela época, você imaginou que algo semelhante poderia ocorrer aqui no Brasil?
Pedro Serrano: Não, eu nem imaginava na época que iria acontecer o que aconteceu no Brasil. O que eu observei nestes fenômenos que ocorreram em Honduras e no Paraguai, medidas de exceção produzidas pelo Judiciário que se dão por meio de uma fraude. A fraude é uma ilegalidade com a roupagem de uma coisa legal.
Há uma fraude democrática. A título de cumprir a Constituição e de realizar a democracia, o Judiciário e o Parlamento rompem com a Constituição e interrompem o ciclo democrático, suspendendo um direito fundamental da sociedade que é o direito à democracia.
Assistimos ao uso do processo judicial, não com a finalidade de aplicar a ordem jurídica e o Direito Penal, mas sim de produzir efeitos políticos. É um processo penal de exceção, que busca combater o inimigo, desumanizando este com um rótulo e suspendendo os seus direitos como pessoa, impedindo que se defenda plenamente. 
Então, o que temos no Brasil e na América Latina de um modo geral é a existência de um estado de exceção que governa com violência os territórios ocupados pela pobreza, amparado em um sistema de justiça que não pune os crimes cometidos contra os cidadãos. Só se fala de impunidade quando o crime é contra o Estado. E temos também o uso do Judiciário como instrumento de legitimação de processos de impeachment e de perseguição de adversários políticos.
Na Argentina, conseguiram derrubar os índices de apoio a presidenta Cristina Kirchner por conta de problemas com o Judiciário. São medidas de exceção no interior de estados democráticos que governam os territórios dos incluídos. Não dá para falar hoje em dia que Lula é um excluído, mas ele representa a imagem dos excluídos na hipótese paranoica das elites.
Há uma conjuntura mais ampla que favorece esse tipo de postura. Ela se aproveita de um conforto histórico, pois, hoje, no mundo inteiro, há um crescimento de uma jurisprudência punitivista.
Uma boa parte da esquerda, aliás, embarca nessa onda, sem ter consciência do que está fazendo. É uma jurisprudência fascista, suspensiva dos direitos das pessoas e que acredita no Direito Penal como a solução para todos os problemas, como um substituto das políticas públicas.
Essa visão enxerga no Direito Penal uma capacidade de governo. Isso vem ocorrendo praticamente no mundo inteiro. É um retrocesso em relação aos avanços dos últimos duzentos anos no campo dos direitos fundamentais.
Sul21: Recentemente, um desembargador da Justiça Federal do Rio Grande do Sul justificou atitudes polêmicas e mesmo ilegais do juiz Sérgio Moro dizendo que ele está lidando com uma situação excepcional que também exigem medidas excepcionais. Essa parece ser uma defesa explícita do estado de exceção, não?
Pedro Serrano: Sim. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região tomou essa posição, citando uma decisão do Supremo que tratava de medidas de exceção e que cita Agamben. Na verdade, cita um trecho que Agamben que descreve o pensamento de Carl Schmitt, como se ele estivesse endossando tal pensamento, quando, na verdade, está criticando.
O TRF4 fez uma declaração formal da exceção, dizendo que a Lava Jato estava lidando com questões de caráter excepcional e que, portanto, não deveria se submeter às normas gerais, ou seja, à lei e à Constituição.
Ou seja, uma declaração de suspensão da ordem jurídica em nome do combate ao inimigo. O que parece estar ocorrendo na América Latina é uma substituição da farda pela toga. Esse estamento representado pelas carreiras públicas que compõem o sistema de justiça traz um pouco daquela imagem que os militares tinham, uma imagem de pureza, de ausência das impurezas da política, esse tipo de visão de mundo que habita a mentalidade daquilo que Hannah Arendt chamava de ralé.
Esse conceito de ralé é interessante. Em seu livro “As origens do totalitarismo”, Hannah Arendt tenta entender como o nazismo acabou tomando conta da Alemanha. Ela cria o conceito de ralé como substituto de povo. Um povo não é um mero aglomerado de pessoas em um regime democrático, mas sim um monte de gente que partilha uma certa visão de sociedade e certos valores.
Em um regime democrático, a sociedade é um ente dividido, frágil e conflitivo, que resolve seus conflitos por mecanismos pacíficos, por meio da Política e do Direito. Já a ralé se reúne em torno de um líder ou de um estamento carismático e tem uma noção de dever ser, uma noção corretiva da sociedade. A sociedade deve ser pura e unida, não deve ter conflitos, mas sim ordem. Acho que no Brasil, hoje, o sistema de justiça ocupa essa função do líder carismático, chamando a ralé às ruas. A ralé clama por essa figura.
 Sul21: No caso brasileiro, essa ralé está representada na classe média?
Pedro Serrano: Hannah Arendt não trata a ralé como um conceito econômico, como uma categoria restrita a uma classe social. Na verdade, a ralé é composta por gente de todos os setores sociais, ricos, pobres e classe média. Aqui no Brasil, provavelmente, há uma maior presença das classes médias, mas ela não exclui a presença de pobres e de ricos.
Ela parece povo, mas não é. Tem uma visão de mundo autoritária, incompatível com a democracia. É uma base social essencial para existir a exceção. Uma característica dos estados de exceção no século XX é que eles sempre tiveram uma forte base social, como foram os casos do nazismo, do fascismo e de várias ditaduras latino-americanas.
No Brasil, essa ralé quer o Judiciário não como produtor de justiça ou aplicador de direitos, mas sim como combatente do crime e fonte da ordem. Essa vontade cria o ambiente para o surgimento de juízes que agem como promotores e para a violação de direitos fundamentais.
Sul21Como você definiria a atuação do juiz Sérgio Moro?
Pedro Serrano: Acho que a crítica não deve ser feita individualmente a ele. Nós temos uma jurisprudência punitivista, que ocorre no mundo inteiro. É uma jurisprudência fascista que tem como paradigma o estado de exceção e o campo de concentração, não a pólis.
Na América Latina, essa jurisprudência passou a desempenhar uma função predominantemente política, muito além da esfera judicial, uma verdadeira governança social, influenciando a economia e todos os ambientes da vida. Moro é um dos agentes desse processo. A maioria do Judiciário e do Ministério Público adere a essa visão. Acham que Direito Penal é uma forma de política pública, uma forma de governar a sociedade, o que é um equívoco.
Sul21: Na sua opinião, esse espírito punitivista já estava presente na Constituinte que deu origem à Constituição de 1988?
Pedro Serrano: Esse é um processo complexo. Na década de 1980, nós tivemos o surgimento de uma esquerda punitivista na América Latina. Era uma esquerda que tinha sido afastada do poder e do processo político democrático. Quando retorna a esse processo, vem com uma visão ingênua e também influenciada por uma linhagem de pensamento autoritária que, na minha opinião, tomou conta da esquerda no século XX.
Essa esquerda entendia o tema dos direitos humanos como uma agenda burguesa e não como uma conquista da humanidade. Isso levou a esquerda a aderir a certos modelos punitivistas.
Nós tivemos um exemplo disso aqui no Rio Grande do Sul, há alguns dias, quando uma liderança do PSOL enalteceu a Lava Jato. A defesa dos direitos humanos e dos direitos fundamentais exige a construção de uma subjetividade especial.
Você tem que aprender a defender os direitos humanos do teu inimigo. São os direitos dele que é preciso defender, mais do que tudo. Defender os direitos do amigo é fácil. Parte significativa da esquerda ainda resiste a aderir a essa visão. Na Venezuela, por exemplo, o uso do sistema de justiça para aplicar medidas de exceção em processos judiciais é intenso. Temos um sistema de justiça usado para perseguir determinados agentes políticos.
Na verdade, esse debate sobre a exceção questiona tanto a direita como a esquerda, ou uma parte desta ao menos. A crítica ao estado de exceção é uma reflexão de esquerda, sem dúvida, mas ela traz uma carga de reflexão para uma parte significativa da esquerda também que ainda não consegue ver os direitos humanos como uma conquista humana e não da burguesia.
Sul21Nós tivemos na semana que passou a prisão de Eduardo Cunha, que tem o potencial de aumentar a instabilidade do governo Temer e do sistema político brasileiro como um todo. Qual o cenário de futuro que vislumbra, considerando o atual estágio da conjuntura?
Pedro Serrano: É difícil fazer previsões no atual cenário. Agamben diz que, na exceção, o paradigma da pólis desaparece e surge o paradigma do campo de concentração. Não é que as pessoas estejam vivendo em um campo de concentração, se bem que se considerarmos as cadeias brasileiras a diferença não é tão brutal assim. A ideia que ele passa aqui é que, no modelo do campo de concentração, as pessoas estão desprovidas de qualquer segurança jurídica, não tem sequer nome, sendo identificadas por um número e estão sujeitas à imprevisibilidade constante quanto à própria existência. A característica da exceção é ser imprevisível. Você pode fazer tentativas de previsão, mas são apenas tentativas.
Eu creio que saímos de uma situação na sociedade brasileira onde certos crimes não eram punidos e hoje a sua punição é usada como justificativa para realizar operações políticas, indo muito além da atividade de punir crimes.
Até esse modelo se esgotar, a tendência dele é se expandir, atingindo a vida de muito mais gente do que está posto hoje. A questão não é o Lula só, mas sim o que vem depois do Lula. Nós teremos um processo penal de exceção. Isso vai virar um hábito na sociedade brasileira. Já está sendo construída legislação para isso como as tais propostas contra a corrupção.
Parte da esquerda não deve ter a ilusão de que, tratando os ricos com a exceção, isso vai de alguma forma beneficiar os pobres. Defender isso é defender a universalização da injustiça. Ao invés de universalizar os direitos fundamentais, estamos universalizando a injustiça que atinge a população pobre. Isso só piora a situação do pobre que vai enfrentar um tratamento ainda mais punitivista e violento.
A grande ilusão da direita é achar que do autoritarismo extremo vem a ordem. A história mostra que do autoritarismo extremo vem o caos. Creio que só esses elementos de caos, que o autoritarismo traz, é que vão fazê-lo ceder. Na hora em que a sociedade sentir os elementos caóticos que vão surgir na vida econômica, política e social, ela vai começar a reagir. Mas até isso ocorrer, creio que haverá um movimento expansivo da exceção.
Sul21O que achou das justificativas para a prisão de Eduardo Cunha?
Pedro Serrano: Muito fracas. Os argumentos estão baseados em condutas que ele teria supostamente adotado no passado. Mas a característica dessa visão punitivista é banalizar a prisão preventiva. Nós temos a quarta maior população aprisionada do mundo, com pouco mais de 600 mil prisioneiros. Destes, mais de 40% estão presos sem sentença de primeiro grau. Como Cunha e outros, estão presos preventivamente com o agravante que muitos deles não têm sequer direito de defesa.
Essa onda punitivista começou a ganhar força na década de 70 com o discurso de Nixon, de combate às drogas e outras questões. Na década de 80, os Estados Unidos começaram a implementar uma política de encarceramento em massa. Em uma década, o país saltou de duzentos e poucos mil aprisionados para mais de dois milhões. No começo, essa política tinha como alvos centrais os negros e os latino-americanos. Surgiram negócios em torno disso com a privatização de presídios. Com o 11 de setembro, esse processo se politiza e torna-se política de exceção. Com o atentado contra as torres gêmeas essa política punitivista sofreu uma incrível expansão, chegando aqui no Brasil de uma forma torta, transformando-se em uma força de organização política e de governança social.
No Brasil, essa jurisprudência punitivista foi tomando conta do nosso Judiciário já há algum tempo, de uma forma silenciosa e sem debate. Foi acontecendo. A partir do caso do “mensalão”, ela adquiriu um papel político e visibilidade. O combate que quem defende os direitos humanos deve fazer não é contra a figura do Moro, mas sim contra uma onda autoritária que tem o estado de exceção como paradigma e que tem tomado conta a jurisprudência mundial. Os países que estão convivendo há mais tempo com isso já estão refletindo. Clinton aprovou a lei que deu mais base para o encarceramento em massa. Hoje, ele se arrepende disso e reconhece que errou, assinalando que o custo desse encarceramento para a sociedade não compensa.
Pedro Serrano: Não era. Se pegarmos a história pessoal da maioria dos ministros, veremos que eram garantistas e não punitivistas. A mídia, que tem um papel fundamental na formação da ralé, tem grande responsabilidade pela mudança que ocorreu no STF e levou vários ministros a reverem suas posições. Faz parte dessa onda punitivista um certo macarthismo social e isso acaba atingindo os juízes também.
Sul21Na sua avaliação, qual a capacidade de resistência social a essa onda conservadora punitivista?
Pedro Serrano: Estou num momento muito caído em relação a isso. Quando eu escrevi o livro, que é produto de uma tese de pós-doutorado que apresentei em Lisboa, eu achava que a sociedade brasileira era mais complexa que a de Honduras e Paraguai e que aqui a resistência democrática seria mais forte. Não foi. A minha visão hoje é meio pessimista, mas talvez se deva a essa expectativa que eu tinha e não foi atendida. Hoje vemos a retomada do poder pelas elites em todos os ambientes sociais.
Sul21: Qual sua opinião sobre as dez medidas contra a corrupção que estão sendo propostas pelo Ministério Público Federal?
Pedro Serrano: Há uma pequena parte dessa proposta que é boa e tem coisas úteis. Mas a maioria delas é degradante da condição humana.
O criminalista Alberto Toron disse que elas representam um retorno ao Estado Novo. É mais ou menos isso. É o retorno a um Estado autoritário no âmbito da justiça penal, algo incompatível com a democracia e com o Estado democrático de direito. Não se acaba com a corrupção através de lei penal. Corrupção é macrocriminalidade e isso não pode ser combatido só com Direito Penal. Macrocriminalidade é um processo complexo que se combate com política pública e com mudança cultural.