domingo, 23 de outubro de 2016

por Sérgio Saraiva
Sergio Moro em Roma e Cunha em Curitiba
“Em Roma, Savonarola foi queimado. Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes”.
Há exatos dez dias, o juiz Sergio Moro não percebe a fina ironia contida no título do texto “Desvendando Moro” do professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite – desvendar também significar retirar a venda dos olhos – alertar – e abespinhado sai-se com está pérola da antítese:
“embora críticas sejam bem-vindas, a publicação opiniões panfletárias-partidárias deveria ser evitadas pelos jornais”.
Como não deu nenhuma explicação sobre o que venha a ser uma “opinião panfletária-partidária” e de como distingui-la de uma “crítica bem-vinda” acabou parecendo que “críticas bem-vindas” são apenas os elogios. E ao que não assim o seja, a censura seria a atitude mais reverente à sua pessoa.
Apanhou uma tréplica ao nível de “intelectos condicionados por princípios de intolerância que não percebem a diferença entre metáfora e ações concretas”.
Pouco tempo antes, ter mandado prender Guido Mantega no hospital onde este acompanhava a esposa em uma cirurgia delicada já lhe custara o chiste de não ser solidário nem no câncer.
Pois bem, há três dias, Sergio Moro surpreende a todos e manda prender Eduardo Cunha. O malvado favorito do Brasil. Ainda que com toda a deferência e respeito à “liturgia do cargo”, Cunha foi para uma cela em Curitiba.
Razões não faltam para prender Cunha. Mas nenhuma que se adeque à justificativa de que Cunha em liberdade poderia, a esta altura dos acontecimentos, fugir ou atrapalhar as investigações. E ainda que muito exista para ser investigado sobre Cunha, com o que já existe, Cunha deveria ir a julgamento e não cumprir pena de prisão preventiva.
O desnecessário de sua prisão para investigar o já investigado levou o Brasil a conjecturar quais as reais intenções do juiz Moro em relação a Cunha. Seria uma demonstração de isenção para justificar a prisão de Lula? Seria para arrancar uma delação premiada que arrasaria o governo Temer? Seria um tapa com luvas de boxe de pelica para denunciar a lentidão do STF? Porém, neste sábado, 22, André Singer na Folha traça a seguinte hipótese: seria tão somente para reverter a má impressão criada com a resposta ao artigo do professor Cerqueira Leite.
Não tenho a menor simpatia por Cunha, mas espero que Singer esteja errado. O direito à liberdade, mesmo de alguém como Cunha, ou de um inacreditável terrorista do Estado Islâmico no Brasil, não pode ser a moeda de troca da popularidade do Judiciário junto à mídia.
Lula – mexeu com ele, mexeu comigo.
Dois dias após a réplica de Moro a Cerqueira Leite, temos notícia de que os procuradores do Ministério Público paulista que ao pedir a prisão de Lula confundiram Hegel com Engels entraram com um processo contra a Folha por indiretamente terem sido tratados por “três patetas”.  Sua alegação: “a crítica é tolerável, a ofensa não”. Já ouvimos esses argumentos antes?
Vá lá que ser comparado com um grupo de humoristas abilolados é bem menos elogioso do que ser comparado com um padre dominicano reformista do século XV, mas por que esperar de março a setembro para protocolar a ação contra o jornal? O caso já parecia esquecido.
E, logo em seguida, eis que os mesmo procuradores apresentam uma denúncia de que houve um “acordo de cavalheiros” ilegal feito pelo “Poder Judiciário de 1º Grau” para que a denúncia de que cuidavam – sobre a propriedade do “tríplex de Lula” – ficasse indevidamente com juiz Sergio Moro em separado da parte da acusação relativa aos crimes supostamente cometidos contra filiados da cooperativa habitacional Bancoop. Tudo ou nada – o Lula é nosso, nós vimos primeiro, parecem dizer. Nas palavras dos procuradores paulistas:
“Aqui tem Ministério Público! Aqui tem Promotores de Justiça que fizeram uma denúncia com convicção. Não denunciamos com base em achismo”. 
A defesa de Lula agradece. E que não a acusem de cometer chincanas para conturbar o andamento do processo.
Quem vigia os vigilantes?
O ministro Gilmar Mendes, decididamente, não pode ser acusado de ser prudente ou contido ao se manifestar sobre algum assunto. No mesmo dia em que Moro prendia Cunha, Gilmar, ao defender ex-ministros de FHC, “ou seja,  gente do melhor quilate” – José Serra entre eles, acusou juízes e o Ministério Público de fazerem chantagem a políticos usando a Lei da Ficha Limpa:
“Promotores e juízes ameaçam parlamentares com a Lei da Ficha Limpa, essa é a realidade… Ao empoderarmos determinadas corporações, estamos dando a eles o poder que eles precisam para fazer esse tipo de chantagem”.
Como chantagem é crime, imagina-se que o ministro Gilmar vá mandar prender juízes e promotores que assim procederam.
Dormindo com o inimigo
A semana ia findando em meio a tais tribulações quando um juiz de primeira instância de Brasília autoriza a Polícia Federal a invadir o Senado Federal e prender ninguém menos que  chefe da Polícia Legislativa. A acusação de fazerem varreduras eletrônicas nas residências de senadores para identificar escutas ambientais.
Não se pense que foram presos por fazerem seu trabalho. Não, a acusação é de que assim fazendo identificavam as escutas lá colocadas pela própria Polícia Federal. E assim cria-se a desconfiança de que seja possível que a Polícia Federal tenha colocado escutas no quarto de dormir de alguma senadora. Gritos e sussurros, o que teria ela dito que interessasse às investigações da Lava Jato?
Com o risco de “arapongas” embaixo da cama, fica muito mais justificada uma revisão e endurecimento da lei de abuso de poder. Seria talvez interessante revisar também o artigo segundo da Constituição Federal, aquele sobre Poderes independentes e harmônicos entre si.
Não há nada tão bom que não possa ser melhorado
Com tudo isso acontecendo, alguém ainda se lembra do “power point de bolinhas”?

Nenhum comentário:

Postar um comentário